1 de Maio de 2024
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX RJ XXXX/XXXXX-0 - Decisão Monocrática
Detalhes
Processo
Publicação
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1882543 - RJ (2020/XXXXX-0)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
RECORRENTE : FABRICIO FREITAS DOS SANTOS
RECORRENTE : JAMILTON MORAES DAMASCENO JUNIOR
ADVOGADO : ANTÔNIO MAURÍCIO COSTA - RJ047536
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ADVOGADO : LUIZ ALBERTO MIRANDA GARCIA DE SOUSA - RJ085290
INTERES. : SERGIO DE OLIVEIRA CABRAL SANTOS FILHO
ADVOGADOS : VIVIANNE VELASCO FICHTNER PEREIRA - RJ071741 GUSTAVO MARCONDES FERRAZ - RJ060498 RAQUEL DOS SANTOS RANGEL - RJ100460 RENATO CHALFIN - RJ205415
INTERES. : BARCAS S/A TRANSPORTES MARÍTIMOS
ADVOGADOS : CARLOS HENRIQUE TRANJAN BECHARA - RJ079195 JOÃO RAFAEL LAVANDEIRA GÂNDARA DE CARVALHO -RJ152255
DECISÃO
Trata-se de dois recursos especiais, um interposto por FABRÍCIO
FREITAS SANTOS e JAMILTON MORAES DAMASCENTO JUNIOR e outro pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO contra acórdão assim
ementado:
AÇÃO POPULAR. ARGUÍÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE
DECRETO ESTADUAL. INADEQUAÇÃO DA AÇÃO POPULAR PARA
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E INCOSTITUCIONALIDADE DE
LEI. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. EXTINÇÃO DA AÇÃO, DE
OFÍCIO. A AÇÃO POPULAR É LIMITADA À ANÁLISE ESPECÍFICA DA
LEGALIDADE DO ATO E NÃO PARA A DECLARAÇÃO DE
ILEGALIDADE/INCONSTITUCIONALIDADE DE QUALQUER TIPO DE
LEGISLAÇÃO. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DESSE TRIBUNAL.
PROVIMENTO AO RECURSO.
Em ambos os apelos especiais, os recorrentes, apontando
divergência jurisprudencial e violação de dispositivos de lei federal (arts. 3º, 1.046, § 2º,
1º, 5º, § 4º, 7º, 11, 12, 18, 19, §§ 1º e 2º, 22 da Lei n. 4.717/1.965, suscitados pelos
particulares; arts. 3º e 485, VI, do CPC e 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965, indicados pelo
Ministério Público estadual), defendem a adequação da ação popular para a obtenção
de ressarcimento ao erário de prejuízos decorrentes de benefício fiscal alegadamente
concedido de forma indevida por meio de decreto sem amparo legal, sendo possível a
arguição de inconstitucionalidade incidental desse ato impugnado como causa de pedir.
Depois de apresentadas as contrarrazões e de mantido o acórdão do
agravo de instrumento em sede de juízo de conformação com precedente repetitivo, o
Tribunal de origem admitiu os recursos especiais, determinando a subida dos autos.
O digno representante do Ministério Público Federal opina pelo
provimento dos recursos.
Passo a decidir.
O presente recurso especial origina-se de agravo de instrumento
interposto por SÉRGIO DE OLIVEIRA CABRAL SANTOS FILHO contra decisão do
juiz de primeira instância que deferiu medida liminar em ação popular.
O TJ/RJ deu provimento ao recurso para, de pronto, extinguir a
demanda, por inadequação da via eleita, com a seguinte motivação:
No caso, a leitura da inicial admite a conclusão de que o pedido se baseia na suposta ilegalidade abstrata da própria legislação discutida a qual só pode ser avaliada, por óbvio, frente à Constituição Federal e o pedido do recorrido só poderá ser acolhido com a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Estadual 12.069/04, que não pode simplesmente ser desconsiderada para fins de análise da legalidade do ato.
Isto porque a Ação Popular deve ter como objetivo principal a anulação do ato administrativo ilegal e lesivo ao patrimônio público, conforme se extrai da redação do caput do art. 1º da Lei nº 4.717/65:
[...]
O art. 2º da referida lei indica os casos em que, por meio da Ação Popular, pode ser anulado o ato administrativo:
[...]
Portanto, entendo que a ação popular se limita à análise específica da legalidade do ato, não servindo para a declaração de ilegalidade/inconstitucionalidade de qualquer tipo de legislação.
Ressalte-se que o decreto é uma norma aplicável não apenas à agravante, mas a qualquer prestador de transporte aquaviário no Estado do Rio de Janeiro, na modalidade pública ou privada, restando evidente o caráter normativo, geral e abstrato do mesmo. Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido do descabimento de ações populares que atacam atos normativos genéricos:
[...]
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para extinguir a demanda, diante de falta de uma das condições da ação (impropriedade da via eleita).
Ao realizar o determinado juízo de conformação, o colegiado local acrescentou:
Ainda que os autores tenham buscado enquadrar o pleito subsidiário da ação como seu objeto principal e correlacioná-lo à tutela peculiar de que é veículo a Ação Popular, inscrita nos arts. 1º e 2º da lei 4.717/65 - nulificação de atos lesivos ao interesse público em sentido específico, maculados por ilegalidade
, é inelidível que na petição inicial o pedido é como segue, verbis:
"(...) seja o pedido julgado PROCEDENTE, com a nulidade ou anulabilidade do ato impugnado (Decreto nº 42.897/2011) e por arrastamento as demais normas acessórias e instrumentais com a consequente condenação dos Réus, de forma solidária, a devolverem aos cofres públicos a importância que deixou de ser recolhida,(...)"
Assim, conforme afirmado no julgado impugnado, a leitura da inicial admite a conclusão de que o pedido se baseia na suposta ilegalidade abstrata da própria legislação discutida, a qual só pode ser avaliada, por óbvio, frente à Constituição Federal e o pedido só poderá ser acolhido com a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Estadual 12.069/04, que não pode simplesmente ser desconsiderada para fins de análise da legalidade do ato.
[...]
Note-se que o Decreto Estadual 42.897/2011 é norma aplicável a qualquer prestador de transporte aquaviário no Estado do Rio de Janeiro, na modalidade pública ou privada, restando evidente o caráter normativo, geral e abstrato do mesmo.
[...]
Nesse passo, considerando que somente por intermédio de ação direta de inconstitucionalidade veiculada através de seus legitimados se pode promover o controle abstrato de normas, não há como subsistir a pretensão autoral.
Por outro lado, não se desconhece a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum de lei ou ato normativo.
Não obstante, diante da eficácia erga omnes da sentença proferida em Ação Popular, o controle incidental importaria na usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, por via transversa.
Pois bem.
Do que se observa, o TJ/RJ, ao reconhecer a inadequação da ação
popular para a declaração incidental de inconstitucionalidade do ato impugnado, divergiu
do entendimento jurisprudencial desta Corte, nos termos dos seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. REMUNERAÇÃO DE PREFEITO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INFRINGÊNCIA AO ART. 927 DO CÓDIGO CIVIL. TESE RECURSAL NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211 DO STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA, NOS MOLDES LEGAIS E REGIMENTAIS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
[...]
III. O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que "entende ser possível a declaração incidental de inconstitucionalidade em Ação Popular, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público" (STJ, AgInt no REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/04/2019). Nesse sentido: STJ, AgRg nos EDcl no REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/03/2016; AgInt no REsp XXXXX/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 08/06/2018.
[...]
( AgInt no AREsp XXXXX/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 25/09/2019)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. BENEFÍCIOS FISCAIS. DESCONSTITUIÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO DE EFEITOS
CONCRETOS. CABIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE DE DECRETO ESTADUAL. DECLARAÇÃO INCIDENTER TANTUM. POSSIBILIDADE. 1. É possível a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum de lei ou ato normativo federal ou local em sede de ação popular, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir ou questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes.
2. Na espécie, a ação popular ajuizada na origem se volta contra ato administrativo de efeitos concretos, emanado do Poder Executivo do Estado do Espírito Santo, que firmou contrato de competitividade com sindicatos prevendo a redução da base de cálculo de ICMS. Assim, infere-se que a declaração de inconstitucionalidade dos decretos estaduais não figura como pedido principal da ação, mas apenas causa de pedir, o que afasta a tese de inadequação da via eleita.
3. Agravo interno do Estado do Espírito Santo a que se nega provimento.
( AgInt no REsp XXXXX/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 25/09/2019)
Nesse mesmo sentido: REsp XXXXX/ES, rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 11/10/2019; AgRg nos EDcl no REsp XXXXX/RS, rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 22/03/2016.
Dessa forma, insubsistente a inadequação da via eleita reconhecida
pela Corte a quo, é de rigor o prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento no
âmbito daquele Sodalício.
Ante o exposto, com fulcro no art. 255, § 4º, III, do RISTJ,
DOU PROVIMENTO a ambos recursos especiais para, afastando a preliminar de mérito
reconhecida no acórdão recorrido, determinar o retorno ao Tribunal de origem, a fim de
que dê continuidade ao julgamento do Agravo de Instrumento n. XXXXX-48.2016.8.19.0000, com entender de direito.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 15 de abril de 2021.
Ministro GURGEL DE FARIA
Relator