18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX SP 2020/XXXXX-1 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 606020 - SP (2020/XXXXX-1)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO GUSTAVO PICCHI - SP311018
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : ADILSON MALAGOLI (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. REGIME FECHADO. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR EM RAZÃO DA COVID-19. RECOMENDAÇÃO N. 62/2020 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PACIENTE NÃO INSERIDO NA EXCEPCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PARECER ACOLHIDO.
Ordem denegada.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício
de Adilson Malagoli, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de
São Paulo, que denegou o HC n. XXXXX-58.2020.8.26.0000.
Consta dos autos que o Juízo da Vara de Execução Criminal da comarca de
Dracena/SP, PEC n. XXXXX-02.2020.8.26.0168, indeferiu o pedido de prisão
domiciliar formulado em favor do paciente (fls. 75/79).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus na origem. O Tribunal a quo
indeferiu o habeas corpus liminarmente, por unanimidade, em 7/8/2020 (fls. 85/90).
Daí o presente mandamus, em que se sustenta, em suma, que, devido à
pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19), bem como à Recomendação CNJ n.
62/2020, o paciente faz jus à prisão domiciliar.
Assevera-se que o paciente faz parte do grupo de risco por ser portador de
hepatite C.
Afirma-se que o estabelecimento prisional onde o paciente se encontra não possui estrutura suficiente para combater um possível surto da Covid-19, pois é um ambiente superlotado.
Requer-se, assim, o direito do paciente de ser colocado em prisão domiciliar.
Em 21/8/2020, o pedido liminar foi por mim indeferido (fls. 96/98).
Prestadas as informações às fls. 111/135, o Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não conhecimento do writ (fls. 142/144).
É o relatório.
Em relação ao pleito de revogação da prisão em razão do novo coronavírus, não há dúvidas de que, ante a crise de pandemia mundialmente causada pela Covid-19 e, especialmente, a iminente gravidade do quadro nacional, intervenções e atitudes mais ousadas são demandadas das autoridades públicas, inclusive do Poder Judiciário.
Entretanto, tais atitudes devem ser tomadas em conformidade com a recente Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que orienta aos magistrados com competência para a fase de conhecimento que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, reavaliem as prisões provisórias.
No que diz respeito à aplicação da Recomendação CNJ n. 62/2020, ressaltese que esta Corte Superior firmou o entendimento de que o risco trazido pela propagação da Covid-19 não é fundamento hábil a autorizar a revogação automática de toda custódia cautelar, sendo imprescindível, para tanto, que haja comprovação de que o réu se encontra inserido na parcela mais suscetível à infecção, bem como que haja possibilidade da substituição da prisão preventiva imposta (HC n. 578.982/SP, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 29/6/2020). Confiram-se também o AgRg no RHC n. 127.112/MS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 30/6/2020; e o HC n. 575.241/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 3/6/2020.
Para tanto, é necessária a demonstração de que o paciente preenche os seguintes requisitos: a) inequívoco enquadramento no grupo de vulneráveis à Covid
19; b) impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se
encontra; e c) exposição a mais risco de contaminação no estabelecimento onde está
segregado do que no ambiente social (AgRg no HC n. 561.993/PE, Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 4/5/2020).
O Magistrado singular, ao indeferir o pedido de prisão domiciliar do paciente,
fundamentou sua decisão nestes termos (fls. 76/79 - grifo nosso).
[...]
Como bem observado pelo representante do Ministério Público, não se desconhece que a jurisprudência pátria tem admitido, em situações absolutamente excepcionais, a flexibilidade ao disposto na norma acima transcrita, concedendo a prisão domiciliar a pessoas condenadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto e fechado, desde que comprovada a impossibilidade da assistência médica no estabelecimento prisional em que cumprem sua pena.
Entretanto, em que pese seja o executado portador de Hepatite C, conforme relatório de saúde encartado a fls. 25, o mesmo apresenta condições de saúde estável, não apresentando queixas de alteração em seu quadro de saúde .
De mais a mais, não se logrou comprovar que a unidade prisional em que se encontra o executado, não tem condições de oferecer o adequado tratamento.
[...]
Igualmente inaplicável ao caso ora em análise, uma vez que o exec utado supra não se encontra preso preventivamente, mas sim em razão de condenação penal transitada em julgado, além de que o documento encartado a fls. 25 não comprova que o executado esteja extremamente debilitado por motivo de doença grave, pelo contrário, conforme acima consignado, dele consta que: "apresenta-se em condições de saúde estável, não apresentando queixas de alteração em seu quadro de saúde" .
Demais, disso, o executado não demonstrou que o Estado não pode dispensar, na unidade prisional, o tratamento exigido pelo quadro clínico.
[...]
Com relação à Recomendação º 62/2020, tenho a consignar que tratando-se de recomendação, este Juízo não está jungido à sua obediência irrestrita, devendo analisar caso a caso.
E, no caso ora em análise, verifico que referida Recomendação não socorre ao executado.
Em que pese a unidade prisional em que se encontra o executado esteja com ocupação superior à capacidade, não se desincumbiu a defesa de comprovar que a mesma (unidade prisional), não disponha de equipe de saúde lotada ou que suas instalações favoreçam a propagação do novo coronavírus .
[...]
Ademais, a doença acometida pelo executado (Hepatite C), é daquelas em que as pessoas conseguem controlar, mediante o uso de medicamentos específicos e, conforme relatório de saúde de fls. 25, encontra inserido na planilha CROSS (Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde),aguardando agendamento .
[...]
No caso, verifica-se que o Tribunal estadual, convalidando a decisão do
Magistrado singular, afirmou que, até o momento, não há provas de que o paciente
faça parte do grupo de risco ou não esteja recebendo o tratamento adequado,
ressaltando que (fls. 87/89 - grifo nosso):
[...]
Aqui, convém notar que o paciente, condenado a cumprir pena total de dezesseis (16) anos, oito (8) meses e onze (11) dias de reclusão por tráfico e furtos, foi há pouco beneficiado com a progressão ao retiro intermediário por decisão datada de 18 de março passado, com término de cumprimento previsto para 24 de dezembro de 2.025.
Breve leitura do boletim informativo e folha de antecedentes criminais permite constatar que ADILSON registra “idas e vindas” pelo sistema prisional desde o início dos anos 2.000, já tendo sido beneficiado com progressão de regime e livramento condicional em ocasiões pretéritas, com constante retorno ao cárcere em razão da prática de novos delitos, destacada a mais recente “quebra” de benefício em virtude de prisão em flagrante ocorrida em 26 de outubro de 2.018 .
No caso, postulou a Defesa a imediata colocação do paciente em prisão domiciliar, com lastro na Recomendação nº. 62 do Conselho Nacional de Justiça e, ainda, na Tutela Provisória Incidental firmada nos autos da ADPF 347/DF ante o quadro de pandemia provocado pelo “novo” coronavírus, a par de apresentado relatório de saúde da unidade prisional dando conta de que ADILSON foi diagnosticado com Hepatite C em outubro passado.
Ao contrário do sustentado, a decisão que indeferiu a pretensão não traduz constrangimento ilegal, cabendo notar que a Lei de Execução Penal confere a possibilidade de prisão domiciliar “especial” diante de presos já inseridos em regime aberto (artigo 117 da LEP), algo que, segundo a jurisprudência dominante, apenas poderia ser aplicado a sentenciados recolhidos em regimes mais gravosos diante de situações extremas, como, verbi gratia, na hipótese do preso acometido de doença grave e que não dispõe de tratamento médico adequado no interior do presídio, algo não verificado “in casu”.
E, embora a situação de calamidade pública atual também possa acarretar excepcional temperamento do dispositivo legal, na hipótese, o documento oriundo da unidade prisional revela que o paciente tem quadro de saúde estável, sem apresentar queixas ou alterações do quadro clínico verificado quando de seu ingresso no estabelecimento prisional .
Ademais, pondere-se que a Recomendação nº. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como o próprio nome sugere, não confere direito subjetivo ou enseja automática concessão da prisão domiciliar (mesmo porque se depara com ato regulamentador editado por órgão vocacionado à atividade fiscalizatória e que não vincula a atividade jurisdicional), sem se ignorar que o próprio enunciado ressalva a necessidade de avaliação de situações pontuais.
Neste ponto, convém repisar o vasto passado criminal do paciente (ao longo da vida adulta, ADILSON acumulou DEZ condenações criminais, quatro delas ainda pendentes de “desconto”) que, inclusive, já violou “votos de confiança” anteriormente recebidos do Estado, tudo a indicar preocupante resistência à terapêutica penal, a despeito das quase duas décadas de constante retorno ao cárcere .
[...]
Não foi outra a opinião do Ministério Público Federal em seu parecer (fls.
142/144).
Portanto, eventual conclusão no sentido da ilegalidade na manutenção da
segregação em regime fechado, à luz da referida recomendação, depende da análise
das condições do estabelecimento prisional em si (art. 4º, I, b, da Recomendação n.
62/CNJ).
Entretanto, as decisões vergastadas dão conta de que o paciente, embora
possa ser portador de hepatite C, não está inserido na excepcionalidade para fazer jus
ao benefício da prisão albergue domiciliar, pois não comprovou que esteja em situação
de vulnerabilidade no ambiente prisional.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SÚMULA 691/STF. EXECUÇÃO PENAL. REGIME FECHADO. PRISÃO DOMICILIAR. COVID-19. RECOMENDAÇÃO 62/CNJ. GRUPO DE RISCO. HIPERTENSÃO. QUADRO ESTÁVEL. PLANO DE CONTINGENCIAMENTO NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO RISCO DE AGRAVAMENTO DA CONDIÇÃO DE SAÚDE. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO LIMINAR. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Quanto à crise mundial da Covid-19, cumpre salientar que esta já trouxe uma realidade diferenciada de preocupação com a saúde em nosso país e faz ver como ainda de maior risco o aprisionamento - a concentração excessiva, a dificuldade de higiene e as deficiências de alimentação naturais ao sistemas prisional, acarretam seu enquadramento como pessoas em condição de risco.
2. Nesse momento, configurado o gravíssimo risco à saúde, o balanceamento dos riscos sociais frente ao cidadão encarcerado merece diferenciada compreensão. Apenas crimes com violência, praticados por agentes reincidentes ou claramente incapazes de permitir o regular desenvolvimento do processo, poderão justificar o aprisionamento. Crimes eventuais e sem violência, mesmo com justificada motivação legal, não permitem a geração do grave risco à saúde pela prisão.
3. Não se verifica manifesta ilegalidade na decisão que indeferiu o pedido de prisão domiciliar, pois, apesar de o paciente ser portador de hipertensão, a unidade prisional dispõe de unidade hospitalar, tipo ambulatório, equipe médica de acompanhamento e plano de contingência dentro do contexto da pandemia, não havendo a demonstração de que a sua atual condição de saúde possa ser agravada pelo risco de contágio pela Covid-19.
4. Não se verifica, portanto, ilegalidade apta a justificar a mitigação do enunciado da Súmula 691 do STF.5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 578.261/CE, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 23/6/2020 - grifo nosso).
Com efeito, precedente desta Corte Superior de Justiça sobre o tema em
análise ressalta que a prisão domiciliar só é admitida em favor de preso inserido no
regime aberto, a teor do que dispõe o art. 117 da Lei de Execução Penal. Contudo,
comprovado que o recluso - não obstante cumpra pena nos regimes fechado ou
semiaberto - esteja acometido por doença grave, com debilidade acentuada de sua
saúde, e que o tratamento médico necessário não possa ser prestado no ambiente
prisional, admite-se, de forma excepcional, sua colocação em prisão domiciliar (AgRg
no HC n. 557.255/MG, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 16/4/2020).
Sendo assim, não verifiquei o alegado constrangimento ilegal sustentado pela impetrante.
Ante o exposto, denego a ordem.
Publique-se.
Brasília, 05 de março de 2021.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator