30 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 693933 SP 2021/0296947-3 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 693933 - SP (2021/0296947-3)
RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT)
IMPETRANTE : GUSTAVO VINICIUS ALMEIDA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : GUSTAVO VINÍCIUS ALMEIDA DE OLIVEIRA - SP389620
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : LUCAS MATEUS TARLEY PEREIRA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de
LUCAS MATEUS TARLEY PEREIRA contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação n. 0000672-47.2018.8.26.0464.
Depreende-se dos autos que o paciente foi absolvido impropriamente, na
forma do art. 386, inciso VI do Código Penal cc. art. 26, caput, do Código Penal, por
reconhecer que o acusado praticou fato típico previsto no artigo 155, §1º, c.c. o artigo 14,
inciso II, ambos do Código Penal, sendo-lhe aplicado medida de segurança
consistente em tratamento ambulatorial, nos termos do art. 97, § 1º, do Código Penal,
com prazo mínimo de 1 ano.
Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação perante o eg. Tribunal de
origem, que, por unanimidade, negou provimento ao apelo defensivo, consoante voto
condutor do v. acórdão de fls. 54-60.
Dai o presente writ , onde o impetrante alega, em síntese, a ocorrência de
constrangimento ilegal na negativa de aplicação de princípio da insignificância, ante a
atipicidade material da conduta.
Para tanto, sustenta que "[...] a conduta imputada ao paciente não se subsume
materialmente à norma jurídica que se extrai do art. 155 do Código Penal, haja vista que
foi imputado ao réu a tentativa de furto de chaves e alicate, que globalmente não
ultrapassam o valor de R$ 70,00 (setenta reais), bens estes que foram integralmente
recuperados pela vítima" (fl. 5).
Afirma, ademais, que "[...] o paciente é esquizofrênico, primário e os bens
subtraídos possuem valor inferior a 10% do salário-mínimo vigente à época dos fatos,
considerado, portanto, ínfimo nos termos da jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça" (fl. 9).
Requer, assim, a concessão da ordem para a absolvição do paciente na ação penal, uma vez atípica a conduta imputada ao réu em face da aplicação do princípio da
insignificância.
O pedido liminar foi indeferido às fls. 63-64.
Informações prestadas às fls. 70-71.
O Ministério Público Federal, às fls. 82-85, manifestou-se pelo não
conhecimento do writ , mas pela concessão da ordem, em parecer assim ementado:
"HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. FURTO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. AGENTE INIMPUTÁVEL.
- Tentativa de furto de um alicate, de um cabo com revestimento de borracha e de 6 chaves fixas, avaliados em R$ 70,00.
- Pelo princípio da insignificância – desdobramento do princípio da lesividade -, se a conduta imputada ao agente, ainda que se ajuste formalmente ao tipo penal, na~ o tiver relevantes desvalor da conduta ou lesa~ o ao bem jurídico tutelado, o fato é atípico.
- O princípio da insignificância atua, na perspectiva material, como causa da exclusão da tipicidade penal, e o julgador, ao aplicá-lo, deve considerar apenas o fato típico e não os aspectos subjetivos de quem o praticou.
Pelo não conhecimento, mas pela concessão da ordem, de ofício, para que seja aplicado o princípio da insignificância e reconhecida a atipicidade da conduta do paciente" (fl. 82).
É o relatório.
Decido .
A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de
cabimento de recurso próprio ( v.g. : HC n. 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio , DJe de
11/9/2012; RHC n. 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli , DJe de 1º/8/2014 e RHC n.
117.268/SP, Relª. Minª. Rosa Weber , DJe de 13/5/2014).
As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta
dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ
substitutivo em detrimento do recurso adequado ( v.g. : HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma
, Relª. Minª. Laurita Vaz , DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma , Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze , DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma , Rel.
Min. Nefi Cordeiro , DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma , Relª. Minª.
Maria Thereza de Assis Moura , DJe de 4/6/2014).
Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de
habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso especial, situação que implica o não
conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante
ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão
da ordem de ofício.
Dessarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus .
O Tribunal a quo entendeu não ser aplicável o princípio da insignificância à
hipótese dos autos, aos seguintes fundamentos (fls. 57-60, grifei):
" Quanto ao invocado princípio da insignificância, não se há cogitar em acolhimento.
Não há atipicidade.
Devidamente caracterizada a prática do delito, afastadas as alegações da Ilustre Defesa atinentes à aplicação do princípio da insignificância.
Com efeito, a teor do que estabelece o Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio mencionado deve obedecer a algumas diretrizes, quais sejam: mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica.
Desse modo, elementar destacar que não basta, para tanto, a mera valoração econômica da lesão provocada pela conduta criminosa. Tal valoração, inclusive, enquanto “expressividade da lesão”, deve ser analisada também à luz de elementos sociais, vez que um mesmo bem pode expressar maior ou menor valor conforme a sociedade na qual esteja inserido.
E, como bem assinalou o d. Procurador de Justiça:
Se o apelante teve interesse na subtração do bem, descabida a alegação de que o valor seria irrisório, a ensejar a aplicação do princípio da insignificância. Adotar entendimento diverso, apenas incentivaria a prática de furtos contra estabelecimentos comerciais ou pessoas físicas, apenas tendo o furtador o cuidado de verificar se o valor
da res furtiva seria inferior a um salário mínimo.
Não podemos dizer que o valor seria irrisório e insignificante, levando em conta a situação socioeconômica da população de uma pequena cidade do interior, como Oriente/SP (fls. 275).
Assim, só é possível identificar a insignificância social do fato quando este envolver uma conduta e um dano “bagatelares”.
Nesse sentido:
“Consideração necessária do desvalor da conduta e do resultado. Nos delitos patrimoniais, a consideração isolada do valor da res é insuficiente para concluir insignificância” (TARS Rec. Rel. Tupinambá Pinto de Azevedo RT 723/674).
Não se pode ter como irrelevante a conduta de quem subtrai bens alheios, no caso, ferramentas, em pleno repouso noturno, quando a vigilância da vítima é menos eficiente, sendo que o valor está longe de ser considerado ínfimo (R$ 70,00), prejudicando o proprietário de tais objetos.
A aplicação do princípio em análise ao caso concreto, vale dizer, seria um estímulo à prática reiterada de furtos, por exemplo, de objetos de até certo valor, vez que tais delitos seriam sempre considerados atípicos e os seus agentes, consequentemente, absolvidos.
Deste modo, tal pretensão, fica rechaçada, não havendo se falar em conduta atípica.
É caso, pois, da mantença da r. sentença ora combatida, nos moldes em que lançada, pelos seus próprios fundamentos fáticos e jurídicos."
Sobre o tema, é consabido que a lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da
insignificância e da intervenção mínima surgem para atuar como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal. Entretanto, a ideia não pode ser aceita sem restrições,
sob pena de o Estado dar margem a situações de perigo, na medida em que qualquer
cidadão poderia se valer de tal princípio para justificar a prática de pequenos ilícitos, incentivando, por certo, condutas que atentem contra a ordem social.
Assim, o princípio da insignificância deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no
sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de
certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 98.152/MG, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).
Na espécie, a despeito do entendimento aplicado ao tema pelo Tribunal a quo ,
trata-se de furto simples, apenas tentado, de seis chaves fixas e um alicate, com valor total de R$ 70,00, inferior a 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos (R$ 954,00,
Decreto n. 9.255/2017), a revelar a inexistência de prejuízo para a vítima, sem nenhuma circunstância que denote maior ofensividade ou reprovabilidade da conduta.
Ademais, o paciente é primária e não apresenta maus antecedentes, o que
afasta, também por este prisma, qualquer óbice à aplicação do princípio da insignificância. Em hipóteses análogas, decidiu esta Corte:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. NÃO CABIMENTO. SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO STF. FURTO SIMPLES TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
II - No caso de furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.
III - In casu, imputa-se ao paciente a tentativa de furto de uma talhadeira no valor de R$ 32,90 (trinta e dois reais e noventa reais). Na espécie, além de ser o paciente primário, há de se ressaltar a reduzida expressividade do valor do bem subtraído. É de se reconhecer, diante das peculiaridades do caso, a irrelevância penal da conduta. (Precedentes).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal n. 0078500-42.2014.8.26.0050, em trâmite perante a 8ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP (HC 318.935/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 21/5/2015).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estabeleceram os seguintes requisitos para a aplicação do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) lesão jurídica inexpressiva, os quais devem estar
presentes, concomitantemente.
2. Trata-se, na realidade, de um princípio de política criminal, segundo o qual, para a incidência da norma incriminadora, não basta a mera adequação do fato ao tipo penal (tipicidade formal), impondo-se verificar, ainda, a relevância da conduta e do resultado para o Direito Penal, em face da significância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado pelo Estado (tipicidade material).
3. No caso, considerando o valor dos bens subtraídos (dois salames avaliados em R$ 60,00), que foram integralmente recuperados, a primariedade do agente, o fato de se tratar de furto simples e, por conseguinte, o reduzido grau de reprovabilidade e a mínima ofensividade da conduta, impõe-se a incidência do princípio da insignificância.
4. Recurso provido para, reconhecendo a atipicidade material da conduta, absolver o recorrente da imputação que lhe foi atribuída no processo crime aqui tratado (RHC 50.372/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, DJe 3/3/2015).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus , mas concedo a ordem de ofício, a fim de absolver o paciente, na forma do art. 386, inciso III, do Código de
Processo Penal.
P. e I.
Brasília, 06 de dezembro de 2021.
Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)
Relator