30 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1326478 RS 2012/0115071-9 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1326478 - RS (2012/0115071-9)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : VALDIR FERREIRA FAGUNDES
ADVOGADO : JOSÉ FRANCISCO FERREIRA DE ANDRADE - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento no art. 105, III, a e c, da
Constituição Federal, contra acórdão oriundo do Tribunal de Justiça da mesma unidade
federativa.
Depreende-se dos autos que o recorrido foi condenado, como incurso no art.
157, § 2º, I e II, do Código Penal, à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão, no regime
inicial semiaberto.
Foi dado parcial provimento ao recurso da defesa para reconhecer a forma
tentada do delito e a participação de menor importância, readequada a pena em 1 ano,
8 meses e 22 dias de reclusão. O acórdão está assim ementado (e-STJ fl. 474):
ROUBO MAJORADO TENTADO.
1. PROVA. Prisão em flagrante. Apreensão dos objeto com os agentes.
Palavra das vítimas. Suficiência probatória.
2. MAJORANTE: CONCURSO DE AGENTES. Mantida a qualificadora de
concurso de agentes, em face da prova dos autos. Emprego de arma.
Apreendida e periciada. Confirmada.
3. TENTATIVA. Restituição integral dos bens subtraídos. Prisão logo após a
prática do crime. Redução do apenamento diante do iter criminis percorrido.
4. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Agente que prestou
assistência ao menor na sua consecução. Configurada a redução da pena
pelo art. 29, § 1°, do CP.
5. PENA READEQUADA.
6. SURSIS. Concessão.
RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO.
RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
Daí o presente recurso especial, no qual, a par da invocação de divergência
jurisprudencial, aponta-se violação ao art. 14, II, e ao art. 29, § 1º do Código Penal.
Sustenta-se, para tanto, "que houve a consumação do delito, pouco
importando o fato dos agentes não terem tido a posse mansa e pacífica da rei furtivae,
consoante entendimento pacificado tanto do STJ quanto do STF [...]" – e-STJ fl. 499.
Além disso, aduz o recorrente que a participação do recorrido na realização
do delito foi incontroversa. Afirma, nesse sentido, que "a conduta do réu de levar o
comparsa armado até o local do crime, aguardando-o nas proximidades para dar-lhe
fuga, configura participação essencial na produção do evento típico, porquanto confere
a segurança necessária para que o delito possa ser executado conforme planejado" (e-STJ fl. 506).
Requer, ao final, a reforma do acórdão recorrido.
Contrarrazões às e-STJ fls. 530/536.
O MPF manifestou-se pelo provimento do recurso (e-STJ fls. 553/561).
É, em síntese, o relatório.
Assiste razão ao recorrente.
Ao reconhecer a forma tentada do delito, o Tribunal a quo consignou que (e-STJ fl. 482):
Entretanto, verifico que não houve a consumação do delito já que, por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, não conseguiram alcançar seu intento, qual seja, a obtenção de lucro fácil em detrimento do patrimônio alheio.
Considerando que os agentes foram presos em flagrante, sendo surpreendidos pela ação da vítima, policial militar à paisana, que resultou na restituição integral dos objetos roubados, tem-se o delito na forma téntada. Viu-se que não houve disponibilidade da res subtraída pelos agentes) Ainda que respeitável o entendimento em sentido contrário, aplicar à ciência criminal derivativos conceituais do juízo cível, - e aqui a inversão' da posse como fatos consumativos do delito - foi uma infeliz inclinação das Cortes Superiores que, todavia, jamais alcançaram unanimidade.
O delito de roubo é crime contra o patrimônio. Logo, para que possa produzir efeitos jurídicos, é preciso que cause lesão ao patrimônio da vítima. Nó presente caso, os objetos subtraídos sequer saíram da esfera de vigilânciá da vítima e foram totalmente recuperados.
Ultrapassar a esfera de vigilância, ou retirar o objeto material da dispónibilidade do proprietário significa o agente haver vencido a proteção 'de guarda e, assim, diminuído o patrimônio da vítima, o que não se verificou
No caso, conforme consignado, houve a inversão da posse, pois os
acusados subtraíram os bens e prenderam as vítimas no banheiro. Após, no afã de
abrir o carro de uma das vítimas, o outro acusado foi surpreendido com a reação de
Paulo, uma das vítimas. Ou seja, nesse instante o crime já havia se consumado.
Portanto, é inegável, pelo exame dos dados delineados no acórdão, que o
crime de roubo se consumou, uma vez que não é necessário que o agente tenha a
posse mansa, pacífica e desvigiada. Nesse mesmo sentido:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO. NECESSIDADE DE EFETIVA INVERSÃO DA POSSE. AGENTES QUE ENTRARAM NO CARRO, MAS SEM NENHUMA POSSIBILIDADE DE MOVIMENTÁ-LO, E FORAM IMEDIATAMENTE RENDIDOS PELO SEGURANÇA. POSSE QUE NÃO SE INVERTEU. TENTATIVA. CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. No que tange à consumação dos delitos patrimoniais, esta Corte adotou a Teoria da Amotio ou Aprehensio, que se satisfaz com a "inversão da posse", não se preocupando se ela se fez mansa, pacífica e desvigiada, conforme enuncia o verbete n. 582/STJ .
2. No leading case que analisou o tema no Supremo Tribunal Federal, firmando a Teoria da Amotio no direito jurisprudencial brasileiro, o relator do Recurso Extraordinário n. 102.490/SP, Ministro Moreira Alves, consignou em seu voto que "a aquisição da posse por apreensão e a conseqüente perda da posse contra a vontade do antigo possuidor, é preciso que se tenha poder de fato sobre a coisa, imediatamente depois de cessada a clandestinidade ou a violência, tanto assim que o possuidor esbulhado (e, portanto, o que perdeu a posse pela apreensão de outrem) poderá restituir-se (o que implica dizer: recuperar a posse) por sua própria força, se agir imediatamente, ou após breve intervalo de tempo".
(...)
5. Recurso especial improvido.
(REsp 1558787/RJ, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019, grifei)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA TENTATIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE MANSA E PACÍFICA. DESNECESSIDADE. INVERSÃO DA POSSE DO BEM. RECONHECIMENTO DO CRIME CONSUMADO. ALTERAÇÃO DO JULGADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(...)
2. Nos termos do decidido pela Terceira Seção deste Superior Tribunal no julgamento do Recurso Especial 1.499.050/RJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos, "consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada". Posteriormente, a Terceira Sessão aprovou a Súmula 582, com a mesma redação.
3. Se a Corte Estadual reconheceu ter havido a inversão da posse da res furtivae - a qual, inclusive, saiu da esfera de vigilância da vítima, ainda que por breve espaço de tempo, pois o paciente foi abordado próximo ao local
dos fatos, ainda com o bem subtraído em sua posse -, e, por consectário, a consumação do crime de roubo, para infirmar tal conclusão seria necessário revolver o contexto fático-probatório dos autos, o que não se coaduna com a via do writ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 626.836/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2020, DJe 14/12/2020, grfei)
De igual modo, deve ser afastada a participação de menor importância, prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal.
Ao reconhecer a minorante, o Tribunal a quo asseverou que "a prova oral dá conta que o apelante esteve, durante a ocorrência dos fatos, dentro do veículo, longe do local, enquanto aguardava o desenrolar da ação praticada pelo menor (veja-se a palavra das vítimas Denise e Paulo). Ou seja, não praticou diretamente atos materiais de execução do delito, mas sim prestou assistência ao menor na sua consecução" (e-STJ fl. 482).
Não obstante, a Corte de origem, ao confirmar a configuração da majorante do concurso de agentes, assinalou (e-STJ fl. 481):
A incidência da majorante do concurso de agentes é incontroversa. Da análise das provas produzidas, foi apregoado que se tratava de atuação em conjunto de dois agentes, um deles, no caso o réu Valdir, permaneceu no carro para dar vazão à fuga, enquanto o outro executava os atos de subtração mediante ameaça.
Cabe lembrar que é desnecessário que todos os partícipes pratiquem os mesmos atos executivos, bastando o encontro de vontades para a prática do fato punível. Toda a prova oral indica a atuação concertada' e com divisão de tarefas entre os agentes com o objetivo comum de desfalcar, mediante grave ameaça, o patrimônio das vítimas. Assim, induvidosa a incidência da majorante do concurso de agentes (Art. 157, § 2°, II, CP)
Ou seja, a contradição é patente. Não há que se falar em participação de menor importância para o corréu que permanece no carro para realizar a fuga após a consumação do crime de roubo. Conforme já decidiu esta Corte, "não se pode confundir participação menos importante com participação de somenos importância, esta última reservada para a cooperação mínima, que não pode ser admitida para aquele que conduz o assaltante e o auxilia em eventual fuga" (HC n. 115.056/SP, relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 1º/2/2010).
Assim, passo ao refazimento da dosimetria da pena.
O Tribunal fixou a pena-base no mínimo legal de 4 anos de reclusão.
Na terceira fase, o aumento em razão das majorantes foi de 1/3, alcançando a pena 5 anos e 4 meses de reclusão. Por fim, aplicada a regra do concurso formal, a reprimenda totaliza 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão . O regime deve ser o semiaberto, assim como estipulado na sentença.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso nos termos acima delineados .
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 02 de março de 2021.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator