2 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1951151 SP 2021/0234812-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1951151 - SP (2021/0234812-0)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE : JOAO PAULO PRADO DE QUEIROZ
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO MARCO CHRISTIANO CHIBEBE WALLER - DEFENSOR PÚBLICO - SP282172
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por JOÃO PAULO PRADO DE
QUEIROZ (e-STJ fl. 256/276), com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, cuja ementa é a seguinte (e-STJ fl. 239):
APELAÇÃO. Tráfico de entorpecentes. Recurso da defesa. Materialidade e
autoria demonstradas. Firmes e coerentes depoimentos dos policiais civis.
Validade. Conjunto probatório seguro e coeso. Desclassificação para uso.
Alegação desvinculada do conjunto probatório. Traficância demonstrada.
Condenação de rigor. Dosimetria da pena. Penas fixadas no mínimo legal.
Redutor do §4º, do art. 33, da Lei 11.343/2006. Inaplicabilidade. Dedicação a
atividades criminosas demonstrada Substituição da pena privativa de
liberdade pela restritiva de direitos. Descabimento. Reprimenda superior a 04
anos. Regime inicial fechado mantido, por se mostrar mais adequado ao
combate do crime de tráfico, equiparado a hediondo. Recurso desprovido.
Nas razões do recurso especial, alega a parte recorrente violação do artigo 33,
§4º, da Lei n. 11.343/2006 e dos artigos 33, 44 e 59 do CP. Sustenta: (i) a aplicação do
art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em seu patamar máximo, uma vez que não ficou
comprovado que o acusado se dedica à atividade criminosa; (ii) a fixação do regime
semiaberto para o cumprimento da pena, ou, reconhecido o tráfico privilegiado, o regime
inicial aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos .
Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 280/289), o recurso foi admitido (e-STJ
fls. 291/292), manifestando-se o Ministério Público Federal, nesta instância, pelo
provimento do recurso especial para reconhecer a incidência da minorante do §4º na
fração de 2/3, fixar o regime aberto e substituir a sanção corporal por restritiva de direitos (e-STJ fls. 305/309).
É o relatório. Decido.
O recurso merece acolhida.
De início, para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
Na falta de parâmetros legais para se fixar o quantum dessa redução, os Tribunais Superiores decidiram que a quantidade e a natureza da droga apreendida, além das demais circunstâncias do delito, podem servir para a modulação de tal índice ou até mesmo para impedir a sua aplicação, quando evidenciarem o envolvimento habitual do agente com o narcotráfico (HC n. 529.329/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 19/9/2019, DJe 24/9/2019). Precedentes: AgRg no HC n. 518.533/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/9/2019, DJe 18/9/2019; AgRg no Resp n. 1.808.590/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 20/8/2019, DJe 4/9/2019; AgRg no AREsp n. 1.281.254/TO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe 27/8/2019; AgRg no HC n. 490.027/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe 27/8/2019.
No presente caso, o Tribunal a quo, ao apreciar o caso, manteve o afastamento da referida causa de diminuição, pelos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 246):
Bem afastada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11. 343/2006, vez que, embora o agente seja primário, a variedade e quantidade de substâncias apreendidas, já embaladas para o comércio, prontas para serem entregues ao consumo de terceiro indicam, cabalmente, rotina de proceder.
Portanto, apesar de primário, as circunstâncias em que se deu a apreensão, demonstraram, inequivocamente, a sua dedicação à atividade criminosa, permitindo concluir que ele não se tratava de traficante ocasional, mas sim que fazia do ilícito o seu meio de vida, fato este impeditivo da aplicação do referido benefício pleiteado pela Defesa.
Observa-se que os argumentos utilizados não foram suficientes para afastar a causa de diminuição, uma vez que a Corte de origem mencionou apenas a quantidade da droga e o fato delas estarem embaladas para não aplicar o art. 33, § 4º, da Lei n.
11.343/2006, o que encontra-se em sentido contrário à jurisprudência desta Corte
Superior de Justiça.
É que a Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.887.511/SP, Rel. Ministro
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, realizado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021, decidiu que a
aplicação do benefício do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não pode ser
afastada somente com fundamento na natureza , na diversidade e na quantidade da droga
apreendida, sendo necessário que esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do
caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à
integração a organização criminosa.
Abaixo, ementa do referido julgado:
PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. DOSIMETRIA DE PENA. PECULIARIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 42 DA LEI N. 11.343/2006. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE BIS IN IDEM. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. RECURSO PROVIDO PARA RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo legislador.
2. Em regra, abre-se espaço, em sua primeira fase, à atuação da discricionariedade ampla do julgador para identificação dos mais variados aspectos que cercam a prática delituosa; os elementos negativos devem ser identificados e calibrados, provocando a elevação da pena mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente guiada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Na estrutura delineada pelo legislador, somente são utilizados para a fixação da pena-base elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos, de maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. Trata-se da aplicação do princípio da especialidade, que impede a ocorrência de bis in idem, intolerável na ordem constitucional brasileira.
4. O tratamento legal conferido ao tráfico de drogas traz, no entanto, peculiaridades a serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato, que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos específicos, necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas, para utilização obrigatória na primeira fase da dosimetria.
5. Não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de suposta discricionariedade judicial que redunde na
transferência da análise desses elementos para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes, sem natureza residual.
6. O tráfico privilegiado é instituto criado par a beneficiar aquele que ainda não se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante eventual.
7. A utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712).
8. A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa.
9. Na modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, podem ser utilizadas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas de maneira expressa na fixação da pena-base.
10. Recurso provido para restabelecimento da sentença (REsp 1.887.511/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Seção, julgado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021).
Assim, necessário o reconhecimento da incidência da causa de diminuição da
pena descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, tendo em vista a ausência de
fundamentação idônea e concreta para seu afastamento, que, em razão da quantidade das
drogas apreendidas (11 porções de cocaína pesando 8,2g e 8 porções de maconha
pesando 14,2g - e-STJ fls. 240), deve ser aplicada no patamar de 2/3.
Dessa forma, mantidos os critérios da Corte de origem e aplicado o referido
redutor em 2/3, resulta em uma pena definitiva de 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 diasmulta.
No que tange ao regime de cumprimento da pena, estabelecida a pena
definitiva em 1 ano e 8 meses de reclusão, sendo favoráveis as circunstâncias do art. 59
do CP, primário o recorrente e sem antecedentes, e considerada a quantidade do
entorpecente apreendido (11 porções de cocaína pesando 8,2g e 8 porções de maconha
pesando 14,2g ), apesar da natureza altamente deletéria de um deles, o regime aberto é o
adequado à prevenção e reparação do delito, sendo cabível, também, a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, uma vez que preenchidos os
requisitos legais do art. 44 do Código Penal.
Nessa linha, anota-se que, recentemente, a Sexta Turma desta Corte Superior, no julgamento do HC n. 596.603/SP, de relatoria do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, realizado em 8/9/2020, DJe 22/9/2020, firmou entendimento no sentido de que o condenado por crime de tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a pena inferior a 4 anos de reclusão, faz jus a cumprir a reprimenda em regime inicial aberto ou, excepcionalmente, em semiaberto, desde que por motivação idônea, não decorrente da mera natureza do crime, de sua gravidade abstrata ou da opinião pessoal do julgador.
Ante o exposto, com fundamento no art. 932, inciso VIII, do CPC, no art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ e na Súmula 568/STJ, dou provimento ao recurso especial para aplicar o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no patamar de 2/3, redimensionando a pena do acusado para 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 166 dias-multa, e determinar a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a serem fixadas pelo juízo da execução, mantidos os demais termos da condenação.
Intimem-se.
Brasília, 14 de setembro de 2021.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator