17 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX AC 2021/XXXXX-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1963132 - AC (2021/XXXXX-0)
RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
RECORRENTE : ESTADO DO ACRE
PROCURADORES : MAURO ULISSES CARDOSO MODESTO - AC000949
JOAO PAULO APRIGIO DE FIGUEIREDO - AC002410
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ACRE
DECISÃO
Raimundo Nonato Silva dos Santos ajuizou ação de declaração de inexistência
de débito c/c danos morais contra o Estado do Acre, pleiteando, em suma, que não seja
repetido o valor recebido como professor no período que se encontrou recluso. Alega que
recebeu o valor de boa-fé e de caráter alimentar.
A sentença julgou os pedidos improcedentes, condenando o autor a restituir os
valores recebidos indevidamente, com a devida atualização monetária (fls. 250-252).
O Tribunal de Justiça do Estado do Acre reformou parcialmente a sentença,
excluindo o capítulo relativo ao ressarcimento, e declarando a inexistência de débito em
relação aos vencimentos que especificou, nos termos assim ementados (fls. 323-324):
APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRISÃO PREVENTIVA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO. JULGAMENTO ULTRA PETITA. ERRO OPERACIONAL. RESSARCIMENTO.
1. O apelante pugna pela reforma da sentença que julgou improcedente pedido declaratório de inexistência de débito relativo aos vencimentos recebidos durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, além de condená-lo ao respectivo pagamento.
2. Ao julgador é reconhecida a possibilidade de julgar o processo no estado em que se encontra, ou seja, de decidir a causa sem oportunizar réplica, mormente quando a contestação não invoca fato modificativo, extintivo ou modificativo do direito do autor.
3. Impende afastar natureza dúplice à ação declaratória de inexistência de débito, ou seja, a improcedência do pedido declaratório não possui o condão de constituir título executivo em favor do réu, mormente quando ausente reconvenção.
4. Enquanto a errônea interpretação da lei por parte da Administração Pública faz nascer verdadeira presunção de boa-fé em favor do servidor, na hipótese de erro operacional, a ele incumbe demonstrar ter agido com boa-fé objetiva.
5. Afigura-se vedado, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos, compelir o servidor público à redução ou cessação de
vencimentos por força do mandado de prisão preventiva, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal.
6. Por outro lado, o apelante não demonstrou que tenha sido requerido o auxílioreclusão, logo não se pode considerar que a continuidade do pagamento de seus vencimentos tenha constituído expectativa legítima de que ocorria a título desse benefício.
7. O apelante sempre percebeu vencimentos acima do limite fixado no Regime Geral de Previdência Social, ou seja, ainda que tivesse havido requerimento, seus dependentes não fariam jus ao auxílio reclusão.
8. É inviável conceber que o apelante desconhecesse os passos burocráticos para concessão do auxílio-reclusão ou que não possuísse a compreensão de que vencimentos pagos sem contraprestação são indevidos, já que desde 1992 ocupava o cargo de professor, tempo suficiente para familiarização de deveres e direitos deferidos à sua categoria profissional e, de modo geral, aos servidores públicos.
9. Sentença anulada em parte. Recurso parcialmente provido.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 375-383).
Estado do Acre interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a,
da Constituição Federal, alegando a violação dos arts. 322, § 2º, e 492 do CPC/2015
afirmando, em resumo, inexistência de julgamento ultra petita na sentença, bem como o
reconhecimento de reconvenção a partir de uma interpretação lógica-sistemática da
contestação.
Aduziu, ainda, negativa de vigência aos arts. 4º e 515, I, do CPC/2015
sustentando que a sentença declaratória de inexistência de débito tem natureza também
executiva.
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório. Decido.
Não merece acolhimento as razões do recorrente.
A sentença que julga ação de inexistência de débito, entendendo pela
existência da dívida, ao apurar o montante supostamente devido, está apenas apreciando a
causa de pedir por uma interpretação lógica-sistemática, em um desdobramento natural
do reconhecimento da dívida, não incorrendo em julgamento ultra petita. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. APLICAÇÃO DO CDC. EXISTÊNCIA DE ÓBICES SUMULARES AO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. RAZÕES DO INCONFORMISMO ESTÃO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ORA AGRAVADA. SÚMULA 284/STF. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR QUE EFETIVAMENTE UTILIZOU O SERVIÇO.
[...]
4. O aresto atacado encontra-se em sintonia com a compreensão desta Corte de que "não ocorre julgamento ultra petita se o Tribunal local decide questão que é reflexo do pedido na exordial. Além do mais, o pleito inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento da pretensão extraído da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica julgamento extra petita" (AgInt no AREsp 987.196/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 23/10/2017)
[...]
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 503.016/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PIS. COFINS. SETOR AGROPECUÁRIO. REGIME NÃO CUMULATIVO. COOPERATIVA FORNECEDORA DE INSUMOS. RECEITA SOBRE COMERCIALIZAÇÃO. SUSPENSÃO. DIREITO A RESSARCIMENTO OU COMPENSAÇÃO. CARÊNCIA. APURAÇÃO. MÉTODO DE RATEIO PROPORCIONAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
[...]
4. No tocante à alegação de ofensa aos arts. 2º, 128 e 460 do CPC/1973, o Tribunal de origem não incorreu em julgamento ultra ou extra petita, porquanto se verifica que procedeu à interpretação lógico-sistemática do pedido e da causa de pedir, atuando em harmonia com a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
[...]
12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.
(REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 09/11/2021)
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROVEITO ECONÔMICO. ART. 85, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015.
II - Não configura julgamento ultra ou extra petita, com violação ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional exarado nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a partir de toda a petição inicial.
[...]
VI ? Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp XXXXX/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2021, DJe 09/06/2021)
Com efeito, não é necessário pedido de reconvenção da parte recorrida para
que seja reconhecido o valor devido, sem prejuízo de melhor apuração na fase executória.
Isso porque, ainda que a sentença tenha caráter meramente declaratório, é possível a
execução com o intuito de repetição de valores. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. SENTENÇA DECLARATÓRIA DE IMPROCEDÊNCIA. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Na decisão a quo ficou consignado: "No caso em apreço, houve o reconhecimento da dívida, portanto, de pagar quantia. Nada obsta, portanto, que se dê o início ao cumprimento de sentença, com inclusão do débito já declarado exigível, em observância ao
princípio da celeridade e efetividade da prestação jurisdicional."
2. Com efeito, o art. 475-N, I, do CPC contempla todas as espécies de sentenças que sejam proferidas no Processo Civil, de modo a implicitamente afastar a exclusividade da sentença condenatória, antes conferida pelo antigo art. 584, I, para constituir título executivo. Ao que parece, quis deixar claro o legislador que qualquer sentença que reconhecer a existência de uma obrigação exigível - o que certamente inclui a de natureza declaratória (e até constitutiva) - tem eficácia executiva. No mesmo sentido o REsp 1.261.888/RS, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado no DJe 17.11.2011, submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
3. Assim, estando o acórdão recorrido em sintonia com o entendimento do STJ, não merece prosperar a irresignação, incidindo o comando inserto na Súmula 83/STJ, aplicável aos recursos interpostos pelas alíneas a e c do permissivo constitucional.
4. Recurso Especial não conhecido.
(REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 17/10/2017)
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou
provimento ao recurso especial para recuperar o capítulo da sentença que
condenou o recorrido ao ressarcimento de R$ 57.358,18 (cinquenta e sete mil, trezentos e
cinquenta e oito reais e dezoito centavos), e reconhecer-lhe a força de título executivo,
sem prejuízo da melhor aferição do quantum na fase executória.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 26 de novembro de 2021.
MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
Relator