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20 de Abril de 2024

Perdão judicial por sofrimento psicológico em crime de trânsito exige vínculo afetivo entre envolvidos

há 10 anos

Em crime de trânsito, para que seja concedido perdão judicial ao agente, em razão de trauma psicológico, é necessário que haja uma prévia relação de intimidade e afeto entre ofensor e vítima. Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar pedido de perdão feito por uma condutora.

A mulher se envolveu em acidente de carro que provocou a morte do motorista do outro veículo. Ela foi indiciada por homicídio culposo e condenada a dois anos de detenção em regime aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

A condutora apelou da decisão, alegando que a morte da vítima se deveu a negligência médica, e invocou o perdão judicial, pois ainda sofreria sequelas físicas e morais. As duas linhas de argumentação foram afastadas, mas o tribunal de segunda instância, de ofício, reduziu a pena restritiva de direitos para um ano.

Ligação emocional

O acórdão levou em consideração o laudo médico que associou a ruptura cardíaca da vítima à ação de instrumento contundente, provocada pelo acidente. Em relação ao perdão judicial, a conclusão foi pela inexistência de provas de que a condutora tenha ficado com sequelas físicas ou psicológicas permanentes, apesar da apresentação de relatórios médicos atestando que foi submetida a medidas terapêuticas em razão do acidente. Além disso, foi destacado que a motorista sequer conhecia a vítima.

De acordo com a decisão, “é compreensível que a apelante encontre-se psicologicamente abalada, porém, para que faça jus ao perdão judicial é necessário que haja um plus no sofrimento, como aquele tipo de dor que só se experimenta pela perda daquele que nos é caro”.

No recurso ao STJ, a condutora alegou que a lei não exige ligação emocional entre autor e vítima para que seja deferido o perdão judicial, bastando demonstrar que as consequências tenham sido graves.

Interpretação razoável

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, disse que não vê empecilho ao perdão judicial “nos casos em que o agente do homicídio culposo – mais especificamente nas hipóteses de crime de trânsito – sofra sequelas físicas gravíssimas e permanentes, como, por exemplo (e não raro), ficar tetraplégico, em estado vegetativo ou incapacitado para o trabalho”. Mas destacou que, no caso julgado, os danos físicos não foram considerados pelo tribunal local.

“A tese definidora da não aplicação do perdão judicial recaiu, exclusivamente, na perturbação psicológica gerada na ré pela morte da vítima. Por esse motivo, não me cabe adentrar na avaliação acerca do posterior estado físico da acusada para aplicar ou deixar de aplicar o benefício em discussão”, explicou Schietti.

Em relação ao sofrimento psicológico alegado, o relator destacou que “a interpretação dada, na maior parte das vezes, é no sentido de que só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos”.

O ministro disse não questionar a veracidade do sentimento de angústia vivenciado por uma pessoa que, sem intenção, mata outra, mas destacou existir uma significativa diferença em relação à situação de quem mata um ente querido.

“Não significa dizer o que a lei não disse. O que se pretende é apenas conferir-lhe interpretação mais razoável e humana, sem jamais perder de vista o desgaste emocional (talvez perene) que sofrerá o acusado dessa espécie de delito que não conhecia a vítima. Solidarizar-se com o choque psicológico do agente não pode, por outro lado, conduzir a uma eventual banalização do instituto do perdão, o que seria, no atual cenário de violência no trânsito – que tanto se tenta combater –, no mínimo, temerário”, concluiu o relator.

Esta notícia se refere ao processo: REsp 1455178

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justiça/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1455178http://dlvr.it/6B4NmV

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4 Comentários

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A tese sustentada pelo STJ é pragmática, mas dista bastante de um juízo razoável da aplicação do instituto do perdão judicial. Evidentemente, existem critérios legais e requisitos taxativos ou não para concessão de um benefício legal como o perdão judicial, porém, quando a discussão jurídica adentra tão profundamente aos aspectos fáticos e concluí, sem mais delongas, que ao não existir vínculo de intimidade/afetividade entre o agente causador do acidente e a vítima deve-se afastar a hipótese de perdão, me afigura uma conclusão apressada e que não preza por nenhum rigorismo científico. Como é possível tornar a experiência de causar a morte de outrem, e no caso em tela particularmente, no contexto de um sinistro de trânsito, mera eventualidade? Concluí-se daí que não há verdadeiramente abalo moral? Que inexiste arrependimento? Que os acontecimentos não implicam, tantas vezes, em um decaimento do responsável em penoso sofrimento? Todos cometem erros e estão sujeitos a pagarem por eles, neste sentido, não é o moralismo que irá criar óbices ao comportamento humano, tampouco a frieza judicante que fará qualquer diferença preenchendo sua fundamentação com visões de mundo românticas ou mecânicas. As ressalvas do relator são válidas em que pese o aparamento das arestas nesta decisão, preconizando por derradeiro a não banalização do instituto e o não ensejamento a isenção de culpa, pois estas questões estão sempre orbitando a atuação do judiciário. Porém, nada afasta a má impressão que fica essa ida e volta descompromissada do íntimo do ser humano ao mundo dos fatos. Fica, portanto, a preocupação com o real intento judicante de uma decisão como essa. continuar lendo

Concordo com sua opinião.
Acho que realmente não se pode banalizar o instituto, mas, por outro lado, também não podemos nivelar por baixo.
Claro que o escrutínio do abalo psicológico deve ser bastante rigoroso e, neste caso, o autor da alegação deve comprovar satisfatoriamente que realmente ocorreu o abalo psicológico pelo evento traumático.
Só creio ser açodado excluir de antemão o perdão apenas porque não havia vínculo afetivo entre autor e vítima.
Ora, e se for uma pessoa que tenha um profundo respeito pela vida humana?
E se for uma pessoa extremamente religiosa?
E se, de fato, houve um abalo, a pessoa se sente realmente culpada pela morte de outro ser humano, já tentou suicídio, entrou em depressão ou coisa semelhante?
Quer dizer que se o sujeito perdeu o amor pela vida, já tentou se matar, entrou em depressão profunda, emagreceu 20kg, e tudo porque foi o responsável pela morte de outro ser humano, em que pese ser desconhecido, mesmo assim as consequências do crime não atingiram o próprio agente de forma tão grave que torne a sanção penal desnecessária? continuar lendo

Itamar, lendo a parte final do seu comentário recordei do filme The Machinist (2004) com o ator Christian Bale. O enredo irá de certa forma ilustrar os argumentos que expusemos aqui. Na hipótese de você não ter visto este filme ainda, me reservarei a não tecer maiores considerações para não prejudicar a tua experiência fílmica. Não é uma obra prima da sétima arte, mas mesmo assim, é uma boa pedida. Fica a dica aí. continuar lendo

Assisti ao filme, caro Felipe Jung, embora não tenha me lembrado dele no momento em que teci minha opinião.
E realmente é um exemplo daquilo a que me refiro, guardadas as devidas proporções.
Quem já sofreu de depressão, por exemplo, sabe que é uma prisão muito mais severa do que a mera privação da liberdade ou restrição de direitos (que é a regra dentre os crimes culposos).
E comumente muito mais duradoura. continuar lendo