26 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1931712 TO 2021/0104020-8 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1931712 - TO (2021/0104020-8)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
RECORRIDO : S R C
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS
CORRÉU : S R C
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AGRAVANTE. ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. CAUSA DE AUMENTO. ART. 226, INCISO II, DO MESMO ESTATUTO. INCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTOS DISTINTOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO TOCANTINS, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da
República, contra o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça daquela Unidade Federativa na
Apelação Criminal n. 0031616-05.2019.8.27.0000.
Consta dos autos que o Juízo de primeiro grau condenou o Recorrido à pena de 15
(quinze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, como incurso no art. 217-A, caput, c.c. o
art. 61, alínea f, e o art. 226, inciso II, todos do Código Penal. Houve apelação somente
defensiva, a que o Tribunal de origem deu parcial provimento, a fim de fixar a pena-base no
mínimo legal e excluir a agravante aplicada em primeiro grau, ficando a reprimenda estabelecida
em 12 (doze) anos de reclusão. O acórdão ficou assim ementado (fls. 374-375):
"APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TESE DEFENSIVA DE AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A INCRIMINAÇÃO. INVIABILIDADE DE ACOLHIMENTO. CONJUNTO PROCESSUAL CONVINCENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA.
1. Esta Corte, em total alinhamento com a jurisprudência dominante, afirmou entendimento de que, em casos de crimes sexuais a palavra da vítima, quando harmoniosa com o restante do conjunto probatório constitui elemento de prova suficiente para embasar a condenação.
2. Na hipótese, constatado nos autos que a vítima apresentou declaração harmoniosa e convincente quanto aos abusos sexuais a que foi submetida, e que as demais provas constantes dos autos corroboram a versão apresentada, inviável se torna o acolhimento da tese absolutória.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEUTRAS. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. READEQUAÇÃO.
3. As circunstâncias judiciais da culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime são, na espécie, inerentes ao tipo penal que envolve abuso sexual de menor. Ademais, sendo aplicada a causa de aumento de pena estabelecida no artigo 226, inciso II, do Código Penal, o fato do acusado ser padrasto e coabitar com a vítima não pode ser considerado nas fases anteriores de aplicação da pena, ante a venda do bis in idem.
4. Não serve de fundamento hábil a justificar a majoração da pena- base o comportamento da vítima, pois se cuida de circunstância neutra ou favorável ao réu. Precedentes.
5. Na segunda fase, não deve ser aplicada a agravante do artigo 61, II, alínea 'f', do Código Penal, em razão da vedação ao bis in idem, com a causa de aumento de pena considerada na terceira fase da aplicação da pena, nos termos do artigo 226, inciso II, do Código Penal, pelo fato de ser o acusado padrasto da vítima.
6. Recurso conhecido e provido em parte, tão somente para redimensionar a pena."
No recurso especial, é alegada a negativa de vigência aos arts. 61, inciso II, alínea f,
c.c. o art. 68, e 226, inciso II, do Código Penal, sustentando inexistir bis in idem na aplicação da
agravante e da causa de aumento, pois "restou incontroverso e reconhecido no acórdão
objurgado que o ora recorrido cometeu o crime de estupro de vulnerável, prevalecendo-se das
relações domésticas e de coabitação e do fato de que padrasto da vítima" (fl. 386).
Pede seja reformado o acórdão recorrido "para restabelecer a agravante genérica da
coabitação, com o devido recrudescimento da pena em 06 meses na etapa intermediária do
cálculo dosimétrico, conforme efetivado na sentença" (fl. 388).
Oferecidas contrarrazões (fls. 392-395), admitiu-se o recurso na origem (fls. 414-416).
O Ministério Público Federal manifesta-se pelo provimento do recurso especial (fls.
414-416).
É o relatório.
Decido.
Disse o Julgador singular (fl. 258):
"Na segunda fase, constato que não existem circunstâncias atenuantes. Por sua vez, encontra-se presente a agravante da menoridade [sic], prevista no artigo 61, inciso II, alínea 'f', do Código Penal (cometimento do delito prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade), razão pela qual aumento a pena anteriormente dosada em 06 (seis) meses, passando a dosá-la em 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Na situação dos autos, está presente a causa de aumento de pena, prevista no artigo 226, inciso II, do Código Penal Brasileiro, pois o denunciado era padrasto da vítima, daí aumento a pena da metade, a qual diante de não existirem causas de diminuição da pena, torno em definitivo a pena de 15 (quinze) anos e 09 (novel meses de reclusão."
Extrai-se no acórdão recorrido, na parte em que excluiu a incidência da agravante, na
segunda fase da dosimetria (fl. 367):
"Na segunda fase, também não deve ser aplicada a agravante do Art. 61, II,
alínea ‘f’, do Código Penal, em razão da vedação ao do bis in idem com a causa de aumento de pena considerada na terceira fase da aplicação da pena, nos termos do Art. 226, II, do Código Penal, pelo fato de ser o acusado padrasto da vítima."
O acórdão dissente do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, firmado no
sentido de inexistir bis in idem na aplicação da agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código
Penal, com a causa de aumento do art. 226, inciso II, do mesmo Estatuto, uma vez suas
incidências têm origem em razões distintas.
Nesse sentido:
"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOSIMETRIA DA PENA. COABITAÇÃO E CONDIÇÃO DE PADRASTO DA VÍTIMA. SITUAÇÕES DISTINTAS. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE GENÉRICA - ART. 61, II, 'f', DO CÓDIGO PENAL E DA MAJORANTE ESPECÍFICA - ART. 226 , II, DO CÓDIGO PENAL. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVANTE. AUMENTO DA PENA NA 2ª ETAPA DA DOSIMETRIA. FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. 'Não caracteriza bis in idem a utilização da agravante genérica prevista no art. 61, II, f, do Código Penal e da majorante específica do art. 226, II, do Código Penal, tendo em vista que a circunstância utilizada pelo Tribunal de origem para agravar a pena foi a prevalência de relações domésticas no ambiente intrafamiliar e para aumentá-la na terceira fase, em razão da majorante específica, utilizou-se da condição de padrasto da vítima, que são situações distintas." (REsp 1645680/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 17/02/2017).
[...]
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1.872.170/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOSIMETRIA. AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, F, DO CP. CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 226, II, DO MESMO DIPLOMA. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONTINUIDADE DELITIVA. INCONTÁVEIS PRÁTICAS DELITIVAS. FRAÇÃO DE 2/5 JUSTIFICADA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não há bis in idem na incidência da agravante genérica do art. 61, II, f, concomitantemente com a causa de aumento de pena do art. 226, II, no crime do art. 217-A, ambas do CP.
[...]
4. Agravo regimental improvido." (AgRg no AREsp 1.486.694/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 18/10/2019.)
Passo ao redimensionamento da pena.
Pena-base fixada, no acórdão recorrido, em 8 (oito) anos de reclusão. Na segunda
fase, pela agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, majoro a reprimenda em 6
(seis) meses, segundo patamar fixado na sentença, não tendo havido apelação acusatória, ficando
a pena, nessa etapa, estabelecida em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Pela causa de
aumento do art. 226, inciso II, do referido Estatuto, exaspero a reprimenda em 1/2 (metade),
tornando-a definitiva em 12 (doze) anos e 9 (nove) meses de reclusão, mantidas as demais cominações do acórdão impugnado.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a aplicação da agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, ficando a pena redimensionada nos termos da presente decisão.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 30 de junho de 2021.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora