11 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1984197 - MT (2021/XXXXX-5)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
AGRAVANTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
AGRAVADO : ROBERTO MACHADO DE OLIVEIRA COUTO
ADVOGADOS : GIOVANI RODRIGUES COLADELLO - MT012684 RALFF HOFFMANN - MT013128
CORRÉU : RAFAEL DONIZETI CORDEIRO
CORRÉU : ILAINE MACHADO
EMENTA
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. REVOGAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA PELO TRIBUNAL LOCAL. RECURSO ESPECIAL MINISTERIAL. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DA PRISÃO. PRISÃO TEMPORÁRIA QUE NÃO SE PRESTA PARA GARANTIR A ORDEM PÚBLICA OU A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO PRECONIZADO NO ART. 1º, I, DA LEI N 7.960/1989. FUNDAMENTOS INATACADOS. SÚMULA 283/STF. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
Agravo conhecido para não conhecer do recurso especial.
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto pelo Ministério Público de Mato Grosso
contra a decisão do Tribunal de Justiça local, que, em juízo de admissibilidade,
inadmitiu o recurso especial por ele apresentado, em que impugnava acórdão proferido
no Habeas Corpus Criminal n. XXXXX-12.2021.8.11.0000, assim ementado (fl. 682):
HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – PRISÃO TEMPORÁRIA DECRETADA – 1. NEGATIVA DE AUTORIA – MATÉRIA QUE EXIGE ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA – VIA ELEITA INADEQUADA – 2. PRETENDIDA A REVOGAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO AO REGULAR ANDAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL CAUSADO PELA LIBERDADE DO PACIENTE – CUSTÓDIA TEMPORÁRIA DESNECESSÁRIA – 3. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE, LIMINAR RATIFICADA – ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. O habeas corpus é instrumento de cognição sumária que não comporta dilação probatória, motivo pelo qual discussão acerca da inocência do paciente deve ser suscitada na esfera própria, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo impossível, pois, a sua utilização para tal finalidade.
2. A prisão temporária e a prisão preventiva não podem ser confundidas, pois constituem modalidades distintas de custódia cautelar, cada qual sujeita a requisitos legais específicos, de modo que não demonstrada a imprescindibilidade
da prisão temporária para as investigações, conforme imposto pela Lei n. 7.960/1989, deve ser revogada a medida.
3. Pedido julgado procedente, liminar ratificada, ordem concedida.
Nas razões do especial, o órgão ministerial apontou negativa de vigência do
art. 1º, I e III, a, da Lei n. 7.960/1989, sustentando, em síntese, a presença de motivos
suficientes e idôneos para a manutenção da prisão temporária, considerando
principalmente a intimidação das testemunhas por parte do recorrido, situação esta que
tem o condão de interferir na investigação policial. Aliado a isso, tem-se que há indícios
fortíssimos da participação do recorrido no homicídio, crime que está dentre os
descritos no inciso III do art. 1º da Lei n. 7.960/1989 (fls. 711/714).
Apresentadas contrarrazões, o Tribunal local inadmitiu o recurso por
incidência da Súmula 7/STJ (fls. 731/735).
Daí o presente agravo (fls. 737/745), com contraminuta ofertada às fls.
749/753.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo não
provimento do agravo, nos termos da seguinte ementa (fl. 766):
EMENTA: PENAL e PROCESSUAL PENAL. Agravo em REsp. Art. 1.042 do CPC. Homicídio qualificado. Prisão temporária revogada pelo Tribunal a quo. Liberdade que não compromete o sucesso das investigações. Necessidade de revolvimento do acervo fático- probatório. Óbice da Súmula nº 7/STJ. Não provimento do agravo.
É o relatório.
Presentes os requisitos de admissibilidade, o agravo merece ser conhecido.
Contudo, a irresignação não merece acolhida.
No que concerne ao tema controvertido, o Tribunal de origem, ao conceder a
ordem em favor do agravado, para revogar a prisão temporária, expressamente
consignou (fls. 685/690 – grifo nosso):
[...] Por outroviés, no que tange à inexistência dos requisitos autorizadores da manutenção da prisão temporária do paciente, impõe-se ressaltar que assiste razão aos impetrantes, porquanto da análise destes autos é possível constatar que o paciente, em momento algum ofereceu obstáculo às investigações, motivo pelo qual tem-se por injusta a manutenção da sua prisão temporária .
Como se sabe, a prisão temporária é medida urgente, lastreada na conveniência da investigação policial, justamente para, prendendo legalmente um suspeito, conseguir formar, com rapidez, o conjunto probatório referente tanto à materialidade quanto à autoria. Tem, pois, o objetivo de propiciar a colheita de
provas, quando, em crimes graves, não há como atingi-las sem a detenção cautelar do suspeito, devendo, no entanto, o decreto prisional ser motivado, sob pena de violação do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
No caso destes autos, acolhendo o pleito formulado pela autoridade policial, o juízo de primeiro grau decretou a prisão temporária do paciente, pelo período de 30 (trinta) dias , nos autos n. XXXXX-50.2021.8.11.0087, visando apurar o suposto envolvimento dele no delito de homicídio qualificado perpetrado contra seu pai, por ser imprescindível para a investigação criminal, diante do temor das testemunhas – destacando, nesse particular, que o Senhor Weberson Freitas dos Santos registrou boletim de ocorrência por ter sido supostamente coagido pelo paciente – e porque este não teria sido localizado no seu endereço no momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão .
Acerca da matéria, no que tange à necessidade do decreto da medida constritiva de liberdade, há que se destacar o disposto no art. 1° da Lei n. 7.960/89 assim redigido:
[...] Conquanto a autoridade judiciária da primeira instância, tenha se reportado ao dispositivo legal acima transcrito, asseverando que a prisão cautelar do paciente é imprescindível para a investigação policial e para a elucidação da autoria e materialidade delitiva, consoante se infere da decisão encartada aos IDs XXXXX (p. 59-70) e XXXXX (p. 1-2) impõe-se concluir que, embora o acusado não tenha sido localizado em sua residência no momento das diligências de cumprimento de busca e apreensão, no dia 28 de maio (3 dias após os fatos e no dia seguinte às tentativas de cumprimento de mandado de busca e apreensão), os agentes policiais não tiveram dificuldades em localizá-lo na residência da mãe, a corré Ilaine, no período matutino .
Além disso, não consta no respectivo relatório policial quantas tentativas de cumprimento de mandado foram realizadas e, tampouco os horários das referidas diligências, de modo que não se pode afirmar que o paciente estivesse procurando se evadir ou se esconder , pois poderia, simplesmente, estar trabalhando, no velório da vítima, na casa de sua irmã, ou ido ao mercado... Isso, porque no dia seguinte, consoante mencionado no parágrafo acima, os policiais não tiveram dificuldade em localizá-lo na casa da sua mãe, no período matutino .
Se isso não bastasse, não se pode olvidar da atitude colaborativa do paciente, porque, como visto acima, ele não criou qualquer empecilho ao cumprimento dos mandados de busca e apreensão em sua residência e de prisão expedido contra sua pessoa , tanto que sequer foi necessário o uso de algemas em sua condução à Delegacia de Polícia...
Ademais disso, as testemunhas que apontaram o paciente como um dos possíveis envolvidos do crime de homicídio perpetrado contra seu pai já foram ouvidas no inquérito policial e não hesitaram em suas declarações, apesar de, ao final, afirmarem que estariam com receio de sofrer futuras represálias por parte dele. No entanto, não se deve perder de vista que o instituto da prisão temporária, não se presta para prevenir perigo gerado pelo estado de liberdade do investigado, mas visa evitar a ação de suspeitos, no sentido de eliminar vestígios ou indícios dos crimes praticados, possuindo um rol taxativo, consoante mencionado no dispositivo legal acima transcrito .
Verifica-se que, em verdade, a decisão objurgada busca acautelar a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal em um eventual oferecimento de denúncia em desfavor do paciente, levando em consideração, para tanto, a suposta periculosidade deste e temor das testemunhas já ouvidas na fase inquisitiva . No entanto, consoante acima mencionado, a prisão temporária não se presta a esse fim, pois esses são requisitos da prisão preventiva, a qual pode ser decretada a qualquer momento processual, desde que presentes a materialidade do crime, indícios suficientes de autoria e ao menos um dos seguintes requisitos: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal .
Assim, a prisão preventiva e a prisão temporária não podem ser confundidas, pois constituem modalidades distintas de custódia cautelar,
cada qual sujeita a requisitos legais específicos , consoante se infere do julgado do Superior Tribunal de Justiça abaixo ementado:
[...] Não se olvida que as provas até agora produzidas retratam plena comprovação da materialidade do crime e revelam fortes indícios da participação do acusado no crime em investigação, todavia, um dos motivos que autorizaram a prisão temporária do paciente foi a sua possível fuga; e, considerando que este foi encontrado, facilmente, na residência de sua mãe logo após a decretação de sua prisão e que não apresentou qualquer empecilho no cumprimento dos mandados de prisão e busca e apreensão em seu domicílio, tal situação demonstra que ele não estava em lugar incerto e não sabido ou tentando se eximir ou prejudicar a produção de provas préprocessuais consideradas relevantes, isso significando dizer que a prisão temporária não mais se sustenta nos motivos que a ensejaram em um primeiro momento, porque embora presente o requisito previsto no art. 1º, III, a, da Lei n. 7.960/1989, carece do pressuposto descrito inciso I do mesmo dispositivo legal .
Com efeito, com relação a esse requisito preconizado no art. 1º, I, da Lei n. 7.960/1989, a prisão temporária do paciente não se justifica , porquanto, ainda que as testemunhas ouvidas na Delegacia de Polícia tenham informado que se sentiam intimidadas por ele e uma delas até registrou um boletim de ocorrência por ter sido supostamente ameaçada por ele, isso não as impossibilitou de apresentarem suas versões quanto ao fato delituoso e apontarem-no como sendo um dos suspeitos de envolvimento no delito de homicídio perpetrado contra a vítima Gilberto de Oliveira Couto, baseado nas informações de que tinham conhecimento, tampouco há notícia de que houve modificação dessas declarações em virtude das propaladas intimidações, de modo que o acautelamento ou não do acusado, para a colheita das provas na fase inquisitiva se mostrou indiferente, uma vez que a sua liberdade não veio a comprometer a proficiência das investigações , dando fim a provas essenciais ao trabalho investigativo ou ameaçando testemunhas ao ponto que essas se calem na fase inquisitorial; e, consoante acima foi mencionado, diferente da prisão preventiva: a prisão temporária não se presta para garantir a ordem pública ou a conveniência da instrução criminal .
Não se despreza a gravidade das acusações lançadas contra o paciente. No entanto, a despeito de a prisão temporária ser cabível em virtude do delito investigado, não se verifica, nestes autos, sua imprescindibilidade para as investigações, porquanto não ficou demonstrado que ele estivesse tentando obstruir as investigações da autoridade policial, requisito indispensável para a medida .
[...] Logo, não resta a menor dúvida que, na hipótese, não estão mais presentes os requisitos e fundamentos das hipóteses autorizadoras da medida excepcional a justificar a decretação do encarceramento temporário do paciente, a fim de garantir as investigações do inquérito policial, de modo que a sua revogação é medida que se impõe . [...]
De um lado, verifico que, no recurso especial, o órgão ministerial não refutou
os seguintes fundamentos do acórdão recorrido: a) a decisão objurgada busca
acautelar a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal em um
eventual oferecimento de denúncia em desfavor do paciente, levando em
consideração, para tanto, a suposta periculosidade deste e temor das testemunhas já
ouvidas na fase inquisitiva. No entanto, consoante acima mencionado, a prisão
temporária não se presta a esse fim, pois esses são requisitos da prisão preventiva, a
qual pode ser decretada a qualquer momento processual, desde que presentes a
materialidade do crime, indícios suficientes de autoria e ao menos um dos seguintes
requisitos: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, razão pela qual a prisão preventiva e a prisão temporária não podem ser confundidas, pois constituem modalidades distintas de custódia cautelar, cada qual sujeita a requisitos legais específicos; e b) a prisão temporária não mais se sustenta nos motivos que a ensejaram em um primeiro momento, porque embora presente o requisito previsto no art. 1º, III, a, da Lei n. 7.960/1989, carece do pressuposto descrito inciso I do mesmo dispositivo legal (fls. 687 e 689).
À tal circunstância aplica-se, analogicamente, a Súmula 283/STF. A esse respeito, confiram-se o AgRg no AREsp n. 1.760.614/MG, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 4/10/2021; e o REsp n. 1.788.474/RO, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 3/12/2019.
De outro lado, é cediço que a prisão preventiva e a prisão temporária não podem ser confundidas, pois constituem modalidades distintas de custódia cautelar, cada qual sujeita a requisitos legais específicos. A primeira pode ser decretada em qualquer fase da investigação criminal ou do processo penal e demanda a demonstração, em grau bastante satisfatório e mediante argumentação concreta (fumus comissi delicti), de que a liberdade do acusado implica perigo (periculum libertatis) à ordem pública, à ordem econômica, à conveniência da instrução criminal, ou à aplicação da lei penal (art. 312 do Código de Processo Penal). A segunda, por sua vez, subordina-se a requisitos legais menos severos, previstos na Lei n.º 7.960/1989, e presta-se a garantir o eficaz desenvolvimento da investigação criminal quando se está diante de algum dos graves delitos elencados no art. 1º, inciso III, da mesma Lei (HC n. 462.094/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 13/6/2019).
Na hipótese, concluiu o Tribunal a quo que não estão mais presentes os requisitos e fundamentos das hipóteses autorizadoras da medida excepcional a justificar a decretação do encarceramento temporário do paciente, a fim de garantir as investigações do inquérito policial (fl. 690).
Nesse passo, a inversão das premissas assentadas perante a Corte estadual demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência descabida nesta via recursal, em face do óbice contido na Súmula
7/STJ.
Confiram-se: AgRg no AREsp n. 1.700.869/GO, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 21/9/2020; AgRg no AREsp n. 1.605.539/PA, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 23/6/2020; AgRg no AREsp n. 1.534.967/MS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 3/2/2020; e AgRg no REsp n. 945.435/PR, Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/8/2009.
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, II, a, do RISTJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.
Publique-se.
Brasília, 10 de dezembro de 2021.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator