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- 2º Grau
Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 693764 SP 2021/0296036-7 - Decisão Monocrática
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Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 693764 - SP (2021/0296036-7)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO GUSTAVO PICCHI - SP311018
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : FRANCISCO MATHEUS GUERREIRO ALVES (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. FRAÇÃO APLICADA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de FRANCISCO MATHEUS GUERREIRO ALVES contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Agravo de Execução Penal n. 0007613-61.2021.8.26.0996.
Consta dos autos que o Juízo das Execuções reconheceu a prática de falta pelo Paciente e determinou a perda de 1/3 dos dias remidos e a remir anteriores à data da falta disciplinar, se houver, bem como determinou a interrupção do cálculo de penas para fins de progressão de regime, por ter feito "um buraco em uma das paredes da cela em que habitava, agindo com indisciplina em relação às regras recebidas quando de sua inclusão no sistema penitenciário" (fl. 76).
Inconformada, a Defesa interpôs agravo em execução, que foi desprovido pelo Tribunal de origem (fls. 102-110).
Neste writ, a parte Impetrante alega, em suma, que "tem-se que a revogação dos dias remidos acima do mínimo legal, deverá, necessariamente, ser precedida de ampla fundamentação judicial, sendo vedada a menção genérica utilizada pela decisão guerreada." (fl. 8).
Aduz, ainda, que, a orientação de perdimento dos dias a remir, anteriores à falta disciplinar, contraria o art. 127 da Lei de Execução Penal.
Requer, liminarmente e no mérito, seja cassada a decisão que decretou a perda dos dias remidos e a remir, anteriores à data da falta disciplinar pelo Paciente.
É o relatório. Decido.
De início, destaco que "[a]s disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de
decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que
se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a
contraria" (AgRg no HC 629.625/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020).
No mesmo sentido, ilustrativamente:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. PROGRESSÃO DE REGIME. CÁLCULO DE PENAS. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO. PACOTE ANTICRIME. OMISSÃO LEGISLATIVA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. APLICAÇÃO DO ART. 112, V, DA LEP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ, as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus.
2. 'O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta' (AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019).
3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes.
[...]
6. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC 656.843/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021; sem grifo no original.)
Portanto, passo a analisar diretamente o mérito da impetração
O Juízo das Execuções Penais reconheceu a prática da falta de natureza
grave pelo Paciente nos seguintes termos (fls. 75-77; sem grifos no original):
"No mérito, conforme oitivas realizadas nos autos do procedimento administrativo, restou clara a prática da falta pelo reeducando, comprovando-se materialidade e autoria, visto que os depoimentos dos servidores evidenciam que o sentenciado causou danos ao patrimônio da unidade, fazendo um buraco em uma das paredes da cela em que habitava, agindo com indisciplina em relação às regras recebidas quando de sua inclusão no sistema penitenciário .
Imprescindível, também, ressaltar que as declarações dos funcionários da unidade merecem credibilidade, não havendo indicação de motivos para que incriminassem falsamente o faltante.
No caso dos autos, não há que se cogitar, pois, a hipótese da desclassificação do grave ato de indisciplina praticado como falta disciplinar de natureza média.
Portanto, restou comprovado que, com sua postura, o reeducando praticou a conduta descrita no artigo 50, VI da Lei de Execução Penal.
O empreendimento de falta disciplinar de natureza grave determina, ainda, a incidência do artigo 127 da L.E.P., sobretudo porque a decisão concessiva de remição não produz coisa julgada material nem ofende o direito adquirido.
Em vista disso, nos termos do artigo 127 da Lei de Execução Penal, impõese a perda dos dias remidos ou a remir anteriores à referida infração; já que, na dicção do referido artigo, recentemente alterado pela Lei nº 12.433/11, observa-se que este menciona somente a perda do tempo remido, o que pressupõe decisão judicial.
Porém, é evidente que a perda do direito também atinge os dias a remir anteriores à falta grave; tanto assim que a segunda parte do artigo 127 da LEP prevê que o novo período de cômputo começa “a partir da data da infração disciplinar”.
Nesse sentido: “O condenado punido por falta grave perde o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar, se a remição ainda não foi julgada por sentença” (RJDTACRIM 40/29).
Além de determinar a perda dos dias remidos, a prática de falta grave também implica no reinício do cômputo do período necessário para a concessão de progressão prisional. Tal interrupção, no entanto, não se opera para fins de livramento condicional, na forma do que dispõe a Súmula 441 do Superior Tribunal de Justiça.
No que se refere à quantidade de dias remidos e a remir a serem declarados perdidos, levando-se em conta a gravidade da conduta do reeducando e as circunstâncias fáticas em que a falta foi praticada, a perda de 1/3 dos dias é medida que se impõe no caso concreto para a repressão e prevenção de novas infrações disciplinares .
Por todo exposto, demonstradas de forma inequívoca a autoria e a materialidade da falta prevista nos artigos supramencionados, reconheço a falta grave praticada por FRANCISCO MATHEUS GUERREIRO ALVES, recolhido no(a) Penitenciária Compacta de Irapuru, aplicando, assim, os efeitos legais que dela exsurgem.
Assim, inexistindo qualquer circunstância que possa afastar as consequências da falta perpetrada, determino a perda de 1/3 dos dias remidos e a remir anteriores à data da falta disciplinar, se houver, bem como determino a interrupção do cálculo de penas para fins de progressão de regime. Os lapsos devem ser contados a partir do cometimento da falta, com fundamento no artigo 127 da LEP."
O Tribunal de origem, por sua vez, consignou o que segue ao manter a decisão do
Juízo de primeiro grau, no que interessa (fls. 102-110; sem grifos no original.):
"[...]
Com efeito, as formalidades do interrogatório e o direito de permanecer em silêncio, consagrado no artigo 5º, inciso LXII, da Constituição Federal, são garantidos ao preso, ao indiciado e ao réu na persecução penal, no entanto, não impõe que esta garantia seja informada pelos agentes penitenciários durante as diligências que culminam com a localização de um buraco na cela.
Observo, ademais, que, ao contrário do que alega a Defesa, a confissão informal do réu está sendo considerada não como elemento determinante da condenação, mas como um elemento a mais, que, junto com todos os outros elementos probatórios, tais como o fato de ter sido constatado um buraco na parede da cela, serviram para comprovar a prática da infração disciplinar.
No mais, anoto que competia à Defesa comprovar qualquer alegação no sentido de que o réu confessou informalmente mediante coação ou tortura, nos termos do artigo 156 do CPP.
Verifica-se, portanto, que o agravante realmente causou um dano ao patrimônio da Unidade, fazendo um buraco em uma das paredes da cela que habitava, em desobediência às normas da unidade prisional, de forma a caracterizar perfeitamente a falta grave.
Consigne-se que, no caso em questão, é impossível a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista que restou bem demonstrada a elevada reprovabilidade da conduta do agravante, uma vez que não pode ser admitido que um detento cause dano ao patrimônio da Unidade, fazendo um buraco na parede da cela, desobedecendo as normas do presídio, já que referido comportamento cria ambiente avesso à ordem e a disciplina do estabelecimento prisional.
Portanto, restou configurada a falta disciplinar de natureza grave, não havendo que se cogitar de sua absolvição ou da desclassificação para falta média ou grave.
Por consequência, correta a imposição da perda de 1/3 dos dias remidos, nos termos do artigo 127 da LEP."
Como se vê, o Tribunal de origem fundamentou devidamente a perda de 1/3 (um
terço) dos dias remidos de forma motivada, razão pela qual não há nenhuma ilegalidade a ser
sanada na presente via. Ademais, o Juízo de origem destacou que a conduta do Paciente, descrita
no art. 50, inciso VI, da Lei de Execução Penal, "causou danos ao patrimônio da unidade,
fazendo um buraco em uma das paredes da cela em que habitava, agindo com indisciplina em
relação às regras recebidas quando de sua inclusão no sistema penitenciário" (fl.
76) fundamentação idônea para respaldar a fração de 1/3 aplicada pelo julgador.
Cito os seguintes precedentes, mutatis mutandis:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. PORTAR DROGAS ILÍCITAS. FUNDAMENTO VÁLIDO PARA A DECRETAÇÃO DA PERDA DOS DIAS REMIDOS.
1. Válido o reconhecimento da falta disciplinar grave, porque se comprovou, por meio dos depoimentos dos agentes penitenciários e, outrossim, da confissão do próprio paciente, que foi ele quem solicitou a entrega da droga por intermédio de sua esposa.
2. A perda do tempo remido encontra-se devidamente fundamentada na natureza e circunstância da infração cometida por expressa previsão legal - art. 52, c.c. o art. 49, parágrafo único, da LEP -, reconhecendo-se adequada a fração de 1/3 em consonância com o art. 1273 c.c. o art. 574 da mesma legislação Ante o exposto, denego o habeas corpus.
3. Agravo regimental improvido." (AgRg no HC 617.217/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021.)
"[...]
5. Quanto à perda dos dias remidos, sabe-se que a decisão deve ser devidamente fundamentada nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na natureza, nos motivos, nas circunstâncias e nas consequências do fato, a teor dos arts. 127 e 57 da LEP.
6. As instâncias ordinárias justificaram adequadamente a perda dos dias remidos na fração máxima admitida em lei, sopesando a gravidade da conduta e as circunstâncias em que foi praticad a, demonstrando, de forma clara, os parâmetros da decisão, não se configurando, portanto, nenhuma coação ilegal.
7. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do habeas corpus, por se
afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício, em razão da ausência de constrangimento ilegal a ser sanado.
8. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 557.417/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 23/03/2020.)
Ante o exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 20 de setembro de 2021.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora