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- 2º Grau
Superior Tribunal de Justiça STJ - RECLAMAÇÃO: Rcl 42220 SP 2021/0276704-5 - Decisão Monocrática
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Decisão Monocrática
RECLAMAÇÃO Nº 42220 - SP (2021/0276704-5)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
RECLAMANTE : MARCOS MATIAS DANTAS
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECLAMADO : JUIZ DE DIREITO DA 2A VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS DE
PRESIDENTE PRUDENTE - SP
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. AUTORIDADE DA DECISÃO
PROFERIDA NO HC N. 675.558/SP, REL. MINISTRA LAURITA VAZ, NÃO
VIOLADA NO ATO DO JUÍZO RECLAMADO. VIA INADEQUADA PARA
SOLUCIONAR CONTROVÉRSIAS DIVERSAS DO QUE FORA
DETERMINADO NO DISPOSITIVO ALEGADAMENTE DESCUMPRIDO.
RECLAMAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE.
DECISÃO
Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, formulada por MARCOS MATIAS
DANTAS, com fundamento no art. 105, inciso I, alínea f, da Constituição da República, e art.
187 do RISTJ, contra decisão prolatada pelo Juízo da 2.ª Vara de Execuções Criminais da
Comarca de Presidente Prudente/SP que lhe indeferiu o pedido de progressão ao regime
semiaberto (fls. 59-64).
O Reclamante alega que foi descumprido o decisum por mim proferido nos autos do
HC n. 675.558/SP, no qual concedi a ordem de habeas corpus para "determinar ao Juiz das
Execuções Criminais que, incontinenti, fundado tão somente em circunstâncias fáticas concretas
ocorridas durante o cumprimento das penas, [prosseguisse] a análise do pedido de progressão
de regime prisional".
Sustenta que o Juízo das Execuções Criminais fundamentou a decisão que denegou a
progressão requerida em motivos reputados inidôneos pela decisão desta Corte, quais sejam, a
gravidade abstrata do delito e a longa duração da pena. Acrescenta que a decisão é contrária ao
exame criminológico.
Requer, liminarmente, a suspensão do ato impugnado para que o Reclamante seja
transferido ao regime semiaberto enquanto pendente o julgamento desta reclamação. No mérito,
pleiteia a confirmação da liminar, com a cassação definitiva da decisão e determinação da
transferência e promoção definitiva do Sentenciado ao regime intermediário.
É o relatório. Decido.
De início, transcrevo o disposto no art. 105, inciso I, alínea f, da Constituição da
República:
"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
[...]
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões."
Em outras palavras, e em conformidade com o disposto no art. 187 do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, a reclamação constitucional é reservada para garantir:
(a) a preservação da competência do Superior Tribunal de Justiça; ou (b) a autoridade de seus
julgados, no caso de descumprimento ou, é claro, o cumprimento parcial do decisum.
Na decisão indicada como descumprida, ressaltei que a gravidade do delito pelo qual
o Paciente foi condenado e a longa pena a cumprir não são circunstâncias idôneas para indeferir
os benefícios da execução penal. Dessa forma, afastados esses fundamentos, determinei que
fosse realizada nova avaliação pelo Juízo singular do elemento subjetivo do Paciente para fins de
progressão de regime.
No ato reclamado, o Juiz das Execuções Criminais consignou o que se segue (fls. 59-64; grifos diversos do original):
"O art. 112, §2º da LEP, mesmo após a redação dada pela Lei n. 13.964/2019, diz que o mesmo procedimento para a progressão de regime também será adotado na concessão do livramento condicional.
Isto implica em dizer que além do cumprimento do lapso temporal (requisito objetivo) o sentenciado há que demonstrar ter mérito (requisito subjetivo).
Aliás, é o que determina o art. 33, §2º do CP:
'As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:'
Assim, não basta o mero preenchimento do lapso temporal há que se buscar a existência de mérito no condenado quer para progredir de regime quer para receber livramento condicional.
Sendo que o mérito (requisito subjetivo) não é e não se confunde com bom comportamento carcerário.
Veja-se:
'não basta o bom comportamento carcerário para preencher o requisito subjetivo indispensável à progressão. Bom comportamento não se confunde com aptidão ou adaptação do condenado e muito menos serve como índice fiel da sua readaptação social' (Execução Penal, Júlio F. Mirabetti e Renato N. Fabbrini, Editora Atlas, 12 ed., pág. 442, item 112-4, 2º parágrafo).
Mérito (requisito subjetivo) é, portanto, algo além do bom comportamento carcerário.
Isto (mérito ser um plus em relação ao bom comportamento carcerário) é mais do que intuitivo e a necessidade de haver sua efetiva demonstração é um elemento empírico calcado nos dados concretos das experiências que a vida nos traz.
Basta se pensar na famosa figura cinematográfica do criminoso Hannibal
Lecter: homem refinadíssimo quer na cultura quer nos seus modos mas um grande psicopata eis que matava pessoas praticar canibalismo sob a forma de alta gastronomia.
Vale dizer, em palavras mais diretas, o bom comportamento carcerário e disciplina podem esconder uma personalidade altamente perigosa e criminosa.
Muito bem: qual seria o caminho para se poder buscar e/ou enxergar o mérito do sentenciado.
É razoável inferir que a busca por tal mérito seja feita dentro de todo o contexto envolvendo o sentenciado.
Começando pelo tipo de crime que é cometido. Não se pode ter o mesmo juízo de exigência valorativa da existência ou não de mérito em relação a quem comete um furto e em relação a um criminoso que inúmeros crimes com violência contra a pessoa.
Um segundo elemento também para ajudar no juízo de exigência valorativa da existência ou não de mérito é o histórico carcerário. Há que se ver toda a vida carcerária do sentenciado, principalmente os fatos passados. Isto porque falta recente (não reabilitadas) é elemento impeditivo de plano, ou seja, sequer é passível de concessão em tese do benefício.
Não levar em conta todo o histórico prisional - inclusive faltas já reabilitadas - tem como consequência estimular a indisciplina carcerária e não premiar o sentenciado que realmente tomou consciência dos seus crimes e efetivamente quer se reabilitar e se manteve durante todo o período de encarceramento sem alterações disciplinares.
Um terceiro elemento para se ajudar no juízo de exigência valorativa da existência ou não de mérito é o exame criminológico.
Aliás, neste ponto o laudo psicológico informa que a crítica e a reflexão do sentenciado com relação a seus delitos são simplistas (fls. 34).
Com todos os dados a serem buscados através dos itens apontados anteriormente pode-se formar um juízo razoável de probabilidade favorável ao sentenciado de modo a se ter elementos razoáveis de que o sentenciado em liberdade não irá cometer novos crimes e especialmente com violência contra as pessoas.
Isto porque o juízo não pode ser um homem cego às consequências dos seus atos, ou seja, abrandar as consequências negativas do descumprimento das regras de disciplina e vigilância de pessoa que não demonstrou e/ou não houve valoração dos requisitos mínimos de segurança subjetiva do seu mérito.
[...]
Muito bem: deve-se obedecer ao que foi posto pelo E. STJ no habeas corpus n. 675.558.
Assim, fica expressamente consignado que não está sendo levado em consideração a gravidade abstrata dos crimes cometidos, as faltas disciplinares antigas e já reabilitadas.
Diante desse quadro processual, este Magistrado não tem a convicção de que o sentenciado tenha assimilado a terapêutica penal, bem como tenha adquirido os valores necessários para progressão de regime, ou seja, que tenha mérito suficiente para tal benefício como determina o art. 33, §2º do CP.
Sendo prerrogativa inalienável mais do que da pessoa do julgador e sim do cargo (verdadeira essência de um poder judiciário independente) de que não pode ser convocado a julgar com violação a sua consciência e livre convencimento.
Ainda, não se olvide que o princípio que rege a execução penal não é o in dubio pro reo, como no processo de conhecimento, mas, sim, o in dubio pro societate eis que a pessoa recolhida ao cárcere somente o foi porque demonstrou ser indivíduo perigoso para estar no convívio social.
Posto isto, indefiro o pedido de progressão de regime semiaberto, em razão da ausência do requisito subjetivo , nos termos do artigo 112 da Lei de Execução Penal, destacando que, em sede de execução penal, deve prevalecer o princípio in dubio pro societate."
Da leitura da motivação do Juiz de primeiro grau, concluo que o ajuizamento da
presente reclamação é, evidentemente, incabível para os fins pretendidos.
Com efeito, garantir a autoridade das decisões pressupõe não permitir o
descumprimento das diretrizes objetivas emanadas deste Superior Tribunal de Justiça em
seus julgados , o que não se confunde com a pretensão de trazer diretamente a esta Corte
questões outras decorrentes de desdobramentos do feito.
Na hipótese, da própria leitura do ato reclamado, constato que o Magistrado singular,
diante do laudo psicológico, consignou a ausência do requisito subjetivo do Paciente para a
progressão de regime.
Assim, independentemente de sua alegação de mérito ter ou não fundamento, o fato é
que o inconformismo deduzido pelo Reclamante não se relaciona diretamente com os parâmetros
da decisão do Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual descabe aduzir afronta à autoridade
de decisão desta Corte, mormente quando as pretensas ilegalidades são passíveis de correção
pela via recursal própria ou do habeas corpus.
Cito, a propósito, mutatis mutandis, os seguintes julgados:
"AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECLAMAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE EM HABEAS CORPUS, NO QUAL SE CONDICIONOU A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO À PRÉVIA REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, À QUAL INCUMBIRIA SINALIZAR SE O EXAME CRIMINOLÓGICO SERIA NECESSÁRIO, OU NÃO. DECISÃO POSTERIOR DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES QUE DETERMINOU A REALIZAÇÃO, TAMBÉM, DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA PARA, COMPLEMENTANDO OS DADOS JÁ EXISTENTES, ANALISAR O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME. INEXISTÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO. TENTATIVA DE DAR À DECISÃO APONTADA COMO DESCUMPRIDA ABRANGÊNCIA MAIOR DO QUE A QUE EFETIVAMENTE TEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Se a decisão desta Corte apontada como descumprida limitou-se a condicionar a realização de exame criminológico à prévia avaliação do condenado por um psicólogo, a determinação posterior, pelo Juízo de execução, de realização, também, de avaliação psiquiátrica não descumpre julgado deste Tribunal.
2. Situação em que a decisão desta Corte apontada como descumprida estabeleceu que a mera referência à gravidade abstrata do crime cometido, sua hediondez, e/ou a quantidade de pena ainda por cumprir não correspondiam a requisitos válidos para que o Juízo de execuções determinasse a realização de exame criminológico como dado necessário para se proceder ao exame de pedido de progressão de regime. Concedeu-se, então, habeas corpus de ofício, para que o Juízo das execuções determinasse uma prévia avaliação psicológica do executado, a fim de que, conforme resultado do parecer, se procedesse, ou não, a um posterior exame criminológico. No entanto, no intervalo entre a data da impetração do habeas corpus e o momento em que esta Corte nele proferiu decisão de mérito, foram realizados, no primeiro grau de jurisdição, tanto uma avaliação psicológica do executado quanto um relatório conjunto de avaliação por servidores da penitenciária em que está recolhido o executado, o que, em tese, teria implicado em perda de objeto do habeas corpus. Na sequência, logo após ter recebido comunicação sobre o habeas corpus concedido por este Tribunal, o Juízo de
execuções determinou a realização de avaliação psiquiátrica complementar.
3. Não existindo descumprimento de decisão judicial emanada desta Corte identificável em um juízo perfunctório, a reclamação não preenche todos os requisitos processuais necessários para o seu conhecimento, carecendo de interesse processual, na modalidade "adequação", o que autoriza a sua extinção sem resolução de mérito.
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg nos EDcl na Rcl 38.915/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/10/2019, DJe 14/10/2019.)
"CONSTITUCIONAL E EXECUÇÃO PENAL. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA NO HC 480.071/SP. NÃO OCORRÊNCIA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. PROGRESSÃO DE REGIME. HEDIONDEZ AFASTADA. LIVRAMENTO CONDICIONAL. TEMA NÃO OBJETO DE EXAME NO JULGADO DESTA CORTE. VIA UTILIZADA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE.
1. Reclamação ajuizada sob o fundamento de que a decisão desta Corte Superior no julgamento do HC 408.071/SP, cuja ordem foi concedida de ofício apenas para afastar a hediondez do crime tipificado no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 e determinar que o Juízo do Departamento de Execuções Criminais, reapreciasse o pedido de progressão de regime, foi descumprida pelo Juízo da Unidade Regional do Departamento Estadual de Execução Criminal de São Paulo (DEECRIM 1ª RAJ).
2. Hipótese em que não se verifica contrariedade ao julgado proferido por esta Corte, uma vez que o tema relativo à data-base para fins de livramento condicional não foi objeto de exame no âmbito do HC 480.071/SP.
3. Pretende, na verdade, o reclamante, a discussão de matéria ainda pendente de exame no TJSP em sede de habeas corpus, o que se mostra incabível pela via da reclamação, que não pode ser utilizada como sucedâneo recursal, conforme entendimento pacífico desta Corte Superior.
4. Reclamação improcedente. Liminar cassada." (Rcl 37.285/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2019, DJe 18/06/2019.)
Ante o exposto, INDEFIRO LIMINARMENTE a reclamação.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 30 de agosto de 2021.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora