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- 2º Grau
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Decisão Monocrática
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1872606 - TO (2021/0105778-1)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
AGRAVANTE : EXITO FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA
ADVOGADOS : JOÃO GASPAR PINHEIRO DE SOUSA - TO000041A HAINER MAIA PINHEIRO - TO002929 HAVANE MAIA PINHEIRO - TO002123
AGRAVADO : IRON CARLOS BARCELOS BORGES
ADVOGADO : GERVANIO BARROS GOMES - TO005896
DECISÃO
Trata-se de agravo em face da admissibilidade negativa de recurso especial
visando à reforma de acórdão assim ementado (fls. 171/172):
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. COBRANÇA DE CHEQUES EM QUE O APELANTE FIGURA COMO AVALISTA/ENDOSSANTE. CHEQUES EMITIDOS POR TERCEIRO, DEVOLVIDOS POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. OPERAÇÃO DE FACTORING. RISCO INERENTE À PRÓPRIA ATIVIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO FATURIZADO, CEDENTE DOS CHEQUES. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PROVIDO.
1. Na definição da doutrinadora Maria Helena Diniz, “o contrato de faturização de fomento mercantil ou factoring é aquele em que um comerciante (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos”.
2. Com efeito, o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, somente, se admitindo sua integração na lide em casos de vícios relacionados à própria existência dos títulos cedidos.
3. A responsabilidade do faturizado (cedente dos cheques), em relação ao faturizador (cessionário/receptor dos cheques), quanto aos títulos cedidos por contrato de factoring, é admissível, quando houver vício na própria existência do crédito cedido, mas não existe na hipótese de simples inadimplemento do terceiro devedor, como no caso em vertente, uma vez que a solvência do terceiro devedor constitui o risco assumido pelo faturizador, porque o faturizado responde, apenas e tão-somente, pela existência do crédito.
4. Em face da assunção dos riscos pelo factor, tem-se entendido que o endosso só e é válido para o efeito de transferência dos créditos, não dando direito de regresso ao faturizador contra o faturizado, em caso de insucesso da cobrança do crédito.
5. Recurso conhecido e provido.
Opostos embargos de declaração, esses foram rejeitados às fls. 223/226.
No recurso especial, interposto com fulcro na Constituição Federal, art. 105,
inciso III, alíneas “a” e “c”, Êxito Factoring Fomento Mercantil Ltda. aponta violação aos
artigos 29 e 31 da Lei de Cheques e 899, § 2º, do Código Civil, sustentando que "restou
demonstrado nos autos que o recorrido nem sequer participou da relação de fomento
mercantil, ele não poderia apresentar defesa que, em tese, só poderia ser alegada e se
aproveitaria ao próprio faturizado, assim, em verdade, cabe sempre repetir, incabível a
defesa apresentada por ele, em decorrência da autonomia do aval" (fl. 253).
Invoca divergência com o REsp 1.305.637 (Terceira Turma, Rel. Ministra
Nancy Andrighi, DJe de 2.10.2013).
Iron Carlos Barcelos Borges apresenta contrarrazões às fls. 280/292.
O recurso especial não foi admitido na origem por força da ausência de
prequestionamento das normas legais e adequação ao entendimento desta Corte, nos
termos das Súmulas 282/STF e 83/STJ, motivação que foi suficientemente combatida
na peça de fls. 321/331, razão por que considero superado o limite do conhecimento.
Assim delimitada a controvérsia, passo a decidir.
O recurso, contudo, não merece prosperar.
Ao solucionar a controvérsia, o Tribunal de origem assim dispôs (fls.
159/165):
O cerne da questão é verificar a legitimidade do apelante para figurar no polo passivo da execução de título extrajudicial, que foi movida contra si e outros pela empresa apelada, objetivando a exequente/apelada receber crédito de R$ 52.971,00 (cinquenta e dois mil, novecentos e setenta e um reais), representado pelos cheques emitidos pela empresa LiderPlast Indústria e Comércio de Plásticos Ltda., onde o apelante figurou como endossante (evento 1, INIC1, INIC2, INIC3 e INIC4, dos autos da Execução de Título Extrajudicial n.º 5001974-59.2011.827.2722).
Com efeito, segundo a Lei dos Cheques (Lei 7.357/85; art. 21), “salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento.”
Todavia, inobstante a situação em tela trazer cobrança de cheques pelo fato do apelante ter figurado como avalista/endossante dos títulos executados, o presente caso traz uma particularidade, que diz respeito à operação de factoring realizada entre as partes.
No caso dos autos, vislumbra-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes e que gerou o valor cobrado lastreia-se em contrato de factoring.
(...)
É certo que as relações jurídicas decorrentes do factoring apresentam caráter contratual e não cambial e, em consequência disso, aos créditos consubstanciados em um título e transferidos por endosso em decorrência desse contrato, são aplicáveis as disposições relativas às cessões de créditos (arts. 286 a 298 do CC/2002), dentre elas, a do art. 294 4 , do CC/2002.
Nesta esteira, tem-se que o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, somente, se admitindo sua integração na lide em casos de vícios
relacionados à própria existência dos títulos cedidos.
Deste modo, tem-se a inadimplência e insolvabilidade do devedor dos títulos faturizados como risco inerente à atividade empresária desenvolvida pela faturizadora.
(...)
Neste contexto, tem-se que o contrato de factoring é modalidade de faturização em que a empresa faturizadora adianta o valor dos títulos ao faturizado, descontando determinada quantia pactuada, que corresponde à remuneração ou lucro da atividade prestada ao faturizado. Com o adiantamento do valor dos títulos, o factor passa a ser o titular dos títulos faturizados, encarregando-se de cobrar a dívida na data do vencimento e assumindo o risco integral pela inadimplência dos devedores.
A garantia do faturizado, cedente do crédito, é a isenção de qualquer responsabilidade pelo pagamento dos créditos cedidos, pela solvência e pontualidade do devedor, transmitindo todo o risco do recebimento ao faturizador. Trata-se, então, de risco da atividade empresarial, arcando o faturizador com as suas consequências. Destarte, por se tratar de risco da atividade empresária da faturizadora, no contrato de factoring, não há direito de regresso do factor contra o faturizado que cede os títulos para futura cobrança (salvo o caso de vício do título). Neste sentido, é a jurisprudência do STJ, senão vejamos:
COMERCIAL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA E CONTRATO DE FACTORING. INADIMPLÊNCIA DO ADQUIRENTE DA MERCADORIA. RECOMPRA. RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA . QUESTÃO FÁTICA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. O risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos (precedentes), hipótese que, segundo a recorrente, estaria prevista em cláusula contratual . 2. No caso concreto, apesar de a exequente, faturizadora, ter alegado a responsabilidade da faturizada pelo inadimplemento do adquirente das mercadorias. Devolução de produtos impróprios para o consumo, os acórdãos da apelação e dos aclaratórios não apreciaram tal questão fática, deixando a recorrente de veicular no Recurso Especial violação do art. 535 do CPC. Tais circunstâncias tornam inviável o exame, em Recurso Especial, da prova dos autos, com o propósito de acolher o pedido recursal de prosseguimento da execução, incidindo o óbice do Enunciado N. 7 da Súmula do STJ. 3. Recurso Especial desprovido. (STJ; REsp 1.163.201; Proc. 2009/0199454-8; PE; Quarta Turma; Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira; DJE 24/03/2015) – Grifei.
Portanto, vislumbra-se que a responsabilidade do faturizado (cedente dos cheques), em relação ao faturizador (cessionário/receptor dos cheques), quanto aos títulos cedidos por contrato de factoring, é admissível, quando houver vício na própria existência do crédito cedido, mas não existe na hipótese de simples inadimplemento do terceiro devedor, como no caso em vertente, uma vez que a solvência do terceiro devedor constitui o risco assumido pelo faturizador, porque o faturizado responde, apenas e tão-somente, pela existência do crédito.
Dessume-se assim que o faturizador assume, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente (faturizado) uma comissão. Entender o contrário importaria em subverter a razão ontológica do negócio, e até mesmo a boa-fé, já que o comportamento da faturizadora - ao exigir o adimplemento do crédito em face do faturizado - implicaria em patente venire
contra factum proprium, eis que o pagamento da comissão, em valor inferior ao consignado no título (deságio), é justificado exatamente pela assunção do risco de inadimplemento, a qual a empresa de factoring se submete.
Portanto, em face da assunção dos riscos pelo factor, tem-se entendido que o endosso só é válido para o efeito de transferência dos créditos, não dando direito de regresso ao faturizador contra o faturizado, em caso de insucesso da cobrança do crédito.
(...)
Diante dessas considerações, forçoso reconhecer a ilegitimidade do apelante para compor o polo passivo da demanda executiva, uma vez que ali figura como coexecutado por ter atuado nos cheques cobrados como endossante, cedidos à empresa apelada, em decorrência de operação de factoring.
Por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, ainda foi
acrescentado (fls. 224/226):
O embargante alega que o voto condutor do acórdão foi omisso, haja vista que não teria se manifestado quanto a suposta impossibilidade de o apelante, ora embargado, invocar defesa pessoal própria de quem participou da relação de fomento mercantil.
Pois bem.
Analisando com acuidade o voto embargado, nota-se que a matéria recursal foi amplamente discutida e devidamente fundamentada a decisão ad quem, tendo este Tribunal, por unanimidade, entendido que o apelante/embargado era parte ilegítima para figurar no polo passivo da execução de título extrajudicial contra ele movida pela embargante.
E sendo assim, o voto ad quem foi claro e expresso ao esclarecer que, não obstante o embargado/apelante tenha endossado os cheques executados, a relação travada para com a empresa embargante foi de factoring, particularidade que afasta a aplicação da responsabilidade do endossante em garantir o pagamento do título.
Importa transcrever trecho do voto esclarecedor:
“É certo que as relações jurídicas decorrentes do factoring apresentam caráter contratual e não cambial e, em consequência disso, aos créditos consubstanciados em um título e transferidos por endosso em decorrência desse contrato são aplicáveis as disposições relativas às cessões de créditos (arts. 286 a 298 do CC/2002), dentre elas, a do art. 294 do CC/2002. Nesta esteira, tem-se que o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, somente, se admitindo sua integração na lide em casos de vícios relacionados à própria existência dos títulos cedidos.”
Note-se assim, que houve pronunciamento fundamentado da matéria, não havendo omissão a ser sanada.
Para esclarecer, a relação jurídica estabelecida entre as partes, consubstanciada em contrato de factoring, retirou do embargado a obrigatoriedade pela satisfação do crédito estampado nas cártulas, pois a operação é regida pelos dispositivos legais concernentes à cessão de crédito, e não pelos dispositivos legais próprios do cheque, como pretende a empresa embargante .
Por esse motivo é que se reconheceu a ilegitimidade passiva ad causam do embargado. A operação de factoring limita a responsabilidade pelo
pagamento da cártula ao emitente do cheque, ou seja, à empresa Liderplast Indústria C P L EPP . (sem destaques no original)
Como se vê, a norma dos artigos 29 e 31 da Lei de Cheques e 899, § 2º, do
Código Civil, não foi objeto de apreciação perante o órgão julgador e, não obstante o
recorrente tenha oposto embargos de declaração, não apontou violação ao art. 1.022
do Código de Processo Civil/2015 no recurso especial, o que atrai a incidência da
Súmula 211/STJ, diante da falta de prequestionamento.
Essa deficiência, como notório, de estende à divergência jurisprudencial, que
se assenta nesses normativos.
Ademais, incide na espécie o óbice das Súmulas 83/STJ, porquanto o
Tribunal de origem decidiu em consonância com a jurisprudência do STJ, e também a
Súmula 7/STJ, visto que a modificação do acórdão recorrido demanda o reexame de
fatos e provas. A propósito:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE EMBARGADA.
1. É inviável a análise de teses não deduzidas no apelo extremo, alegadas apenas em agravo interno, por se caracterizar inovação recursal, rechaçada por este Tribunal Superior. Precedentes.
2. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do tribunal de origem, que reconheceu provado o fato constitutivo do autor relativamente à ausência de autonomia e a inexigibilidade das notas promissórias, seria imprescindível promover a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada a esta Corte Superior ante o óbice da Súmula 7/STJ.
3. A jurisprudência do STJ fixou o entendimento de que a natureza do contrato de factoring imputa ao faturizador a assunção dos riscos de inadimplemento dos títulos negociados, não se admitindo a pactuação de garantias pro solvendo ou de cláusulas que garantam ação de "regresso" contra o faturizado.
3.1 A emissão de notas promissórias como instrumento de garantia pro solvendo em contrato de factoring torna esses títulos inexigíveis em face do devedor principal e do avalista, pois objetiva desvirtuar a natureza do contrato de faturização, no qual o faturizador deve assumir os riscos pela inadimplência dos títulos contratados .
4. O relator, no âmbito do STJ, está autorizado a conferir ou a negar provimento a recursos monocraticamente, se houver jurisprudência pacificada a respeito da controvérsia em juízo. Inteligência do art. 932 do NCPC e da Súmula n. 568/STJ.
5. A revisão do valor dos honorários de sucumbência, em sede de recurso especial, é medida excepcional, sendo possível apenas em casos de manifesto excesso ou de valor nitidamente irrisório, situação não verificada nos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
6. Agravo interno desprovido. (sem negrito no original)
(Quarta Turma, AgInt no AREsp 862.232/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, unânime, DJe de 6.9.2019)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO.
NOTA PROMISSÓRIA. AVAL. CONTRATO DE FACTORING. CLÁUSULA DE REGRESSO. NULIDADE.
1. São nulas as disposições contratuais no sentido de estabelecer garantia em favor da empresa de factoring acerca do adimplemento dos título cedidos pela faturizada. Precedentes. Súmula 83/STJ.
2. "A emissão de notas promissórias como instrumento de garantia pro solvendo em contrato de factoring torna esses títulos inexigíveis em face do devedor principal e do avalista , pois objetiva desvituar a natureza do contrato de faturização, no qual o faturizador deve assumir os riscos pela inadimplência dos títulos contratados" (AgInt no AREsp 862.232/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2019, DJe 06/09/2019).
3. Agravo interno não provido. (grifei)
(Quarta Turma, AgInt nos EDcl no REsp 1.761.098/CE, Rel. Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, unânime, DJe de 10.3.2020)
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE FACTORING. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA ORIGEM. RECONHECIMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. AFASTAMENTO. 2. CLÁUSULA QUE ESTABELECE A RESPONSABILIZAÇÃO DA FATURIZADA, NÃO APENAS PELA EXISTÊNCIA, MAS TAMBÉM PELA SOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS À FATURIZADORA, INCLUSIVE COM A EMISSÃO DE NOTAS PROMISSÓRIAS DESTINADAS A GARANTIR TAL OPERAÇÃO, A PRETEXTO DE ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E APLICAÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. VULNERAÇÃO DA PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO DE FACTORING. RECONHECIMENTO 3. AVAL APOSTO NAS NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS PARA GARANTIR A INSOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS EM OPERAÇÃO DE FACTORING. INSUBSISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 899, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O aresto recorrido, coerente com o entendimento adotado, com suficiente fundamentação, não padece do vício de julgamento apontado. No entanto, não se pode deixar de reconhecer a absoluta pertinência da oposição dos embargos de declaração, para que a parte sucumbente, sobretudo em virtude da reforma da sentença de procedência, obtivesse, na origem, a efetiva deliberação judicial acerca de matéria relevante, a fim de autorizar seu questionamento perante esta Corte Superior. Afastamento da multa imposta.
2. O contrato de factoring não se subsume a uma simples cessão de crédito, contendo, em si, ainda, os serviços prestados pela faturizadora de gestão de créditos e de assunção dos riscos advindos da compra dos créditos da empresa faturizada. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame.
2.1 A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil – in verbis: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor" – não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring.
3. Ratificação do posicionamento prevalecente no âmbito desta Corte de Justiça,
segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora. Remanesce, contudo, a responsabilidade da faturizadora pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Divergência jurisprudencial afastada.
4. A obrigação assumida pelo avalista, responsabilizando-se solidariamente pela obrigação contida no título de crédito é, em regra , autônoma e independente daquela atribuída ao devedor principal. O avalista equipara-se ao avalizado, em obrigações. Sem descurar da autonomia da obrigação do avalista, assim estabelecida por lei, com relevante repercussão nas hipóteses em que há circulação do título, deve-se assegurar ao avalista a possibilidade de opor-se à cobrança, com esteio nos vícios que inquinam a própria relação originária (engendrada entre credor e o avalizado), quando, não havendo circulação do título, o próprio credor, imbuído de má-fé, é o responsável pela extinção, pela nulidade ou pela inexistência da obrigação do avalizado.
4.1 É de se reconhecer, para a hipótese retratada nos presentes autos, em que não há circulação do título, a insubsistência do aval aposto nas notas promissórias emitidas para garantir a insolvência dos créditos cedidos em operação de factoring. Afinal, em atenção à impossibilidade de a faturizada/cedente responder pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nula a disposição contratual nesse sentido, a comprometer a própria existência de eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, o aval ali inserido torna-se, de igual modo, insubsistente .
4.2 Esta conclusão, a um só tempo, obsta o enriquecimento indevido por parte da faturizadora, que sabe ou deveria saber não ser possível transferir o risco da operação de factoring que lhe pertence com exclusividade, e não compromete direitos de terceiros, já que não houve circulação dos títulos em comento.
5. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa imposta na origem. (negrito acrescentado)
(Terceira Turma, REsp 1.711.412/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, unânime, DJe de 10.5.2021)
Em face do exposto, nego provimento ao agravo.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro em 10% (dez por cento) a
quantia já arbitrada a título de honorários em favor da parte recorrida (fls. 77 e 165),
totalizando 16,5% (dezesseis vírgula cinco por cento).
Intimem-se.
Brasília, 25 de outubro de 2021.
MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora