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23 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça
há 10 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

T2 - SEGUNDA TURMA

Publicação

Julgamento

Relator

Ministro HUMBERTO MARTINS
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Relatório e Voto

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DE PERNAMBUCO
ADVOGADO : PAULO HENRIQUE LIMEIRA GORDIANO E OUTRO(S)
RECORRIDO : CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA E OUTRO
ADVOGADO : PATRICIA LOBO DA ROSA BORGES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE PERNAMBUCO, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, ao julgar demanda relativa à legitimidade ativa ao ajuizamento de ação civil público por Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, negou provimento ao recurso de apelação da recorrente. A ementa do julgado guarda os seguintes termos (fl. 536, e-STJ):
"Constitucional, Processual Civil e Administrativo. Ação Civil Pública. Ilegitimidade. A OAB não possui legitimidade ativa para ajuizar. Ação Civil Pública de defesa do meio .ambiente e patrimônio histórico⁄cultural, que não está inclusa em sua finalidade institucional de defesa da classe profissional dos advogados. Precedentes. Apelação improvida."
Rejeitados os embargos de declaração opostos, nos termos da seguinte ementa (fl. 616, e-STJ):
"Processual Civil. Embargos Declaratórios. Omissão, Contradição e obscuridade. Inexistência. Constatação de mero erro material. Menção ao art. 57, XIV da Lei 8.906⁄94 quando, na verdade, o intuito do voto era invocar o art. 54, XIV do mesmo diploma legal. Tentativa de reapreciação de questão já claramente, decidida. Impossibilidade. Precedente do STJ. Recurso conhecido e improvido."
A recorrente aduz, no mérito, que o acórdão do Tribunal Regional Federal teria contrariado as disposições contidas nos arts. 44, 45, § 2º, 54, XIV, e 59, todos da Lei n. 8.906⁄94 (Estatuto da Advocacia e da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil). Considera que deve ser reformado o acórdão da origem, uma vez que a OAB teria caráter de autarquia sui generis, possuindo finalidades institucionais que ultrapassariam à defesa da classe.
Ainda, defende também que os conselhos seccionais possuiriam as mesmas funções do Conselho Federal. Em seguida, descreve longamente a ação civil pública intentada que postula a defesa local do patrimônio histórico. Pede o provimento do recurso para que seja determinada a legitimidade ativa ad causam do Conselho Seccional, bem como para que seja considerada procedente a ação civil pública ajuizada (fls. 619-666, e-STJ).
Apresentadas as contrarrazões pelo MUNICÍPIO DO RECIFE (fls. 672-688, e-STJ). A pessoa jurídica de direito público alega que tão somente pode se manifestar sobre o tema da legitimidade, uma vez que somente foi chamada aos autos na presente fase recursal. Argumenta que não deveria ser conhecido o recurso especial por força da Súmula 284⁄STF. Alega que a OAB não possuiria – em suas finalidades institucionais – a defesa do patrimônio histórico e, assim, não poderia ser considerada legitimada à propositura de ações civis públicas sobre tal tema,
Juízo de admissibilidade positivo na origem (fl. 690, e-STJ).
O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso especial, nos termos da seguinte ementa (fl. 720, e-STJ):
"Processual Civil. Ação Civil Pública (ACP). Recurso Especial. Ilegitimidade ativa da OAB para ajuizar ACP em defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Precedentes. do STJ. Parecer pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento."
É, no essencial, o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. CONSELHO SECCIONAL. PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO URBANÍSTICO, CULTURAL E HISTÓRICO. LIMITAÇÃO POR PERTINÊNCIA TEMÁTICA. INCABÍVEL. LEITURA SISTEMÁTICA DO ART. 54, XIV, COM O ART. 44, I, DA LEI 8.906⁄94. DEFESA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DO ESTADO DE DIREITO E DA JUSTIÇA SOCIAL.
1. Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão que manteve a sentença que extinguiu, sem apreciação do mérito, uma ação civil pública ajuizada pelo conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em prol da proteção do patrimônio urbanístico, cultural e histórico local; a recorrente alega violação dos arts. 44, 45, § 2º, 54, XIV, e 59, todos da Lei n. 8.906⁄94.
2. Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo art. 45, § 2º, da Lei n. 8.906⁄84.
3. A legitimidade ativa – fixada no art. 54, XIV, da Lei n. 8.906⁄94 – para propositura de ações civis públicas por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelo Conselho Federal, seja pelos conselhos seccionais, deve ser lida de forma abrangente, em razão das finalidades outorgadas pelo legislador à entidade – que possui caráter peculiar no mundo jurídico – por meio do art. 44, I, da mesma norma; não é possível limitar a atuação da OAB em razão de pertinência temática, uma vez que a ela corresponde a defesa, inclusive judicial, da Constituição Federal, do Estado de Direito e da justiça social, o que, inexoravelmente, inclui todos os direitos coletivos e difusos.
Recurso especial provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Deve ser dado provimento ao recurso especial.
Bem descrevem os autos que o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado de Pernambuco ajuizou ação civil pública com o intento de proteger o patrimônio histórico no Município de Recife. A Seccional se insurge contra a demolição de imóvel no bairro do Poço de Panela.
A magistrada federal de primeira instância extinguiu a ação civil pública sem apreciação do mérito, porquanto considerou que as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não possuiriam o ius postulandi em relação às ações civis públicas, bem como que somente poderiam versar sobre tema afeto às finalidades institucionais da advocacia ou da Administração da Justiça.
O Desembargador Federal relator, no seu voto vencedor, consignou (fls. 541-542, e-STJ):
"A questão da legitimidade para a causa da Ordem dos Advogados do Brasil é o centro, é o fulcro da matéria sob apreciação neste recurso. Eu trago, aqui, no meu voto escrito, diversos precedentes, deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça (Relator, o Ministro João Otávio de Noronha),. no sentido da exigência da demonstração da pertinência temática para que a Ordem dos Advogados do Brasil se considere legitimada para a propositura da ação civil pública. (...)
(...)
Inclusive, eu fiz uma pesquisa aqui e não encontrei, mas tive já a oportunidade de pesquisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito de diversas ações que foram ajuizadas pelo Ministério Público, por diversas entidades ambientalistas, e a OAB - inclusive a OAB da Bahia - tratando da questão da transposição das águas do rio São Francisco. E o Supremo- Tribunal Federal, nessas a ções, só admitiu a legitimação do Ministério Público para a propositura dessas ações, excluindo as demais entidades. Então, diversas entidades ambientalistas o Supremo Tribunal Federal não legitima."
Todavia, a apelação foi negada por maioria, pelo Desembargador federal vogal Edilson Nobre, que abriu voto de divergência com o seguinte teor (fls. 547-548, e-STJ):
"(...), eu vou pedir licença para discordar de V.Exas. O art. 44, I, é bem claro à defesa da Constituição e da ordem jurídico no estado democrático. O art. 54 dá legitimidade à OAB para o ajuizamento de ação civil pública. O argumento da pertinência temática me parece contrariar o entendimento que o Supremo Tribunal Federal tem na matéria de ação direta. A OAB não tem pertinência temática em ação direta. Tal coisa é muito mais relevante que ação civil pública, com o devido respeito.
(...)
(...) A questão de o Ministério Público ter. E a Constituição ter escolhido o Ministério Público. Eu penso que não priva outras entidades da tutela coletiva, principalmente, como no caso concreto, em que a OAB está agindo em caráter supletivo ao Ministério Público. Eu acho que não é uma atribuição exclusiva. Eu penso até o seguinte: que a restrição, nesse caso - há uma pertinência temática - seria, primeiro, inócua, porque torna inócua a atividade do legislativo.
O que haveria de garantia da ordem jurídica - no Estado que trouxe não só direito fundamentais de primeira geração, mas direito fundamentais de segunda e de terceira gerações - se fosse só para assegurar prerrogativas dos advogados? O legislador, na sua liberdade de conformação, certa ou errada, fez essa opção. (...) Eu vou pedir vênia. Eu estou discutindo a opção política. Na hora em que se deu legitimidade para a ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal disse que não tinha pertinência temática. Eu acho que também aqui, no caso, não há pertinência temática. Eu vou pedir vênia à V.Exa. e também ao Des. Domingos para acolher a pretensão e abrir a divergência."
Transcrevo os dispositivos indicados como violados, ao passo que relaciono os argumentos trazidos pela Seccional pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil.
No tocante ao art. 45 da Lei n. 8.906⁄94, considera que teria sido violado o dispositivo, uma vez – defende – ter a referida lei equiparado os conselhos seccionais ao Conselho Federal da OAB, no mesmo sentido do art. 59 do mesmo diploma legal federal. Com tal interpretação, postula que os conselhos seccionais da OAB teriam ius postulandi em relação às ações civis públicas.
Transcrevo os dispositivos:
"Art. 45. São órgãos da OAB:
I - o Conselho Federal;
II - os Conselhos Seccionais;
(...)
§ 2º Os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria, têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios.
(...)
Art. 59. A diretoria do Conselho Seccional tem composição idêntica e atribuições equivalentes às do Conselho Federal, na forma do regimento interno daquele."
Ainda, por meio da alegação de violação do art. 44, em especial, no seu inciso I, combinado com o art. 54, XIV, todos da Lei n. 8.906⁄94, defende a seccional que os conselhos poderiam ajuizar ações civis públicas sobre qualquer tema. Eis os dispositivos:
"Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
(...)
Art. 54. Compete ao Conselho Federal:
(...)
XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;"
Em suma, o recurso especial versa sobre dois pontos. O primeiro é que os conselhos seccionais teriam legitimidade ativa ad causam para manejar ações civis públicas. O segundo tema seria que tais ações civis públicas poderiam versar sobre qualquer tema dentre aqueles listados nos incisos do art. da Lei n. 7.347⁄85, que transcrevo:
"Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V - por infração da ordem econômica;
VI - a ordem urbanística."
Deve ser reformado o acórdão recorrido.
Inicialmente, deve ser considerado que o art. 54, XIV, da Lei n. 8.906⁄94 outorgou o manejo de várias ações especiais ao Conselho Federal da OAB (ações diretas de inconstitucionalidade, ações civis públicas, mandados de segurança coletivos, mandados de injunção e outras) sem necessariamente prever tal prerrogativa aos conselhos seccionais. O paralelismo de atribuições, previsto no art. 59 da Lei n. 8.906⁄94 – entre o Conselho Federal e os conselhos seccionais – existe, porém deve ser lido com temperamento. Assim, um conselho seccional somente pode ajuizar as ações previstas no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringida pelo art. 45, § 2º, da Lei n. 8.906⁄84.
Dessa forma, em princípio é imperioso admitir que os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil possuem competência legalmente fixada para o ajuizamento de ações civis públicas.
Feita essa consideração preliminar, cabe analisar o empecilho da pertinência temática, que foi fixado no Tribunal de origem.
De fato, esse entendimento está fixado na jurisprudência do STJ por um precedente da Segunda Turma, cuja ementa abaixo indico:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. ILEGITIMIDADE DA SUBSEÇÃO DA OAB. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ART. 54 DA LEI N. 8.906⁄94. 1. As Subseções da OAB, carecendo de personalidade jurídica própria, não possuem legitimidade para propositura de ação coletiva. 2. A OAB (Conselho Federal e Seccionais) somente possui legitimidade para propor ação civil pública objetivando garantir direito próprio e de seus associados, e não de todos os munícipes. 3. Recurso especial provido."
(REsp 331.403⁄RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 7.3.2006, DJ 29.5.2006, p. 207.)
Creio que o entendimento, embora louvável, merece ser superado.
A doutrina contemporânea sobre a Lei n. 8.906⁄94 (Estatuto da Advocacia e da OAB –- Ordem dos Advogados do Brasil) tem defendido e tratado como possível o ajuizamento das ações civis públicas, na defesa dos interesses coletivos e difusos, sem indicar restrições temáticas:
"O Conselho Federal tem também legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e ação pública para defesa de interesses difusos, coletivos e individuais, entre outras medidas judiciais, em defesa da sociedade e na defesa da ordem jurídica, dos direitos humanos e dos dogmas constitucionais."(Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao Estatuto da Advocacia. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2010, p. 276.)
Com mais detalhes, leciona Paulo Lôbo:
"Uma das mais importantes inovações do Estatuto sobre a competência da OAB, especialmente do Conselho Federal, é a legitimidade para ajuizamento de ações coletivas, além da ação direta de inconstitucionalidade. São elas, essencialmente: ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações assemelhadas. Essas ações coletivas podem ser propostas não apenas pelo Conselho Federal, mas pelos Conselhos Seccionais (art. 57 do Estatuto) e Subseções quando contarem com Conselho próprio (art. 61, parágrafo único, do Estatuto).
(...)
A ação civil pública é um avançado instrumento processual introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (por exemplo, meio ambiente, consumidor, patrimônio turístico, histórico, artístico). Os autores legitimados são sempre entes ou entidades, públicos ou privados, inclusive associação civil existente há mais de um ano e que inclua entre suas finalidades a defesa desses interesses. O elenco de legitimados foi acrescido da OAB, que poderá ingressar com a ação não apenas em prol dos interesses coletivos de seus inscritos, mas também para tutela dos interesses difusos, que não se identificam em classes ou grupos de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica• Sendo de caráter legal a legitimidade coletiva da OAB, não há necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, quando ingressar em juízo." (In: Comentários ao Estatuto da advocacia e da OAB, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 290-291.)
Tenho que é feliz o entendimento exposto pelo autor, pois a Ordem dos Advogados do Brasil foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal como algo mais do que um conselho profissional. Ela foi alçada a uma categorização jurídica especial, compatível com a sua importância e peculiaridade no mundo jurídico. Ou, na expressão do Ministro Eros Grau, ela é uma "entidade prestadora de serviço público independente; categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro", como se depreende do voto vencedor da ADI 3.026⁄DF, cuja ementa transcrevo abaixo:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE."SERVIDORES"DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos"servidores"da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria.
2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta.
3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.
4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como" autarquias especiais "para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas" agências ".
5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária.
6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB⁄88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.
7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional.
8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente.
9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB.
10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB.
11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade.
12. Julgo improcedente o pedido."
(ADI 3.026⁄DF, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 8.6.2006, publicado no DJ de 29.9.2006, p. 31, no Ementário vol. 2249-03, p. 478 e na RTJ vol. 201-01, p. 93.)
Em linha de consequência, cabe notar que as finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são fixadas por meio de lei federal, o que bem demonstra a sua peculiaridade em relação aos entes associativos.
Ora, se a pertinência temática é exigida de associações, é porque as mesmas podem alterar seus estatutos, para ampliar competências, na medida em que ampliem sua capacidade de atuação. São entes privados e, de tal forma, são muito diferentes da OAB em sua natureza jurídica. A analogia construída em prol da pertinência temática é, portanto, incabível.
Basta ler o inciso I do art. 44 da Lei n. 8.906⁄94 para notar que o legislador federal outorgou para essa entidade a defesa da Constituição, Ordem jurídica, Estado Democrático de Direito, Direitos Humanos e Justiça Social.
Pergunto: é possível considerar a defesa do patrimônio urbanístico como fora do conceito de defesa da justiça social e da Constituição Republicana?
Pergunto, ainda, os demais direitos coletivos e difusos podem ser excluídos, conceitualmente, do rol de objetos passíveis de proteção pela atuação da Ordem dos Advogados do Brasil?
Tenho certeza que não.
Como bem expõe Luiz Werneck Vianna, em obra recente sobre as relações entre direito e política, não é possível ler a competência ao ajuizamento de ações civis públicas pela Ordem dos Advogados do Brasil, senão como pelo adensamento da cobertura da vida social pelo direito. Ou seja, pela ampliação da proteção da sociedade, em atenção aos ditames da Constituição Federal de 1988.
Transcrevo o autor:
"Com a democratização do país, o legislador constituinte de 1988 inverte o sentido dessa relação entre Direito e sociedade. Mais do que erradicar a cultura política autoritária presente em nossas instituições, como nas que exerciam jurisdição sobre o mundo do trabalho, mobiliza o Direito como médium estratégico para o cumprimento do seu programa, pondo à disposição da sociedade instrumentos com os quais possa demandar judicialmente a sua efetivação. Promulgada a Constituição, o legislador ordinário deu seqüência ao espírito de sua obra, ampliando a cobertura da vida social pelo Direito. Do seu empenho legislativo resultou, entre tantas a que trata dos deficientes físicos, dos idosos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a do Estatuto da Cidade, o Código de Defesa do Consumidor, esse último, responsável pela massificação das ações civis públicas e pelo adensamento do papal institucional do Ministério Público.
(...)
Por trás do movimento expansivo do direito nas modernas democracias está o poder político, que o favorece tanto nas Constituições que elabora, quanto em suas leis ordinárias, quanto age responsivamente às demandas e pressões que lhe vêm da sociedade, inclusive ao franquear o acesso da cidadania, como nas ações civis públicas e nas ações diretas de inconstitucionalidade das leis, ao próprio processo de produção do Direito."
(Luiz Werneck Vianna. A judicialização da política. In: Leonardo Avritzer et alli. Dimensões Políticas da Justiça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 211-212.)
Como resta claro, a expansão das ações civis públicas, ausente de limitação temática, é uma consequência lógica do paralelismo da competência para o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade pela OAB. Ambas, são respostas legais ao marco constitucional de 1988, definido pela expansão da defesa dos direitos.
Assim como ocorre com as ações diretas de inconstitucionalidade, não é cabível a limitação ao ajuizamento das ações civis públicas pela OAB em razão de pertinência temática, pelo que se interpreta das suas finalidades, fixadas no art. 44 da Lei n. 8.906⁄94, e, em especial, no seu inciso I.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como penso. É como voto.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator

Documento: XXXXXRELATÓRIO, EMENTA E VOTO
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