15 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MT 2021/XXXXX-1 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1939267 - MT (2021/XXXXX-1)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : DARCY GETULIO FERRARIN
RECORRENTE : DARCI GETULIO FERRARIN JUNIOR
ADVOGADOS : OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA -SP196524 CAMILA SOMADOSSI GONÇALVES DA SILVA - SP277622
RECORRIDO : SYNGENTA PROTEÇÃO DE CULTIVOS LTDA
ADVOGADOS : CELSO UMBERTO LUCHESI - SP076458 GUILHERME FERNANDES GARDELIN - SP132650 VALESKA FERNANDES LUCCHI - SP357495
INTERES. : NUFARM INDUSTRIA QUIMICA E FARMACEUTICA S.A
ADVOGADOS : LISA FABIANA BARROS FERREIRA - GO016883 ANDRÉ FARHAT PIRES - SP164817 JEAN CARLOS ROVARIS - MT012113O BRUNO CEZAR OLIVEIRA DE CASTRO - PR069575
INTERES. : COFCO BRASIL S.A
INTERES. : BANCO SANTANDER (BRASIL S.A.
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
INTERES. : BRUGNEROTTO SOCIEDADE DE ADVOGADOS
ADVOGADO : FERNANDO BRUGNEROTTO - MT013710
INTERES. : DGF FAZENDAS LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
INTERES. : DGF AGROPECUARIA LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
INTERES. : DGF PARTICIPACOES LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADO : OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA -SP196524
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL.
RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC . AÇÃO DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. (1) DEFICIÊNCIA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. HIGIDEZ DO ACÓRDÃO
RECORRIDO. (2) (3) E (4) PRETENSÃO DE APLICABILIDADE DA
LEI Nº 14.112/2020 À PRESENTE DEMANDA. AUSÊNCIA DE
EXAME DA MATÉRIA PELO ARESTO RECORRIDO.
PREQUESTIONAMENTO. NÃO CONFIGURADO. SÚMULAS N 282
E 356 DO STF E 211 DO STJ. PESSOAS FÍSICAS. PRODUTORES
RURAIS. POLO ATIVO DA DEMANDA DE SOERGUIMENTO.
REGISTRO COMO EMPRESÁRIO E EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
PROFISSIONAL REGULAR DURANTE DOIS ANOS. NATUREZA
JURÍDICA DO ATO. CARÁTER DECLARATÓRIO. DISPENSA DO
PREENCHIMENTO DO PERÍODO PARA A INSCRIÇÃO A FIM DE SE
SUBMETER À DISCIPLINA DA LEI Nº 11.101/2005. PRECEDENTES
DA TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM
PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO PARCIALMENTE.
DECISÃO
SYNGENTA PROTEÇÃO DE CULTIVOS LTDA. (SYNGENTA) interpôs
agravo de instrumento contra decisão que, em ação de recuperação judicial ajuizada
por DGF PARTICIPAÇÕES LTDA., DGF AGROPECUÁRIA LTDA., DGF FAZENDAS
LTDA. (DGF PARTICIPAÇÕES e outros), DARCY GETULIO FERRARIN (DARCY) e
DARCY GETULIO FERRARIN FILHO (DARCY FILHO), deferiu o processamento da
demanda recuperacional de todos os autores-agravados, inclusive de DARCY e outro,
não obstante a ausência por estes de preenchimento do prazo mínimo de dois anos de
inscrição prévia na respectiva Junta Comercial.
O agravo de instrumento foi provido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso
em acórdão assim ementado:
RECURSO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DEFERIDO O PROCESSAMENTO – SUSPENSÃO DAS AÇÕES DE EXECUÇÃO E COBRANÇA CONTRA AS EMPRESAS RECUPERANDAS E CONTRA OS EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS – EMPRESÁRIOS COM REGISTRO NA JUCEMAT A MENOS DE 2 (DOIS) ANOS – IMPOSSIBILIDADE – ARTS. 966, 967 E 971, TODOS DO CC/2002 C/C OS ARTS. 48, E 51, INCISO V, AMBOS DA LRF – EXTENSÃO DA RECUPERAÇÃO PARA SUSPENSÃO/NOVAÇÃO DE DÉBITOS CONSTITUÍDOS E/OU GARANTIDOS POR PESSOAS FÍSICAS –VEDAÇÃO – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ART. 170, IV, DA CF; DOS ARTS.49-A E 50, §§2º E 3º E 422, TODOS DO CC; E DO ART. 198, III, DA LEI Nº9.279/1996 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, impõese a aplicação, ipsis literis, do artigo 51, inciso V, da Lei nº. 11.101/05, o qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, e regularmente inscrito no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos.
O artigo 971 do Código Civil faculta ao empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, requerer o Registro Público de Empresas Mercantis, situação em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os fins, ao empresário sujeito a registro (Enunciado 202 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil).
Para postular a Recuperação Judicial, a Lei 11.101/2005 exige do devedor a comprovação do exercício de atividade empresarial de forma regular nos dois anos anteriores ao pedido, cujo prazo se demonstra com a juntada de certidão expedida pela Junta Comercial no caso do empresário individual, seja ele rural ou não rural (artigos. 48 e 51 da LREF).
Caso dos autos em que os empresários, sócios de pessoas jurídicas do agronegócio, efetuaram seu registro como empresários individuais a menos de dois anos do pedido de recuperação judicial, faltando-lhes, pois, o requisito temporal legal para o acolhimento de seu pedido recuperacional.
Logo, não se revela admissível a extensão da suspensão de ações/execuções e a novação dos débitos constituídos ou garantidos por sócios da recuperanda na condição de pessoas físicas. Afinal, ao se comprometer ao pagamento de um débito na condição de pessoa física, o contratante gera no credor a justa expectativa de que, em caso de ser necessária a execução, não correria o risco de ter frustrada a excussão regular para a satisfação de seu crédito por um possível pedido recuperação judicial.
Além disso, admitir a suspensão das dívidas também em relação ao sócio significaria negar vigência ao artigo 422 do Código Civil, ante a necessária observância da boa-fé que deve imperar nas relações contratuais, ao novel artigo 49-A, caput, do Código Civil, bem como à possibilidade de o credor se valer da tese de confusão patrimonial a permitir a desconsideração da personalidade jurídica, tal como consta da nova redação do artigo 50, §§1º, 2º, e3º, do Código Civil.
Haveria ainda a chancela do Poder Judiciário à prática da concorrência desleal, favorecendo a produção/venda de produtos/safra/alimentos por preços mais vantajosos posto que não precisariam pagar a integralidade dos débitos contraídos para aquisição de insumos (amparados pelo beneplácito da recuperação judicial), em nítida ofensa ao artigo 198, III, da Lei nº 9.279/1996, bem como violação ao direito à livre concorrência constitucionalmente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 170, IV, o qual expressa fielmente o princípio constitucional que ampara o sistema empresarial, a ordem econômica e todo o mundo capitalista, no qual se insere nosso ordenamento jurídico brasileiro.- (e-STJ, fls. 449/450).
Os embargos de declaração opostos por DGF PARTICIPAÇÕES e outros,
DARCY e DARCY FILHO foram acolhidos em parte para, ao reconhecer a omissão
acerca das preliminares suscitadas em contrarrazões ao apelo interposto por BANCO,
rejeitar as teses então arguidas (e-STJ, fls. 544/568).
Inconformados, DARCY e DARCY FILHO interpuseram recurso especial
com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando a violação
dos seguintes dispositivos legais (1) arts. 489, IV, e 11, e 1.022, II e III, do NCPC, por
reputar omisso e contraditório o aresto recorrido na medida em que não teria se
pronunciado acerca dos demais regramentos tidos por afrontados, bem como, não
obstante reconhecer a natureza de empresários individuais dos ora recorrentes, teria
concluído que não era possível admitir a sua recuperação judicial diante da ausência
de inscrição na Junta Comercial pelo período mínimo prévio de dois anos da data do
pedido, não ser admissível a submissão dos créditos constituídos anteriormente ao
registro ao plano de recuperação judicial e não ser viável a extensão dos efeitos da
recuperação judicial às pessoas naturais, além da circunstância de que, ao considerar que não deteriam personalidade jurídica, não poderiam empregar como fundamento a confusão patrimonial e nem o descabimento da desconsideração da personalidade jurídica; (2) arts. 1º e 48 da Lei nº 11.101/05 e arts. 966, 967, 970 e 971 do Código Civil, por considerar que o produtor rural que exerce seu ofício há mais de dois anos e se encontra regularmente inscrito na Junta Comercial à época encontrar-se-ia apto a requerer a sua recuperação judicial, tendo o ato a natureza jurídica declaratória, sendo o registro prescindível à condição de empresário à luz da orientação jurisprudencial. Também indicou dissídio jurisprudencial, tendo por paradigmas precedentes desta Corte Superior; (3) arts. 45, 49-A, 50, 422, 967, 970 e 971 do Código Civil e arts. 6º, § 4º, 47, 49 e 190 da Lei 11.101/05, sob o argumento de que o empresário individual constituiria figura sui generis, sem personalidade jurídica própria e cuja existência legal não decorreria de inscrição no respectivo órgão, de modo que as obrigações contraídas pela pessoa física também o são por aquele, independente da data de registro. (4) Também sustentou a aplicação à presente demanda da Lei nº 14.112/2020, que expressamente autoriza o produtor rural a requerer a recuperação judicial antes dos dois anos de inscrição na Junta Comercial e não prevê nenhuma restrição quanto ao passivo constituído antes do registro.
Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 823/837).
Em juízo de admissibilidade, a primeira vice-presidência do Tribunal matogrossense admitiu o referido apelo nobre, tendo sido indeferido o pleito de atribuir-lhe efeito suspensivo (e-STJ, fls. 920/922).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 1.020/1.031).
É o relatório.
DECIDO.
O inconformismo merece prosperar em parte.
De plano, vale pontuar que o presente recurso especial foi interposto contra acórdão publicado na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
(1) Da alegada omissão
Ao contrário do que afirmado nas razões do recurso especial, o Tribunal
mato-grossense foi claro ao se manifestar sobre o teor de todos os dispositivos
legais tidos por afrontados, bem como ausentes as contradições supostamente
existentes no reconhecimento pelo TJMT da natureza de empresários individuais dos
ora recorrentes e seus efeitos.
É possível extrair tais conclusões a partir do seguinte trecho da ementa do
aresto recorrido.
Confira-se:
E M E N T A:
RECURSO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃOJUDICIAL – DEFERIDO O PROCESSAMENTO – SUSPENSÃO DAS AÇÕES DEEXECUÇÃO E COBRANÇA CONTRA AS EMPRESAS RECUPERANDAS ECONTRA OS EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS – EMPRESÁRIOS COM REGISTRONA JUCEMAT A MENOS DE 2 (DOIS) ANOS – IMPOSSIBILIDADE – ARTS. 966,967 E 971, TODOS DO CC/2002 C/C OS ARTS. 48, E 51, INCISO V, AMBOS DALRF – EXTENSÃO DA RECUPERAÇÃO PARA SUSPENSÃO/NOVAÇÃO DEDÉBITOS CONSTITUÍDOS E/OU GARANTIDOS POR PESSOAS FÍSICAS –VEDAÇÃO – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ART. 170, IV, DA CF; DOSARTS.49-A E 50, §§2º E 3º E 422, TODOS DO CC; E DO ART. 198, III, DA LEI Nº9.279/1996 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (e-STJ, fl. 446)
Não há como sustentar, portanto, falta de fundamentação, omissão ou
contradição no enfrentamento dos temas.
(2) (3) e (4) Da legitimidade ativa para requerer a recuperação judicial, da
natureza do reconhecimento da presença da condição da ação, dos seus efeitos e da
pretendida incidência da Lei nº 14.112/2020
O acórdão recorrido decidiu, em desconformidade com precedentes desta
egrégia Terceira Turma, que já se manifestou no sentido de que a natureza jurídica do
registro do produtor rural é meramente declaratória de sua precedente condição
profissional, sendo dispensável a sua inscrição prévia com dois anos de exercício da
atividade empresarial para o fim de se submeter ao regime da Lei nº 11.101/2005, em
particular ao regramento da recuperação judicial, a teor das ementas adiante
reproduzidas:
RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EFETUADO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL QUE EXERCE PROFISSIONALMENTE A ATIVIDADE AGRÍCOLA ORGANIZADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS, ENCONTRANDO-SE, PORÉM, INSCRITO HÁ
MENOS DE DOIS ANOS NA JUNTA COMERCIAL. DEFERIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 48 DA LRF. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Controverte-se no presente recurso especial acerca da aplicabilidade do requisito temporal de 2 (dois) anos de exercício regular da atividade empresarial, estabelecido no art. 48 da Lei n. 11.101/2005, para fins de deferimento do processamento da recuperação judicial requerido por empresário individual rural que exerce profissionalmente a atividade agrícola organizada há mais de 2 (dois) anos, encontrando-se, porém, inscrito há menos de 2 (dois) anos na Junta Comercial.
2. Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio. Insere-se na ressalva legal, portanto, o exercente de atividade econômica rural, o qual possui a faculdade, o direito subjetivo de se submeter, ou não, ao regime jurídico empresarial.
3. A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
3.1 Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).
3.2 A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro. Exercida a faculdade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, o empresário rural, por deliberação própria e voluntária, passa a se submeter ao regime jurídico empresarial.
4. A finalidade do registro para o empresário rural, difere, claramente, daquela emanada da inscrição para o empresário comum.
Para o empresário comum, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que tem condão de declarar a qualidade jurídica de empresário, apresenta-se obrigatória e se destina a conferir-lhe status de regularidade. De modo diverso, para o empresário rural, a inscrição, que também se reveste de natureza declaratória, constitui mera faculdade e tem por escopo precípuo submeter o empresário, segundo a sua vontade, ao regime jurídico empresarial.
4.1 O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
4.2 A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou. Portanto, a situação jurídica do empresário rural, mesmo antes de optar por se inscrever na Junta comercial, já ostenta status de regularidade.
5. Especificamente quanto à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, para o empresário comum, o art. 967 do Código Civil determina a obrigatoriedade da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Será irregular, assim, o exercício profissional da atividade econômica, sem a observância de exigência legal afeta à inscrição. Por consequência, para o empresário comum, o prazo mínimo de 2 (dois) anos deve ser contado, necessariamente, da consecução do registro. Diversamente, o empresário rural exerce profissional e regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Mesmo antes de proceder ao registro, atua em absoluta conformidade com a lei, na medida em que a inscrição, ao empresário rural, apresenta-se como faculdade - de se submeter ao regime jurídico empresarial.
6. Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
7. Recurso especial provido
(REsp 1.811.953/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 6/10/2020, DJe 15/10/2020)
RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EFETUADO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL QUE EXERCE PROFISSIONALMENTE A ATIVIDADE AGRÍCOLA ORGANIZADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS, ENCONTRANDO-SE, PORÉM, INSCRITO HÁ MENOS DE DOIS ANOS NA JUNTA COMERCIAL. DEFERIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 48 DA LRF. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Controverte-se no presente recurso especial acerca da aplicabilidade do requisito temporal de 2 (dois) anos de exercício regular da atividade empresarial, estabelecido no art. 48 da Lei n. 11.101/2005, para fins de deferimento do processamento da recuperação judicial requerido por empresário individual rural que exerce profissionalmente a atividade agrícola organizada há mais de 2 (dois) anos, encontrando-se, porém, inscrito há menos de 2 (dois) anos na Junta Comercial.
2. Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio. Insere-se na ressalva legal, portanto, o exercente de atividade econômica rural, o qual possui a faculdade, o direito subjetivo de se submeter, ou não, ao regime jurídico empresarial.
3. A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua
caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial.
Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
3.1 Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).
3.2 A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro. Exercida a faculdade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, o empresário rural, por deliberação própria e voluntária, passa a se submeter ao regime jurídico empresarial.
4. A finalidade do registro para o empresário rural, difere, claramente, daquela emanada da inscrição para o empresário comum.
Para o empresário comum, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que tem condão de declarar a qualidade jurídica de empresário, apresenta-se obrigatória e se destina a conferir-lhe status de regularidade. De modo diverso, para o empresário rural, a inscrição, que também se reveste de natureza declaratória, constitui mera faculdade e tem por escopo precípuo submeter o empresário, segundo a sua vontade, ao regime jurídico empresarial.
4.1 O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
4.2 A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou. Portanto, a situação jurídica do empresário rural, mesmo antes de optar por se inscrever na Junta comercial, já ostenta status de regularidade.
5. Especificamente quanto à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, para o empresário comum, o art. 967 do Código Civil determina a obrigatoriedade da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Será irregular, assim, o exercício profissional da atividade econômica, sem a observância de exigência legal afeta à inscrição. Por consequência, para o empresário comum, o prazo mínimo de 2 (dois) anos deve ser contado, necessariamente, da consecução do registro. Diversamente, o empresário rural exerce profissional e regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Mesmo antes de proceder ao registro, atua em absoluta conformidade com a lei, na medida em que a inscrição, ao empresário rural, apresenta-se como faculdade - de se submeter ao regime jurídico empresarial.
6. Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial,
como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1.876.697/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 6/10/2020, DJe 22/10/2020)
DARCY e DARCY FILHO pleitearam também a aplicação da Lei nº 14.112/2020 com o objetivo de obter a dispensa da sua inscrição prévia na Junta Comercial por dois anos, bastando o exercício da atividade empresarial para o fim de se submeter ao regime da Lei nº 11.101/2005.
O TJMT, por sua vez, não efetuou o exame da matéria à luz do diploma indicado, nem mesmo indireta ou implicitamente, limitando-se a julgar o mérito sob o enfoque da legislação antes das mudanças por ele operadas.
Portanto, o objeto da presente irresignação carece do devido prequestionamento, trazendo à incidência o teor das Súmulas nºs 282 e 356 do STF e 211 do STJ.
Nessas condições, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nesta extensão, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para afastar a exigência de prévia inscrição de DARCY e DARCY FILHO na respectiva Junta Comercial com dois anos de antecedência da formulação do pedido recuperacional.
Por oportuno, previno as partes de que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar condenação às penalidades fixadas nos arts. 1.021, § 4º, ou 1.026, § 2º, ambos do NCPC.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 17 de setembro de 2021.
Ministro MOURA RIBEIRO
Relator