27 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA: CC 184057 SP 2021/0353057-9 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 184057 - SP (2021/0353057-9)
RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT)
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA DE ALTINÓPOLIS - SP
SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL E EXECUÇÃO
PENAL DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO - MG
INTERES. : MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A
ADVOGADO : JAIR CANALLE - RS069380
INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA
EMENTA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECEPTAÇÃO DE VEÍCULO
AUTOMOTOR. AUTORIA DO ROUBO DESCONHECIDA. CONEXÃO
INEXISTENTE. PREVENÇÃO. COMPETÊNCIA DOJUÍZO SUSCITADO.
DECISÃO
O retrospecto restou bem delineado no parecer exarado pelo
Ministério Público Federal , verbis (fls. 89 - 95):
"1. Trata-se de conflito de competência suscitado pelo Juízo de Direito da
Vara Única de Altinópolis – SP em face do Juízo de Direito da Vara Criminal e
Execução Penal de São Sebastião do Paraíso – MG.
2. Consta dos autos que, em 02/12/2009, na Comarca de Franca/SP, foi
registrada a ocorrência de furto do veículo Fiat Palio (fls. 20/22). Em15/07/2011, na
Comarca de Altinópolis/SP, foi registrada nova ocorrência referente ao mesmo
automóvel, por adulteração de sinal identificador de veículo automotor, uma vez que,
segundo a narrativa do Boletim nº 566/2011, verbis:
“Consta que a Autoridade Policial recebeu o Oficio n° 234/2011, datado
de18.05.2011, oriundo da 15ª Ciretran de Ribeirão Preto, solicitando diligências junto a
esta circunscrição policial com o escopo de localizar e apreender o veículo Fiat Palio
Fire Flex placas DRX-9773, pois havia indício de que se tratava de um veículo produto
de crime (CLONE), e que em 31.03.2011 foi expedido o licenciamento anual do referido
veículo pela 221ª Ciretran de Altinópolis. Diligências foram realizadas nesta repartição
de trânsito e apurou-se que o Despachante Avenida foi quem providenciou o pedido de
licenciamento e que retirou o documento em data de 01.04.2011. Apurou-se que o
Despachante Avenida, através de Hugo de Assis Castro, teria realizado o procedimento
administrativo a pedido de um Despachante de São Sebastião do Paraíso-MG, cujo
veiculo seria de Jonas Paim Freire. Na mesma data, no período da tarde, a Autoridade Policial diligenciou juntamente com o Agente Policial Renato Theodoro naquela cidade mineira, onde Jonas, residente na Rua Virgílio Zanin, 190, Jardim São José, S. S. Paraíso-MG, foi localizado e informou que apenas dirigia o veículo por alguns dias, mas que ele pertencia à pessoa de Fabiano, que seria seu motorista e residia na Mário do Prado Queiroz, 55, Santa Tereza, naquela urbe, o qual não se encontrava na cidade, pois estava em viagem para o Estado de Pernambuco. Jonas, após efetuar uma ligação telefônica para Fabiano, levou a Autoridade Policial até o posto Coolapa, aonde o veículo estacionado no pátio, procedendo-se então a sua apreensão e recolhimento junto ao pátio Ton Car Guinchos eno dia 03/06/11 removido para o pátio desta Unidade Policial. O veículo encontra-se com o motor de n° 178E9011*6247655* e chassi 9BD17164G85060354. Tal veículo é supostamente adulterado tendo emvista o registro do RDO 708/11 da circunscrição policial de Jardinópolis, onde a Sra. Joelma Menezes Fernandes comunica a adulteração de sinal identificador de seu veículo pois estaria recebendo multas de trânsito que não cometera. Entrado em contato com ela, informou que ainda estava em poder do veículo. Solicitado Carta Laudo junto à fabricante do veículo, FIAT, para exame metalográfico nos veículos (...)” (fls. 23/24).
3. Realizado exame pericial e constatada a adulteração (fls. 26/32), o Juízo da Vara Única da Comarca de Altinópolis/SP declinou da competência para a Vara Criminal de São Sebastião do Paraíso/MG (fls. 79/82). Recebido oinquérito, os autos foram remetidos à Delegacia daquela Comarca, paraprosseguimento das investigações, em 21/08/2012 (fls. 37).
4. Em agosto de 2020, Mapfre Seguros Gerais S. A. apresentou pedidode restituição do bem apreendido perante o Juízo da Vara Criminal de SãoSebastião do Paraíso/MG (fls. 08/10), distribuído por dependência ao inquéritoreferenciado (nº 0647.12.008610-1). Após diligências para localização doinquérito, a autoridade policial noticiou o extravio dos autos (fls. 49/52).
5. O Juízo da Vara Criminal de São Sebastião do Paraíso/MGdeterminou a restauração do inquérito policial extraviado, bem como declinoude sua competência, argumentando que “(...) Verificando os autos, foi instauradoinquérito policial nesta comarca apenas para apuração de delito de receptação, conformeprint de fl. 28. Ademais, conforme consta de fls. 13 o veículo foi apreendido devido a umdelito de furto na cidade de Franca/SP, sendo que se encontra recolhido na cidade deAltinópolis/SP, conforme consta de fls. 17. Assim, entendo ser impossível a análise do pedido uma vez que este juízo não possui competência para sua análise. Ante o exposto,declino da competência e determino a remessa dos presentes autos ao juízo de Altinópolis (...)” (fls. 62).
6. Por sua vez, o Juízo Suscitante declarou-se incompetente, sob o fundamento de que “(...) de acordo com a regra estampada no art. 70 do Código de Processo Penal, ‘a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução’, de sorte que, s. m. j., além de processar e julgar o inquérito com o fim de apurar aprática delitiva, competiria também ao Juízo da comarca de São Sebastião do Paraíso/MG analisar os pedidos incidentais, inclusive o de restituição do veículo apreendido. E o fatídico extravio dos autos de inquérito policial, aliado ao local e condições da
apreensão do bem, não podem servir de motivação para a alternância da regra de competência, até mesmoporque desprovida de qualquer precedente legal ou normativo. Bastaria providenciar a restauração dos autos principais e, a partir dai, analisar o pedido da postulante Mapfre (...)”, suscitando, assim, o presente conflito de competência (fls. 04/06)."
À fl. 97, foi proferido despacho solicitando cópia de documentação para melhor exame da questão, o qual foi atendido às fls. 100-106.
O Ministério Público Federal opinou no sentido de conhecer o conflito
para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso – MG , o suscitado, conforme a seguinte ementa (fls. 89 -95 e 109 - 111):
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. RECEPTAÇÃO. ART. 180, CAPUT, DO CP. APARELHOS CELULARES OBJETO DE ROUBO. AUTORIA DOROUBO DESCONHECIDA. CONEXÃO INEXISTENTE.PREVENÇÃO. JUÍZO SUSCITANTE.
- “Desconhecida a autoria do crime de roubo ou furto, não há que se falar em conexão com o delito de receptação. Assim, o conflito deve ser solucionado pela prevenção, levando-se em conta o local onde primeiro se conheceu dos fatos relacionados à receptação”. (CC 118.068/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 16/10/2014).
- Parecer pelo conhecimento do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da Central de Inquéritos de Teresina/PI (suscitante)."
É o relatório.
Decido.
O conflito de competência ocorre quando duas ou mais autoridades se julgam competentes (positivo), incompetentes (negativo), ou quando houver divergência
sobre a junção de processos, nos termos do artigo 114 do Código de Processo Penal.
No caso concreto, tem-se conflito negativo existente entre Juízos vinculados a
Tribunais diversos, logo deve ser dirimido por este Superior Tribunal de Justiça , nos
termos do art. 105, inciso I, alínea d , da Constituição Federal.
É incontroverso nos autos, consoante narra o parecer ministerial à fl. 93, a
ausência de qualquer indício de autoria quanto a prática do delito de roubo. Desse modo, o que se tem é um pedido de restituição de automóvel vinculado ao inquérito policial
referente exclusivamente ao cometimento do crime de receptação.
Neste caso, esta Corte tem se orientado pela competência do juízo que primeiro conhecer dos fatos (crime de receptação), no caso, o Juízo de Direito da
Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso – MG , aplicada a regra da prevenção, não havendo que se falar em conexão com o crime de roubo, cuja autoria
ainda não é conhecida.
Confira-se, nesse sentido:
"PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECEPTAÇÃO. ART. 180, CAPUT, DO CP. VEÍCULO OBJETO DE
ROUBO. AUTORIA DO ROUBO/FURTO
DESCONHECIDA. CONEXÃO INEXISTENTE. PREVENÇÃO. JUÍZO SUSCITADO.
1. Desconhecida a autoria do crime de roubo ou furto, não há que se falar em conexão com o delito de receptação. Assim, o conflito deve ser solucionado pela prevenção, levando-se em conta o local onde primeiro se conheceu dos fatos relacionados à receptação.
2. Declarada a competência do juízo suscitado". (CC 118.068/AL, Terceira Seção , Rel. Min. Nefi Cordeiro , Dje de 16/10/2014)
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL. FURTO E RECEPTAÇÃO. IGNORADA A AUTORIDADE DO PRIMEIRO. PREVENÇÃO. JUÍZO QUE PRIMEIRO CONHECEU DOS FATOS: UM TERCEIRO JUÍZO. PRECEDENTES ANÁLOGOS.
Ignorada a autoria do furto, o conflito deve ser solucionado, na espécie, pela prevenção, tendo em conta o local onde primeiro se conheceu dos fatos relacionados à receptação. Precedentes análogos. Conflito conhecido declarando-se a competência do Juízo de Direito de Foz do Iguaçu/PR". (CC 41.637/RS, Terceira Seção , Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca , Dje de 30/08/2004)
Nesse sentido transcrevo as razões do parecer ministerial de fls. 89 - 95:
"12. Quanto ao mérito, constata-se do histórico das ocorrências que envolvem o veículo que a seguradora interessada pretende liberar, que consta somente a investigação instaurada para apuração do crime de receptação, perante o Juízo Criminal de São Sebastião do Paraíso/MG (IPL nº0647.12.008610-1), não havendo notícia acerca das providências eventualmente adotadas para apurar o furto inicial,
registrado na Comarca de Franca/SP. No que diz respeito ao Juízo suscitante, extrai-se que houve o declínio da competência em relação ao inquérito que ali tramitava acerca da adulteração de sinal, exatamente aquele que agora é processado perante o Juízo suscitado.
13. Neste contexto, é cediço que a jurisprudência dessa Corte Superior de há muito consolidou o entendimento de que “(...) Desconhecida a autoria do crime de roubo ou furto, não há que se falar em conexão com o delito de receptação. Assim,o conflito deve ser solucionado pela prevenção, levando-se em conta o local ond eprimeiro se conheceu dos fatos relacionados à receptação (...)” (CC 118068/AL, 3ªSeção, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 16/10/2014, g. n.).
14. Diante de tais premissas, o pedido de restituição objeto da presente controvérsia envolve veículo produto de crime e, como se sabe, nos termos da legislação processual penal, sua apreensão deve subsistir enquanto for de interesse da investigação. Com efeito, leciona a melhor doutrina que “(...) segundo o art. 118 do CPP, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. (...) enquanto for útil à persecução penal, não será possível a devolução da coisa apreendida, ainda que tal bem pertença a terceiro de boafé e não seja coisa de posse ilícita (...) segundo o art. 119 do CPP, salvo se pertencerem ao lesado ou a terceiro de boa-fé, não poderá ser restituído, mesmo depois de transitar em julgado a sentença final, o produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato delituoso (CP, art. 91, II,‘b’) (...) interpretando-se a contrario sensu o art. 118 do CPP, conclui-se que as coisa sapreendidas que não mais interessarem ao processo podem ser restituídas ainda durante o urso das investigações, mas desde que não haja dúvida quanto ao direito do interessado.(...)” .
15. Por consequência, a decisão acerca de sua liberação será necessariamente do Juízo condutor da apuração penal, a qual, no momento, somente se dá perante a Vara Criminal de São Sebastião do Paraíso/MG. Aduza-se que o fato de o veículo encontrar-se circunstancialmente localizado na Comarca de Altinópolis/SP, por si só, não tem o condão de fazer atrair acompetência do Juízo local, porquanto trata-se apenas de depositário de bem apreendido que interessa à investigação penal em andamento em outra comarca.
16. Nesse sentido, veja-se:
“PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECEPTAÇÃO. FLAGRANTE OCORRIDO NO ESTADO DA BAHIA. CARGA DE CAMINHÃO ROUBADA NO ESTADO DE MINAS GERAIS. INDIVÍDUOS QUE SUPOSTAMENTE ESCOLTAVAM A MERCADORIA. AUTORIA DO ROUBO DESCONHECIDA. COMPETÊNCIA DO LOCAL ONDE HOUVE O FLAGRANTE DO DELITO DE RECEPTAÇÃO.
1. O presente conflito de competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea d da Constituição Federal – CF.
2. No caso em análise o núcleo da controvérsia consiste em identificar se as investigações encontram-se maduras o suficiente para concluir que os indivíduos flagrados em Vitória da Conquista/BA, quando supostamente realizavam a escolta da
mercadoria roubada, integram organização que praticou o crime de roubo ocorrido em Francisco Sá/MG; ou se, diante do contexto dos autos, há apenas indícios da prática do delito de receptação.
3. ‘Desconhecida a autoria do crime de roubo ou furto, não há que se falar em conexão com o delito de receptação. Assim, o conflito deve ser solucionado pela prevenção, levando-se em conta o local onde primeiro se conheceu dos fatos relacionados à receptação’ (CC 118.068/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 16/10/2014). No mesmo sentido: CC85.950/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJ 27/9/2007.
4. O lapso temporal entre o roubo e o flagrante no traslado da mercadoria, bem como a circunstância de a mercadoria já ter sido deslocada para outro veículo automotor denotam apenas flagrante pelo delito de receptação, sendo necessário prosseguir nas investigações para se afirmar que os investigados tiveram alguma participação no crime de roubo.
5. No atual estágio das investigações não se sabe se os indivíduos flagrados em Vitória da Conquista/BA constituem ramo de organização criminosa que realiza roubos ou se integram associação criminosa independente cujo ramo de atuação é a receptação e deslocamento da mercadoria para outros entes federativos. Diante de tal contexto, à míngua de maiores evidências acerca do nível de envolvimento dos investigados com o roubo, cuja autoria é desconhecida, as investigações devem prosseguir em Vitória da Conquista/BA onde ocorreu o flagrante do crime de receptação. Precedentes: CC165.395/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 1º/7/2019.
6. Ademais, não se pode olvidar que o delito de receptação cuida-se de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo, sendo incontroverso que o flagrante da receptação ocorreu em Vitória da Conquista/BA.
7. Conflito conhecido para reconhecer a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Vitória da Conquista/BA, o suscitante.” (CC 169394/BA,3ª Seção, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 14/09/2020).
Nestes termos, opina-se pelo conhecimento do presente conflito de competência, a fim de que seja reconhecida a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso –MG, ora suscitado."
Ante o exposto, conheço do conflito e dou por competente o Juízo de Direito
da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso – MG , ora Suscitado.
P. e I.
Brasília, 24 de novembro de 2021.
Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)
Relator