26 de Junho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 693767 DF 2021/0295944-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 693767 - DF (2021/0295944-0)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE : FERNANDO CARNEIRO BRASIL
ADVOGADO : FERNANDO CARNEIRO BRASIL - DF029425
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTICA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITORIOS
PACIENTE : RAIMUNDO CARLOS RIBEIRO DA ROCHA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
EMENTA
HABEAS CORPUS. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS
IMPOSTAS EM RAZÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE
JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. TRIBUNAL DE ORIGEM AFIRMA A
EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. ACÓRDÃO
EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
Writ liminarmente indeferido.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de
Raimundo Carlos Ribeiro da Rocha contra o acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no HC n. 0726461-64.2021.8.07.0000,
assim ementado (fl. 398):
Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Descumprimento de medidas
protetivas. Consentimento da vítima na aproximação do acusado ou retomada do
relacionamento amoroso.
1 - O trancamento da ação penal pela via estreita do habeas corpus, medida
excepcional, só se admite se manifesta e inequívoca atipicidade da conduta, causa
de extinção de punibilidade, ou inexistência de indícios mínimos de autoria e de
materialidade do delito, que devem ser provados de plano.
2 — O bem jurídico tutelado pelo crime do art. 24-A da L. 11.340/06 é a
administração da justiça e, apenas indiretamente, a proteção da vítima. Trata-se,
portanto, de bem indisponível.
3 - Enquanto vigentes as medidas protetivas, o agressor tem a obrigação de
cumpri-las. O consentimento da vítima na aproximação do réu ou a retomada do
relacionamento amoroso não torna a conduta atípica.
4 - Somente a atipicidade inequívoca da conduta autoriza o trancamento da
ação penal em habeas corpus.
5 – Ordem denegada.
Narram os autos que o paciente foi preso em flagrante por descumprir as
medidas protetivas impostas a seu desfavor nos autos do Processo n. 0705053-15.2020.8.07.0012 (em razão de violência doméstica e familiar contra mulher).
Oferecida a denúncia, a Ação Penal n. 0700618-61.2021.07.0012 está em curso no
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Sebastião/DF.
Solicitada a revogação das referidas medidas pela vítima, o referido Juízo
determinou a realização da audiência de justificação, na qual indeferiu a pretensão nos
seguintes termos (fl. 75 - grifo nosso):
O Ministério Público assim se manifestou: "Apesar de a vítima ter postulado a revogação das medidas protetivas de urgência na presente assentada, o MP entende que é caso de não atendimento do pedido. Isso porque, conforme bem ressaltado na manifestação de ID 76567596, ao registrar a Ocorrência Policial, Suzete noticiou que já fora agredida pelo companheiro e que ele era agressivo, ignorante, ciumento e severamente controlador. O questionário de risco por ela preenchido apontou a ocorrência pretérita de fatos graves, como agressões com pauladas, socos, tapa, empurrão, puxão de cabelo e chutes, que teriam se tornado mais grave nos últimos seis meses . O relatório do NERAV de ID 82275667 corroborou a situação de risco a que a vítima está submetida, inclusive com perigo de feminicídio, e ressaltou que o retorno à convivência com o ofensor se deu em razão do medo de novas agressões . Noticiou-se, ainda, a permanência de violência psicológica contra Suzete e a prática de violências na presença da filha de apenas 8 anos de idade. Soma-se a isso a gravidade do fato em apuração, tendo em vista a foto da lesão juntada ao processo (ID 74381241). Todas essas circunstâncias indicam que extrema vulnerabilidade emocional da vítima e alto risco de reiteração das condutos delituosas, demonstrando a necessidade de fortalecimento de Suzete antes da retomada da convivência com o ofensor. Para tanto, indispensável promover a reflexão sobre a violência e diferentes formas de solução de conflitos tanto pela vítima quanto pelo ofensor. Assim, o MP requer que sejam mantidas as medidas protetivas e determinado o encaminhamento dos envolvidos aos atendimentos psicossociais pertinentes. Além disso, observa-se que o comportamento apresentado por Raimundo exige a decretação de medidas que garantam o cumprimento do afastamento, pois seu comportamento demonstra que as medidas protetivas deferidas até agora foram insuficientes para resguardar a vítima. Há que se considerar, ainda, a falsa informação fornecida pelo ofensor na presente data de que não tinha conhecimento das medidas protetivas, na tentativa evidente de se eximir da responsabilidade e indicando o menosprezo às decisões judiciais . Não há que se falar que o consentimento da vítima seria suficiente para afastar eventual tipicidade do crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha, tão pouco que tal circunstância impeça a decretação de medida mais severa. O relatório do NERAV, conforme mencionado acima, corroborou a situação de risco a que a vítima está submetida. Noticiou-se, ainda, a permanência de violência psicológica contra Suzete e a prática de violências na presença da filha de apenas 8 anos de idade. Essas circunstâncias indicam a necessidade de fortalecimento de Suzete antes que se possa falar em sua livre iniciativa para revogação das cautelares ou retomada do relacionamento. Evidente, assim, o risco concreto de reiteração das práticas criminosas e, quiçá, o agravamento da conduta, que já apresentou extrema severidade diante do relato da vítima das agressões físicas sofridas. Assim, o MP requer a aplicação da medida de monitoramento eletrônico.
A Defesa se manifestou no sentido da revogação das medidas protetivas em razão da situação fática em que o casal vive, atualmente.
Pela MMa. Juíza foi proferido a seguinte decisão: "defiro o pedido ministerial, indeferindo a revogação das medidas protetivas, considerando a situação de risco que atualmente vive a vitima SUZETE e a filha menor de oito anos de idade. Os fatos são graves, revelam que não é a primeira vez que a violência física e psicológica ocorrem entre o casal, além do que, em algumas oportunidade é necessária a intervenção da criança para separar o casal . Não se olvide que essa menor se encontra em total contexto de desproteção, assim como a vitima em situação de risco. O agressor tentou negar em audiência a ciência das medidas protetivas, sem qualquer justificativa plausível e como manifestado sentido de tumultuar o feito. Ainda, reconhece a situação de violência, mas ao ser questionado pela advogada da vitima, afirma não ter a necessidade qualquer acompanhamento psicossocial, o que revela a ausência de interesse na mudança do quadro fático . O depoimento do agressor, ao contrário do depoimento da vítima, mostra o seu desejo de se manter em situação de violência. Desse modo, mantenho as medidas protetivas e determino, imediatamente, o uso de tornozeleira eletrônica, pelo agressor . Ressalte-se que tal medida faz-se necessária, nos termos do art. 319, do CPP e art. 22 da Lei Maria da Penha. O descumprimento ensejará a imediata prisão do ofensor.
A defesa busca, na presente impetração, o trancamento da ação penal,
diante da falta de justa causa, uma vez que a própria vítima solicitou a revogação das
medidas protetivas, bem como pretendeu a reconciliação com o paciente.
Diz que, embora seja a conduta de descumprir as medidas protetivas
formalmente típica, não é possível constatar uma ameaça ou lesão ao bem jurídico
tutelado, uma vez que a vítima autorizou a aproximação do réu – Foi ele quem
procurou o Paciente e passou a residir na nova moradia deste. Pela farta
documentação em anexo o consentimento da vítima de permitir a aproximação do
Paciente é incontroversa, sendo narrada até mesmo, sob o crivo do contraditório, em
audiência no Juízo a quo (fl. 8).
Alega que se trata de um benefício disponível e que não deve sofrer a
ingerência excessiva do Estado. Se a própria beneficiária abriu mão da proteção que
lhe foi conferida, não há razão para a responsabilização criminal daquele que
descumpriu a ordem judicial (fl. 9).
Defende haver constrangimento ilegal quando é própria vítima quem
descumpre a medida protetiva e se aproxima do suposto ofensor com a finalidade de
reconstruir sua família. No caso em apreço o Paciente não criou ou incrementou um
risco proibido relevante. Destaca que não há ofensa ao bem jurídico que se busca
proteger com a criminalização da conduta, qual seja, a dignidade da mulher (fl. 13).
Requer, com o pedido liminar, a suspensão da ação penal; e, no mérito, o
seu trancamento pela ausência de demonstração de efetiva ocorrência de ameaça ou violação de bem jurídico tutelado (fls. 12/13).
É o relatório.
A impetração não merece acolhimento.
Com efeito, ao que se observa, o Tribunal de Justiça distrital ressaltou que o bem jurídico tutelado pelo crime do art. 24-A da Lei n. 11.340/2006 é a administração da justiça e, apenas indiretamente, a proteção da vítima. Trata-se, portanto, de bem indisponível. Somente a atipicidade inequívoca da conduta autoriza o trancamento da ação penal em habeas corpus. Saber se o paciente cometeu ou não o crime imputado na denúncia é questão que demanda exame aprofundado de provas, o que foge dos limites da via estreita do habeas corpus . Daí porque necessária a instrução processual da ação penal. Não se demonstrou qualquer prejuízo na regular tramitação da ação penal — ao contrário, os indícios de que os fatos ocorreram e que são típicos são suficientes para seu prosseguimento (fl. 402 – grifo nosso).
Tal conclusão, a meu ver, vai ao encontro do entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (RHC n. 90.109/MG, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 25/3/2019 – grifo nosso).
Ademais, a necessidade de profunda incursão probatória também impede o conhecimento do writ.
Ante o exposto, indefiro liminarmente o presente habeas corpus.
Publique-se.
Brasília, 14 de setembro de 2021.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator