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- 2º Grau
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Decisão Monocrática
HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 4959 - EX (2021/0047818-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
REQUERENTE : J DOS S C - POR SI E REPRESENTANDO
REQUERENTE : J E S C
ADVOGADOS : BRUNO MARTINS SANTOS - SP427410 LUAN HADI MASSUD KADRI - SP435514
REQUERIDO : H A M C
ADVOGADO : VALÉRIA CARLA SILVA - MG114638
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO, GUARDA E ALIMENTOS. HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA PROFERIDA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. POSTERIOR AJUIZAMENTO DA MESMA AÇÃO, PELO CÔNJUGE VARÃO, NO BRASIL. ALIMENTOS FIXADOS EM VALOR NO BRASIL EM RELAÇÃO À SENTENÇA ESTRANGEIRA. PREVALÊNCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA, NA HIPÓTESE. FORTES INDÍCIOS DE MÁ-FÉ DO CÔNJUGE VARÃO NO AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO BRASIL. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO À HOMOLOGAÇÃO. ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR
1- O propósito da presente ação é obter a homologação de decisão proferida pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos que decretou o divórcio, fixou a guarda e os alimentos devidos à prole.
2- Como regra, a superveniência de decisão proferida pelo Poder Judiciário do Brasil sobre tema que também fora examinado na sentença estrangeira é causa de improcedência da ação de homologação da sentença estrangeira.
3- Esse entendimento, contudo, não pode ser inflexível, especialmente nas hipóteses em que há fortes indícios de má-fé de uma das partes no ajuizamento posterior da mesma ação no Brasil, pouco tempo após o trânsito em julgado da primeira, sem indicar o endereço da parte adversa, sem informar ao juízo a préexistência da decisão estrangeira e sem apresentar motivo plausível para não ter requerido a homologação da decisão estrangeira no Brasil.
4- Pedido de homologação de decisão estrangeira julgado procedente.
DECISÃO
Cuida-se de ação de homologação de decisão estrangeira ajuizada por J DOS S
C e J E S C, em que se pretende homologar a sentença homologatória de acordo
proferida pela Turma Especializada de Família da Corte de Nova Jersei, Condado de
Monmouth, Estados Unidos da América.
Ajuizamento em: 19/02/2021.
Atribuída à Relatora em: 13/05/2021.
Ação: ajuizada por J DOS S C e J E S C, em que se pretende a homologação de sentença estrangeira proferida pela Corte de Nova Jersei, Estados Unidos da América, por meio do qual houve a separação do casal, a fixação da guarda compartilhada da filha havida no casamento (com custódia física da genitora) e a fixação do pensionamento mensal de 600 dólares à criança (fls. 50/75, e-STJ).
Contestação: alega o requerido, em síntese, que, após a dissolução do vínculo conjugal, retornou ao Brasil e, diante da impossibilidade de requerer a homologação da sentença estrangeira, ajuizou nova ação de divórcio, cumulada com guarda e alimentos, na qual as requerentes foram citadas por edital, que foi julgada procedente em 2014, motivo pelo qual a ação de homologação de decisão estrangeira deveria ser julgada improcedente. (fls. 221/227, e-STJ).
Réplica: rebate os argumentos lançados na contestação, destacando, em especial, que a decisão estrangeira que se pretende homologar transitou em julgado antes da sentença proferida no Brasil, razão pela qual não há óbice à homologação (fls. 247/248, e-STJ).
Parecer do Ministério Público Federal: opina pela procedência do pedido de homologação (fls. 260/262, e-STJ).
Relatados os fatos, decide-se.
01) De início, sabendo-se que esta Corte exerce juízo meramente delibatório nas hipóteses de homologação de decisão estrangeira, cabe apenas verificar se a pretensão atende aos requisitos previstos nos arts. 963 do CPC/15 e 216-C, 216-D e 216-F, todos do RISTJ.
02) Nesse sentido, verifica-se que a sentença que se pretende homologar foi proferida por autoridade competente para decretar o divórcio, fixar a guarda e o valor dos alimentos, bem como transitou em julgado na origem.
03) De outro lado, os documentos essenciais à compreensão da controvérsia foram devidamente vertidos para a língua portuguesa por tradutor juramentado e, dada a efetiva participação do requerido no processo em que proferida a decisão a ser
homologada, sequer se faz necessário examinar questões relacionadas a citação e revelia.
04) Finalmente, nada há no conteúdo da sentença estrangeira que represente ofensa à dignidade da pessoa humana.
05) O único óbice à homologação apontado pelo requerido diz respeito à alegada ofensa à ordem pública e à soberania nacional, uma vez que há sentença proferida no Brasil disciplinando, de maneira distinta, os valores dos alimentos devidos à filha.
06) A esse respeito, anote-se que há precedente desta Corte no sentido de que "a superveniência de decisão proferida pelo Poder Judiciário do Brasil sobre tema que também fora examinado na sentença estrangeira é causa de improcedência da ação de homologação da sentença estrangeira, quer seja porque as sentenças relacionadas à guarda de menores ou à alimentos não transitam em julgado propriamente ditas, havendo a presunção de que a decisão mais recente é aquela que retrata mais fielmente a situação atual do menor e o seu melhor interesse, quer seja porque relegar a solução da controvérsia somente para o momento da execução geraria severas incompatibilidades procedimentais quanto a competência, a disparidade de fases processuais e a reunião e conexão de processos" (HDE 1.396/EX, Corte Especial, DJe 26/09/2019).
07) Entretanto, há, na hipótese, particularidades que tornam inaplicável o referido precedente, especialmente o fato de que o requerido, aparentemente sem nenhuma modificação das circunstâncias fáticas que justificaram a fixação dos alimentos no patamar definido pela sentença estrangeira, ajuizou, pouco tempo após o trânsito em julgado da ação na origem, nova ação em território nacional, com o aparente propósito de buscar a redução, por via transversa, da obrigação alimentar fixada na sentença estrangeira.
08) Anote-se, quanto ao ponto, que não havia, em princípio, nenhum óbice à homologação da sentença estrangeira pelo próprio requerido e, ainda que fosse a ele inviável o pedido de homologação, não haveria razão, senão a má-fé, para ajuizar a ação de divórcio cumulada com guarda e fixação de alimentos que havia sido recentemente fixada pela sentença estrangeira.
09) Causa estranheza, ademais, o fato de que a petição inicial dessa ação aforada em território brasileiro (fls. 197/203, e-STJ) indica que as requerentes estariam
em lugar incerto e não sabido (o que não se apresenta verossímil) e não informa a préexistência da decisão estrangeira disciplinando as mesmas questões, o que se impunha, na hipótese, como corolário da boa-fé objetiva e como forma de alertar o juízo acerca da necessidade de melhor investigação acerca do valor dos alimentos devidos à filha e, até mesmo, de maior diligência em busca de ambas para que fossem adequadamente citadas.
10) Daí porque, na hipótese, aplica-se o entendimento segundo o qual "eventual concorrência entre sentença proferida pelo Judiciário brasileiro e a sentença estrangeira homologada pelo STJ, sobre a mesma questão, deve ser resolvida pela prevalência da que transitar em julgado em primeiro lugar", o que, na hipótese, socorre às requerentes, inclusive de modo a adequadamente tutelar os melhores interesses da criança.
11) Forte nessas razões, julgo PROCEDENTE o pedido de homologação da sentença estrangeira, condenando o requerido ao pagamento de honorários no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 12 de novembro de 2021.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora