29 de Junho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1345170 RS 2012/0197293-6
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
Detalhes da Jurisprudência
Processo
REsp 1345170 RS 2012/0197293-6
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Publicação
DJe 17/06/2021
Julgamento
4 de Maio de 2021
Relator
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Ementa
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA. NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL. PODER DE REPRESENTAÇÃO DO OUTORGADO, EM SEU PRÓPRIO INTERESSE. TRANSMISSÃO DE DIREITOS REAIS OU PESSOAIS, EM SUBSTITUIÇÃO AOS NECESSÁRIOS SUPERVENIENTES NEGÓCIOS OBRIGACIONAIS OU DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS COM USO DA PROCURAÇÃO. AFIRMAÇÃO DE ERRO, DOLO, SIMULAÇÃO OU FRAUDE. INVIABILIDADE LÓGICA. CAUSA DE PEDIR APONTANDO QUE OS NEGÓCIOS TRANSLATIVOS DE PROPRIEDADE FORAM EM CONLUIO ENTRE OS RÉUS, PARA LESIONAR A PARTE AUTORA. PEDIDO DE NATUREZA CONDENATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. RECONHECIMENTO DE INÉPCIA DA INICIAL, SEM OPORTUNIDADE DE EMENDA DESSA PEÇA. IMPOSSIBILIDADE.
1. A procuração é negócio jurídico unilateral; o mandato, contrato que é, apresenta-se como negócio jurídico geneticamente bilateral. De um lado, há uma única declaração jurídico-negocial; de outro, duas declarações jurídico-negociais que se conjugam por serem congruentes quanto aos meios e convergentes quanto aos fins. Por conseguinte, muito embora o nome do outorgado conste do instrumento de procuração, ele não é figurante, pois o negócio jurídico é unilateral.
2. A procuração em causa própria (in rem suam) é negócio jurídico unilateral que confere um poder de representação ao outorgado, que o exerce em seu próprio interesse, por sua própria conta, mas em nome do outorgante. Tal poder atuará como fator de eficácia de eventual negócio jurídico de disposição que vier a ser celebrado. Contudo, até que isso ocorra, o outorgante permanece sendo titular do direito (real ou pessoal) objeto da procuração, já o outorgado apenas titular do poder de dispor desse direito, sem constituir o instrumento, por si só, título translativo de propriedade.
3. Nesse caso, há uma situação excepcional: ao procurador é outorgado o poder irrevogável de dispor do direito objeto do negócio jurídico, exercendo-o em nome do outorgante (titular do direito), mas em seu próprio interesse e sem nem mesmo necessidade de prestação de contas. É contraditório que se reconheça ter sido outorgada procuração com essa natureza ao ex-marido da autora e se aluda, no tocante às alienações com uso do instrumento, a erro, dolo, simulação ou fraude. E não pode ser atribuída a esse negócio jurídico unilateral a função de substituir, a um só tempo, os negócios jurídicos obrigacionais (por exemplo, contrato de compra e venda, doação) e dispositivos (v.g., acordo de transmissão) indispensáveis, em regra, à transmissão dos direitos subjetivos patrimoniais, notadamente do direito de propriedade, sob pena de abreviação de institutos consolidados e burla à regras jurídicas.
4. Conforme a causa de pedir e os pedidos formulados na exordial, há pretensão de reparação civil de danos, decorrentes de alegados atos dolosos "em conluio" entre os réus, por ocasião da alienação de bens da autora, mediante uso do instrumento outorgado ao ex-cônjuge. Não é adequado qualificar o pedido exordial mediato como de anulação, pois as transferências de domínio dos bens da autora envolveram uso de procuração em causa própria, havendo pedido de recomposição de direito violado, mediante restituição dos bens ou, se não for possível, do seu equivalente.
5. O pedido condenatório formulado na exordial sujeita-se a prazo prescricional. E como nenhuma das datas relativas às alienações de bens das autoras é mais antiga que 17/3/1989, e a ação foi ajuizada em 28 de maio de 2004, na vigência do CC/1916, é vintenário o prazo prescricional, porquanto se trata de direito pessoal, e observada a regra de transição do art. 2.2028 do CC/2002, também não transcorreu o prazo trienal, previsto no art. 206, § 3º, do CC, para pretensão de reparação civil de danos. 6. Malgrado o entendimento perfilhado pelas instâncias ordinárias de ser a inicial inepta por conter narração confusa - não permitindo a adequada defesa dos réus -, não foi previamente conferido prazo para promoção de emenda à inicial. Consoante a firme jurisprudência do STJ, ao receber a exordial, o juiz deve, incontinenti, examinar seus requisitos legais. Se necessário, deve discriminar o (s) vício (s) e determinar, desde logo, a regularização no prazo de 10 dias. Só na hipótese de o autor não sanar a (s) irregularidade (s) apontada (s), proceder-se-á à extinção do processo sem solução do mérito, conforme disposto no art. 284 do CPC/1973. 7. Recurso especial parcialmente provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.