15 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX RS 2021/XXXXX-8 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1962648 - RS (2021/XXXXX-8)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : MASTERFOODS BRASIL ALIMENTOS LTDA
ADVOGADOS : FERNANDO GAVA VERZONI - RS051425 FILIPE SCHERER OLIVEIRA - RS074680 LUCAS TERRES DE OLIVEIRA - RS119916
RECORRIDO : MARARUBIA SIGNOR
RECORRIDO : MARIO CESAR WOLLMEISTER
ADVOGADO : MARGARETH MAROSO SANTOS - RS017150
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DÍVIDA JÁ PAGA. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO DE QUANTIA INDEVIDAMENTE COBRADA FORMULADO EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO. POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ CONFIGURADA. PRECEDENTES.
1. A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor.
2. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de recurso especial interposto por MASTERFOODS BRASIL
ALIMENTOS LTDA, fundamentado no artigo 105, III, "a" e "c" da Constituição
Federal, manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, assim ementado:
APELAÇÕES CÍVEIS. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
I. PREFACIAL DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DOS IMPUGNADOS. NÃO ACOLHIDA. TERMOS DA SENTENÇA SATISFATORIAMENTE ATACADOS.
II. COMPROVADO O DEVIDO PAGAMENTO DOS VALORES BUSCADOS EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, IMPERATIVO O ACOLHIMENTO DA IMPUGNAÇÃO.
III. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ MANTIDA, POIS O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA FOI AJUIZADO APÓS O INTEGRAL PAGAMENTO DO DÉBITO.
IV. CONTUDO, INCABÍVEL A APLICAÇÃO DA SANÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL. PENALIDADE QUE NÃO PODE SER OPONÍVEL POR MEIO DE IMPUGNAÇÃO À FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, POIS DESATENDIDAS AS HIPÓTESES DO ARTIGO 525, §1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ADEMAIS, NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, NÃO ESTAVA CRISTALINO O VALOR DO CRÉDITO.
V. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS, POR EXPRESSA PREVISÃO LEGAL.
NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME.
Nas razões do recurso especial a parte recorrente alega, além de dissídio
jurisprudencial, ofensa ao artigo 940 do CC, sustentando ser possível condenar os
Recorridos, em sede de Impugnação ao Cumprimento de Sentença, a restituírem
em dobro a quantia indevidamente cobrada por eles no Cumprimento de Sentença.
É o relatório.
Passo a decidir.
A pretensão recursal merece prosperar.
Cinge-se a controvérsia em discutir a possibilidade de se aplicar a sanção do
art. 940 do Código Civil - pagamento da repetição do indébito em dobro - em sede
de Impugnação ao Cumprimento de Sentença na hipótese de cobrança indevida de
dívida já paga.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu pela
impossibilidade do pedido, nestes termos:
No que diz respeito ao recurso dos impugnados Mário César Wollmeister e Mara Rubia Signor, em que pese as alegações destes, tenho por bem manter os fundamentos da sentença, uma vez que coaduno da conclusão lançada pelo magistrado de primeiro grau, Luis Clovis Machado da Rocha Junior, pois condiz com o conjunto probatório dos presentes autos.
Assim, colaciono ao meu voto os argumentos daquela motivação - no que couber -e, deste modo, utilizo-os como razões de decidir, até para evitar tautologia:
[...]
DA COBRANÇA POR DÍVIDA JÁ PAGA
Por fim, conforme já referido, a impugnada não contestou a alegação do pagamento, anuindo, portanto com o fato de que cobrou por valores já pagos pela impugnante. Assim, deve-se observar o disposto no art. 940 do Código Civil, in verbis:
“Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.” Destaco que já é entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a imprescindibilidade da demonstração de má-fé do credor, para aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida. Nesse sentido:
“O Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito à repetição do indébito, possui entendimento firmado no sentido de seu cabimento em dobro quando demonstrada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida. A indenização prevista no art. 940 do Novo Código Civil (art.
1.531 do Código Civil de 1916) somente é cabível quando caracterizada a má-fé do credor ao demandar o devedor por dívida já paga, total ou parcialmente, sem ressalvar valores recebidos ou pedir mais do que for devido. (STJ – AREsp: XXXXX RS 2014/XXXXX-2, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Publicação: DJ 24/03/2015)”
Saliento que conforme tese fixada pelo STJ em julgamento de
Recurso Repetitivo 1 , “a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor”.
Entendo, portanto, parecer estar evidenciada a má-fé da parte impugnada, pois omitiu do Juízo o recebimento do valor de R$ 79.824,30, realizado em 09/02/2012 e comprovado pela parte impugnante, o que é profundamenta lamentável. Contudo, em impugnação ao cumprimento de sentença, não é cabível a condenação a pagamento de nada, pois se cuida de simples ação/defesa do devedor, e não exercício de pretensão autônoma em face do credor, o que somente seria possível em ação específica.
[...]
Em relação ao recurso do impugnante, destaco que para resultar na aplicação da sanção prevista no art. 940, do Código Civil, pressupõe-se que: (I) tenha havido pagamento e que haja (II) cobrança judicial e (III) má-fé ou dolo do credor.
É dizer, a repetição em dobro do indevido somente será aplicável se a cobrança injustificada se der por meio de ação judicial e, consoante entendimento firmado pela jurisprudência do STJ, quando tal cobrança for realizada de má-fé por parte do credor.
Entretanto, no caso dos autos, a decisão exequenda não contemplou a aplicação da mencionada penalidade.
Assim, porque inexiste condenação da parte impugnada ao pagamento da pena prevista no art. 940 do Código Civil no título exequendo, esta não pode ser oponível por meio de impugnação à fase de cumprimento de sentença, pois desatendidas as hipóteses do artigo 525, §1º, do Código de Processo Civil.
Outrossim, além do débito ter sido adimplido pelo impugnante somente após a prolação da sentença condenatória da ação de cobrança, no momento do ajuizamento do cumprimento de sentença, não estava cristalino o valor do crédito, razão pela qual não há falar na incidência da sanção do artigo 940 do Código Civil, como assim já decidiu este e. Tribunal de Justiça. (e-STJ fls. 540/542)
Verifica-se que o entendimento adotado pelo Tribunal de origem destoa da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto à necessidade de
interposição de ação autônoma para se pleitear a devolução em dobro de valores
indevidamente cobrados.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA.
Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessária a interposição de ação autônoma para se pleitear a aplicação da penalidade prevista no artigo 940 do Código Civil de 2002, equivalente ao artigo 1.531 do Código Civil de 1916.
Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 821.899/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 06/11/2009)
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À MONITÓRIA. COBRANÇA INDEVIDA. PAGAMENTO EM DOBRO. CONDUTA MALICIOSA. VIA PROCESSUAL ADEQUADA PARA REQUERER APLICAÇÃO DA PENALIDADE.
(...)
- A aplicação da penalidade do pagamento do dobro da quantia cobrada indevidamente pode ser requerida por toda e qualquer via processual, notadamente por meio de embargos à monitória. (REsp 608.887/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª TURMA, DJ 13/03/2006)
PROCESSUAL CIVIL – CONTRIBUIÇÃO SINDICAL – AÇÃO MONITÓRIA: DOCUMENTOS HÁBEIS À INSTRUÇÃO – COBRANÇA DE PARCELA JÁ PAGA – DEVOLUÇÃO EM DOBRO: POSSIBILIDADE – ART. 1533 DO CC/1916 – MÁ-FÉ – AFASTAMENTO DA SÚMULA 159/STJ.
(...)
3. A aplicação da pena de que trata o art. 1.533 do CC/1916 pode-se dar em qualquer via processual, independentemente de reconvenção. Precedentes da Terceira e Quarta Turmas do STJ.
(...)
5. Tendo o Tribunal a quo firmado a premissa de que houve má-fé do Sindicato, legítimo o pagamento em dobro, nos termos do art. 1533 do CC/1916. (REsp 759.929/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, 2ª TURMA, DJ 29/06/2007).
Referido entendimento restou firmado, inclusive, em sede de recurso
repetitivo, "a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança
judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código
Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser
postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação
autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de
má-fé do credor." (REsp 1.111.270/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/11/2015, DJe 16/02/2016).
Eis a ementa do julgado:
RECURSOS ESPECIAIS - DEMANDA POSTULANDO A DECLARAÇÃO DE INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE AS PARCELAS PAGAS A CONSÓRCIO E A RESPECTIVA RESTITUIÇÃO DOS VALORES -ACÓRDÃO ESTADUAL QUE CONSIDEROU INCIDENTES JUROS DE MORA, SOBRE OS VALORES REMANESCENTES A SEREM DEVOLVIDOS AOS AUTORES, DESDE O 31º DIA APÓS O ENCERRAMENTO DO GRUPO CONSORCIAL, BEM COMO APLICOU A SANÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ATUAL ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) EM DETRIMENTO DO DEMANDANTE QUE NÃO RESSALVARA OS VALORES RECEBIDOS.
1. Insurgência dos consorciados excluídos do grupo.
1.1. Controvérsia submetida ao rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do CPC): A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor.
1.2. Questão remanescente. Apesar do artigo 1.531 do Código Civil de 1916 não fazer menção à demonstração da má-fé do demandante, é certo que a jurisprudência desta Corte, na linha da exegese cristalizada na Súmula 159/STF, reclama a constatação da prática de conduta maliciosa ou reveladora do perfil de deslealdade do credor para fins de aplicação da sanção civil em debate. Tal orientação explica-se à luz da concepção subjetiva do abuso do direito adotada pelo Codex revogado. Precedentes.
1.3. Caso concreto. 1.3.1. A Corte estadual considerou evidente a má-fé de
um dos autores (à luz das circunstâncias fáticas constantes dos autos), aplicando-lhe a referida sanção civil e pugnando pela prescindibilidade de ação autônoma ou reconvenção. 1.3.2. Consonância entre o acórdão recorrido e a jurisprudência desta Corte acerca da via processual adequada para pleitear a incidência da sanção civil em debate. Ademais, para suplantar a cognição acerca da existência de má-fé do autor especificado, revelar-se-ia necessária a incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência inviável no âmbito do julgamento de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
2. Irresignação da administradora do consórcio.
2.1. Voto vencedor (e. Ministro Luis Felipe Salomão). Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção, firmada no bojo de recurso especial representativo da controvérsia (artigo 543-C do CPC), a administradora do consórcio tem até trinta dias, a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo, para devolver os valores vertidos pelo consorciado desistente ou excluído (REsp 1.119.300/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14.04.2010, DJe 27.08.2010). Nessa perspectiva, o transcurso do aludido lapso temporal, sem a ocorrência da restituição efetivamente devida, implica a incidência de juros moratórios a partir do trigésimo primeiro dia do encerramento do grupo consorcial. Orientação primeiro dia do encerramento do grupo consorcial. Orientação aplicável inclusive aos casos em que o ajuizamento da demanda ocorre após a liquidação do consórcio.
2.2. Voto vencido do relator. À luz das peculiaridades do caso concreto -ação ressarcitória ajuizada após o encerramento do grupo consorcial; inexistência de estipulação de termo certo no contrato de adesão; e incidência de previsão normativa, vigente à época, acerca da necessária iniciativa do credor para o recebimento do pagamento (o que caracteriza a dívida como quesível) - afigurar-se-ia cabida a adoção da exegese acerca da incidência dos juros de mora a partir da citação - momento em que ocorrida a obrigatória interpelação do devedor.
3. Recursos especiais desprovidos. Vencido o relator na parte em que dava provimento ao apelo extremo da administradora do consórcio, a fim de determinar a incidência dos juros de mora a partir da citação. (REsp 1.111.270/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/11/2015, DJe 16/02/2016)
Destarte, a pretensão recursal merece prosperar.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
Intimem-se.
Brasília, 06 de dezembro de 2021.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator