13 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX PR 2020/XXXXX-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1887548 - PR (2020/XXXXX-0)
RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE : VALDEMIR NESTOR
ADVOGADO : LUCIANO DA SILVA BUSATO E OUTRO(S) - PR038302
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por VALDEMIR NESTOR com fundamento no art.
105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
(Apelação n. XXXXX-12.2014.8.16.0117) assim ementado (fls. 670-671):
APELAÇÃO CRIMINAL. IMPUTAÇÃO AO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO -ART. 12, CAPUT, C/C ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II DA LEI N° 10.826/2003). PREJUDICIAL DE MÉRITO. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA SUPERVENIENTE NA MODALIDADE RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU AO CRIME DO ART. 12, CAPUT, DA LEI N° 10.826/2003. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO, EM VIRTUDE DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. PRESENÇA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA RESPALDAR A CONDENAÇÃO. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. PRESCINDIBILIDADE DE RESULTADO NATURALSTICO. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA QUE ATESTE O FUNCIONAMENTO DA ARMA DE FOGO. EFETIVA INTIMIDAÇÃO PSICOLÓGICA DA ARMA QUE ABALA A TRANQUILIDADE E A PAZ PÚBLICA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO PARA POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LAUDO DE EXAME PERICIAL QUE INDICA QUE A ARMA DE FOGO NÃO POSSUI NUMERAÇÃO, MARCA E MODELO. OFENSA AOS REQUISITOS ESTIPULADOS PELO ART. 15 DA PORTARIA 06/2007. CRIME DISPOSTO NO ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II DA LEI N° 10.826/2003 DEVIDAMENTE CARACTERIZADO. MODIFICAÇÃO DA PENA NA DOSIMETRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
O recorrente aponta violação do art. 16, parágrafo único, II, da Lei n. 10.826/2003,
defendendo sua absolvição, uma vez que o laudo pericial comprovou a "inexistência de aptidão para o
disparo de projéteis, referente à espingarda de pressão modificada e transformada em arma de fogo calibre
22" (fl. 697).
Requer o conhecimento e provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público do Estado (fls. 727-730).
O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso (fls. 755-759).
É o relatório. Decido.
O recurso merece prosperar.
A sentença condenou o recorrente, pelos crimes descritos no arts. 12, caput, e 16, parágrafo
único, II, da Lei 10.826/2003, em concurso material, às penas de 1 ano de detenção e 3 anos de
reclusão, em regime inicial aberto, e de 20 vinte dias-multa, substituídas as privativas de liberdade por
uma restritiva de direitos e uma de multa.
O Tribunal de origem, de ofício, reconheceu a prescrição em relação ao crime do art. 12,
caput, do Estatuto do Desarmamento, mas manteve a condenação referente ao crime tipificado no art.
16 do referido diploma legal, nos seguintes termos (fls. 675-678):
[...]
Por conseguinte, é de se julgar prejudicado o recurso e se declarar, ex ofício, extinta a punibilidade do Estado em favor de VALDEMIR NESTOR, em relação à prática ao delito disposto no art. 12, caput, da Lei n° 10.826/2003, pelo advento da prescrição, em sua forma retroativa.
Da Absolvição do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito - art. 16, parágrafo único, inciso II da Lei n° 10.826/2003.
Concernente à condenação ao crime de posse ilegal de arma de foto de uso restrito, o réu pleiteia a absolvição ao crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, alegando pela atipicidade da conduta, na medida em que o laudo pericial atestou que a arma era ineficiente para realização de disparos. Ainda, requer a desclassificação do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito pela posse de arma de fogo de uso permitido, eis que foi apreendido com o réu uma espingarda de pressão, modificada para calibre 22, o qual é de uso permitido.
A materialidade e a autoria restaram devidamente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante (mov. 1.3), auto de apreensão (mov. 1.6), laudo pericial de arma de fogo (mov. 1.15), bem como pelos depoimentos colhidos na fase judicial, como indicou a sentença do MM. Juiz a quo (mov. 86.1):
[...]
Assim, resta claro que a autoria do crime de posse ilegal de arma de fogo com a numeração suprimida recai sobre a pessoa do apelante, considerando as alegações trazidas pelas testemunhas, bem como sua própria confissão no sentido de ser sua a arma de fogo espingarda de pressão transformada em uma arma de fogo calibre 22, sem numeração.
Destaca-se que, para se caracterizar o delito do artigo 16, parágrafo único, inciso II da Lei n° 10.826/2003, exige-se apenas o porte da arma de fogo, pois tal conduta é suficiente para afetar a incolumidade pública, que é o bem jurídico tutelado pelo referido dispositivo.
[...]
Em suma, ainda que a arma de fogo se mostre inapta a efetuar disparos, conforme o laudo de exame pericial de arma de fogo (mov. 1.15), a segurança pública continua ameaçada diante a efetiva intimidação psicológica que uma arma proporciona, o que, por si só, abala a tranquilidade e a paz pública.
[...]
Diante disso, não procede a tese de atipicidade da conduta, uma vez que, os delitos previstos no Estatuto do Desarmamento não tutelam apenas a incolumidade pública, mas também os níveis de segurança coletiva, a qual, por evidente, fica comprometida com o trânsito de pessoas armadas, independentemente da prestabilidade ou não da arma. [...]
O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o tipo penal de
posse ou porte ilegal de arma de fogo é delito de mera conduta ou de perigo abstrato, sendo desnecessário
laudo pericial de constatação de capacidade lesiva.
A propósito, veja-se o seguinte julgado:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS. COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO. TEMPESTIVIDADE. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE
USO RESTRITO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, MAS LHE NEGAR PROVIMENTO.
1. Comprovada a suspensão dos prazos processuais no ato da interposição do recurso, impõese o conhecimento do agravo em recurso especial, porque tempestivo. 2. Os crimes de porte ou posse de arma de fogo de uso restrito são de perigo abstrato, dispensando-se prova de efetiva situação de risco ao bem jurídico tutelado.
3. O simples porte de arma de fogo, acessório ou munição, por si só, coloca em risco a paz social, porquanto o instrumento, independentemente de sua potencialidade lesiva, intimida e constrange as pessoas, o que caracteriza um delito de perigo abstrato. O tipo penal visa à proteção da incolumidade pública, não sendo suficiente a mera proteção à incolumidade pessoal (AgRg no REsp 1.434.940/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 4/2/2016).
4. Agravo regimental provido para conhecer do agravo em recurso especial, mas lhe negar provimento. (AgRg no AREsp n. 1.264.393/AL, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 25/9/2018.)
Contudo, no presente caso, foi feito laudo pericial, que atestou que a arma era ineficiente
para efetuar disparos. Por essa razão, o Ministério Público Federal foi favorável à absolvição. Observe-se
(fl. 758):
Como se vê, restou demonstrado nos autos, por laudo pericial, a total ineficácia da espingarda de pressão apreendida com o réu para a realização de disparos, razão pela qual deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da caracterização de crime impossível dada a absoluta ineficácia do meio.
Em casos como o presente, em que foi comprovado por exame pericial a ausência de
potencialidade lesiva da arma, torna-se atípica a conduta diante da ausência de perigo ao bem jurídico
tutelado.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PERÍCIA ATESTANDO A INEFICÁCIA DA ARMA. ATIPICIDADE. PRECEDENTES.
I. Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que o tipo penal de posse ou porte ilegal de arma de fogo caracteriza-se como delito de mera conduta ou de perigo abstrato, sendo irrelevante a demonstração de seu efetivo caráter ofensivo.
II. Provada, todavia, por perícia a inaptidão da arma para produzir disparos, não há que se falar em tipicidade da conduta.
III. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.788.547/RN, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/4/2019.)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INEFICÁCIA DA ARMA ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.
1. A Terceira Seção deste Tribunal Superior possui entendimento pacífico de que o tipo penal de posse ou porte ilegal de arma de fogo cuida de delito de perigo abstrato, sendo irrelevante a demonstração de seu efetivo caráter ofensivo.
2. In casu, contudo, como ficou demonstrada, por laudo pericial, a total ineficácia da arma de fogo (inapta a disparar), deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da caracterização de crime impossível dada a absoluta ineficácia do meio.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.394.230/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 9/11/2018.)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reconhecendo a atipicidade da
conduta, absolver o recorrente da imputação penal nos autos da Ação n. XXXXX-12.2014.8.16.0117 .
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 28 de junho de 2021.
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator