29 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 673742 MG 2021/0184395-9 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 673742 - MG (2021/0184395-9)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : VALERIANO MARCOS MIRANDA
ADVOGADO : VALERIANO MARCOS MIRANDA - MG088954
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : ELVIS SABADINI DE OLIVEIRA (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. PERÍODO DEPURADOR NÃO CONSUMADO. ORDEM DENEGADA.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de ELVIS SABADINI DE OLIVEIRA contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais na Apelação Criminal n. 1.0223.19.013449-2/001.
Consta nos autos que o Paciente foi condenado como incurso no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e no art. 12 da Lei 10.826/2003, às penas de 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado; 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e 788 (setecentos e oitenta e oito) dias-multa (fls. 18-37).
Irresignada, a Defesa recorreu ao Tribunal de origem, que negou provimento à apelação defensiva (fls. 56-58) e rejeitou os subsequentes embargos de declaração (fls. 63-64).
Nas razões desta impetração, sustenta-se, em síntese: a) que o acórdão que julgou a apelação defensiva é nulo por ausência de fundamentação; b) que a pena aplicada ao Paciente deve ser revisada, a fim der ser reduzida ao patamar mínimo legal.
Pleiteia-se, liminarmente e no mérito, a anulação do acórdão estadual impugnado, com a imediata colocação do Paciente em liberdade.
É o relatório. Decido.
De início, destaco que "[a]s disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a
contraria" (AgRg no HC 629.625/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020).
No mesmo sentido, ilustrativamente:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. PROGRESSÃO DE REGIME. CÁLCULO DE PENAS. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO. PACOTE ANTICRIME. OMISSÃO LEGISLATIVA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. APLICAÇÃO DO ART. 112, V, DA LEP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ, as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus.
2. "O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta" (AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019).
3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes.
[...]
6. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC 656.843/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021; sem grifo no original.)
Portanto, passo a analisar diretamente o mérito da impetração.
No caso, observa-se que a Corte de origem apresentou de maneira clara e expressa os
fatos e provas que subsidiaram a sua conclusão no sentido de que as condutas imputadas
ao Paciente são típicas e que estão comprovadas a autoria e a materialidade delitivas.
A esse respeito, confira-se o seguinte excerto do acórdão impugnado:
"Em que pesem os argumentos postos na inicial, tem-se que a materialidade e autoria dos crimes de tráfico e posse ilegal de arma e munição estão suficientemente comprovadas nos autos.
Primeiro, não procede a tese de que o Decreto 9493/2018 permitiu que, em casos como o do réu, fosse possível a regularização da arma de fogo para fins de posse.
Como se sabe, houve período de vacatio legis com o advento da nova redação do art. 30 da Lei nº 10.826/2003, sendo que os possuidores de arma de fogo de uso permitido poderiam solicitar a regularização de suas armas até odia 31 de dezembro de 2008 (prazo que, posteriormente, foi estendido pela Lei nº 11.922/2009 até o dia 31/12/2009),Porém, após esse período, é típica a conduta do agente flagrado na posse de armas e de munições de uso permitido depois desse
período.
Assim, sem maiores delongas, tendo em conta que o fato ocorreu em 2019, não há se falar em atipicidade da conduta.
Melhor sorte não socorre a defesa ao refutar o laudo pericial consignado nos autos realizado na arma de fogo e munições.
Isto porque o perito, dotado de fé pública e conhecimento técnico, foi firme ao aferir que, após análise mecânica dos sistemas de carregamento, engatilhamento e disparo, os artefatos demonstraram eficiência do sistema de percussão, reconhecendo-se a possibilidade de ofensa da integridade física de terceiros (laudo de fl. 20).
Assim, não há se falar em ausência de materialidade.
Quanto à autoria, embora o réu negue qualquer relação com as drogas, a prova é suficiente para sustentar o decreto condenatório.
Primeiro, tem-se que os álibis trazidos pelo réu não foram devidamente justificados com elementos de prova, seja pela suposta intenção de terceiros em prejudicá-lo, seja pela versão de que o dinheiro arrecadado em sua residência(cerca de R$1.200,00) seria produto do comércio existente no local, no estilo "brechó" mantido pela família.
A testemunha M. A. disse que Elvis estava trabalhando com ele na fábrica de borrachas e que 'já foi a casa de Elvis, no horário do almoço; que nunca viu comércio na casa de Elvis' (fl. 97).
R. da S. C., em juízo, confirmou as declarações prestadas anteriormente (fl. 3) e disse que a família do réu acompanhou a busca na residência e que ele era conhecido no meio do tráfico. Acrescentou que o suposto bazar encontrava-se fechado quando a polícia apareceu e que ele nunca viu o local em funcionamento antes (fl. 94).
A testemunha D. H. T. também confirmou os fatos e acrescentou que nunca viu comércio na garagem da residência da família do réu (fl. 95).
A testemunha E. L. F. disse que 'a família do acusado não causou nenhum empecilho; tinha uma garagem com roupas velhas no local; já fez patrulhamento na região; que tem conhecimento que Elvis coordena o tráfico na região'(fl. 98).
Assim, pode-se inferir pelos elementos dos autos e circunstâncias existentes, que o réu, de forma consciente e voluntária, guardava droga para fim mercantil.
Portanto, é incabível a absolvição do réu." (fl. 57, sem grifos no original).
Assim, uma vez que o Tribunal de origem expôs de maneira clara e precisa as razões
fáticas e jurídicas de sua decisão, não se caracteriza a alegada ausência de fundamentação, sendo
certo que "o magistrado deve apresentar as razões que o levaram a decidir desta ou daquela
maneira, apontando fatos, provas, jurisprudência, aspectos inerentes ao tema e a legislação que
entender aplicável ao caso; porém não está obrigado a se pronunciar, ponto a ponto, sobre
todas as teses elencadas pelas partes, desde que haja encontrado razões suficientes para decidir
" (AgRg no AREsp 1.317.007/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 10/12/2018).
No mesmo sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 171 DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ATACADO. SÚMULA N. 283/STJ. REEXAME DO MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ.
1. De acordo com o entendimento jurisprudencial remansoso neste Superior Tribunal de Justiça, os julgadores não estão obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão (EDcl no AREsp n. 771.666/RJ, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 2/2/2016).
[...]
5. Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EDcl no AREsp 507.551/RJ, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 03/05/2019, sem grifos no original).
De outra parte, verifica-se que a pena do Paciente foi ratificada pelo Tribunal
estadual nos seguintes termos:
"Pede a defesa a redução da pena, porém, sem acerto.
Isto porque a pena-base de ambos os crimes foi fixada de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e regras do art. 42 da Lei de Tóxicos, revelando-se adequado o "quantum" de 6 anos e 8 meses e 666 dias-multa para o crime de tráfico e 1 ano e 2 meses, mais 11 dias-multa para o crime de posse ilegal de arma e munição de uso permitido.
A propósito, o réu ostenta maus antecedentes e a quantidade das drogas é relevante para fins de interferência na dosimetria.
No mais, para o crime de tráfico, foi a pena majorada em 1/6, por existir uma circunstância agravante (reincidência) e, para o crime de posse ilegal de arma, foi mantida a reprimenda diante da compensação entre agravante da reincidência e a atenuante da confissão."
No caso, a pena-base do Paciente foi fixada acima do mínimo legal com fundamento
em motivação parcialmente idônea.
Com efeito, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, na fixação da pena do delito
de tráfico de drogas devem ser consideradas, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do
Código Penal, a natureza e a quantidade da substância entorpecente. No caso, em que pese a
diversidade de substâncias – 200,2 g de maconha e 4,9 g de crack (fl. 16) – trata-se
de quantidade que não demonstra reprovabilidade suficiente a ponto de exorbitar o tipo penal. Do
mesmo modo, não obstante a nocividade do crack, a diminuta quantidade apreendida não ampara
a majoração levada a efeito pelo julgador.
Por outro lado, não se constata nenhuma ilegalidade na avaliação desfavorável dos
antecedentes do Paciente, pois foi empregada uma condenação pretérita para avaliar
negativamente o vetor dos antecedentes (Processo n. 223.13.019838-3 , com trânsito em julgado
em 25/10/2017 - fl. 27) e outra condenação pretérita diversa para configurar a reincidência
(Processo n. 223.15.019012-0 , com trânsito em julgado em 10/08/2017 - fl. 29), não havendo bis
idem.
Sobre o tema, confira-se:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE, NATUREZA E DIVERSIDADE DOS ENTORPECENTES. MAUS ANTECEDENTES. AÇÕES PENAIS
DEFINITIVAS ALCANÇADAS PELO PERÍODO DEPURADOR DO ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. FUNDAMENTOS VÁLIDOS. BIS IN IDEM. SÚMULA 241 DO STJ. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÕES DISTINTAS EM CADA FASE. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO ART. 40, VI, DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL (ART. 70 DO CÓDIGO PENAL). TEMA NÃO DEBATIDO NA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO.
[...]
5. A utilização de condenações anteriores transitadas em julgado como fundamento para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, diante da valoração negativa dos maus antecedentes e, ainda, para exasperar a pena, em razão da agravante da reincidência, não caracteriza bis in idem, desde que as sopesadas na primeira fase sejam distintas da valorada na segunda, como ocorreu no caso em apreço.
[...]
8. Habeas corpus não conhecido." (HC 645.844/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2021, DJe 16/04/2021, sem grifos no original).
Por fim, deve-se ressaltar que entre a data do trânsito em julgado das condenações
pretéritas (2017) e a da data do novo delito (16/09/2019 - fl. 15), não transcorreu período de
tempo superior a 5 (cinco) anos, razão pela qual não há falar na incidência do período depurador
previsto no art. 64, inciso I, do Código de Processo Penal.
Nesse contexto, passo a redimensionar a pena do paciente quanto ao crime de tráfico.
Na primeira fase, mantém-se a majoração de 1/6 por força dos maus antecedentes, o
que importa na pena inicial de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 583
(quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Na segunda fase, mantenho a majoração em 1/6 decorrente da reincidência,
totalizando 06 (seis) anos, 09 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 680
(seiscentos e oitenta) dias-multa.
Na terceira fase, não há causas de aumento ou de diminuição, ficando a pena
definitiva no mesmo patamar.
A redução da pena não interfere no regime inicial outrora fixado, dada a reincidência
e a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Ante o exposto, CONCEDO EM PARTE a ordem de habeas corpus, a fim de
redimensionar a pena imposta, nos termos da fundamentação.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 21 de junho de 2021.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora