4 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1949765 RJ 2021/0224323-6 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1949765 - RJ (2021/0224323-6)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : P S DOS S M
ADVOGADO : DANIEL BARBOSA MARQUES DA SILVA E OUTRO(S) -RJ185639
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 71 DO CP. PLEITO
DE AMPLIAÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO DECORRENTE DA
CONTINUIDADE DELITIVA. PRÁTICA DO DELITO POR INCONTÁVEIS
VEZES (ENTRE 2002 E 2015). IMPRECISÃO DO NÚMERO DE CRIMES.
PATAMAR DIVERSO DO MÁXIMO PERMITIDO, APLICADO PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA CONTRÁRIA DO STJ.
RESTABELECIMENTO DA FRAÇÃO DE 2/3, APLICADA PELO JUÍZO
SINGULAR, QUE SE IMPÕE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
REDIMENSIONADA.
Recurso especial provido nos termos do dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro , com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra o acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça local na Apelação Criminal n. 0049814-94.2015.8.19.0213.
Na sentença de fls. 193/201, o recorrido foi condenado como incurso nas
iras do art. 214, parágrafo único, diversas vezes, c/c o art. 226, II e art. 225, parágrafo
único, na forma do art. 71, duas vezes, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à
reprimenda de 25 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado.
Inconformada com os termos do édito condenatório singular, a defesa
interpôs recurso de apelação (fls. 207/213).
O Tribunal a quo deu parcial provimento ao recurso defensivo para reduzir o
aumento aplicado em decorrência da continuidade delitiva a 1/6, tornando a resposta
penal definitiva em 21 anos de reclusão, mantido o regime inicial fechado (fls. 272/284).
Réu solto, primário, denunciado em agosto de 2015 por infração dos artigos 213 (Estupro) e 214(Atentado violento ao pudor) e seus parágrafos únicos c/c art. 224, alínea "a" (presunção de violência - vítima menor de 14 anos) 5 vezes, pela prática de conjunção carnal e atos libidinosos, com o fim de satisfazer sua lascívia, vitimando a sua filha R, no período compreendido entre os 8 (oito) aos 11 (onze) anos de idade da criança e pela prática das condutas tipificadas no artigo 214, (Atentado violento ao pudor) parágrafo único, c/c art. 224, alínea "a" (presunção de violência - vítima menor de 14 anos) 2 vezes, n/f art. 69, todos do Código Penal, por ter praticado atos libidinosos, para satisfazer sua lascívia, com seu filho R, menor de 14 (quatorze) anos à época.
Condenado em 7 de novembro de 2019 como incurso nas penas dos artigos 214, (Atentado violento ao pudor )parágrafo único, (Se o ofendido é menor de 14 anos) diversas vezes, com incidência da causa de aumento prevista no artigo 226, inciso II, (A pena é aumentada de metade – praticado pelo pai) c/c o artigo 225, parágrafo único (ação penal pública – vítimas menores de 14 anos) e na forma do artigo 71, duas vezes, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, à pena de 25 anos e 06 meses de reclusão no regime fechado.
Inconformismo defensivo.
A absolvição aduzindo insuficiência probatória. (IMPOSSIBILIDADE).
A materialidade e autoria dos delitos se apresentam comprovadas com base na prova oral, colhida sob o crivo do contraditório e pela própria declaração das vítimas.
Todo o contexto probatório mostra-se seguro para inferir um juízo de condenação.
DOSIMETRIA.
Revisão nas penas aplicadas pela prática dos delitos de atentado violento ao pudor vitimando duas crianças -os seus filhos R e R.
Considerando ser o réu primário, a pena base deve ser fixada em seu patamar mínimo, ou seja, em 6 (seis) anos de reclusão, para cada um dos crimes de atentado violento ao pudor.
As consequências do delito são por essência gravíssimas e já contempladas, no mais das vezes, pela alta pena mínima estabelecida pelo legislador para o tipo.
Mantida a causa de aumento do inciso II, do artigo 226, do Código Penalacréscimo de metade, alcançando 9 anos de reclusão.
Quanto ao concurso de crimes, considerando a continuidade delitiva e que os abusos ocorreram – para ambas as vítimas - em frequência que não pode ser precisada, faço incidir sobre aquela pena – com relação a cada um dos delitos -a fração mínima de 1/6, alcançando 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
PENA FINAL.
Por fim, considerando o concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, alcançando o total de 21(vinte e um) anos de reclusão.
Manutenção do regime fechado originalmente fixado.
Como já disposto pelo juízo de origem, somente após o trânsito em julgado da condenação, merecerá a expedição demandado de prisão em desfavor do réu, que se manteve solto durante todo o trâmite processual.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, reduzindo a fração pela continuidade delitiva - artigo 71 do Código Penal-atenuando a sanção imposta para 21anos de reclusão, em regime fechado.
Após o trânsito em julgado, expedido o mandado de prisão.
No presente recurso especial, é indicada a violação do art. 71 do Código
Penal, porque o v. acórdão impugnado, em síntese, conheceu e deu parcial provimento
ao recurso defensivo para, embora reconhecendo a prática de estupros e atentados
violentos ao pudor contra a menor durante o período de 3 (três) anos, diminuir a
reprimenda pela continuidade delitiva em seu mínimo legal (1/6), isto porque os abusos ocorreram “em frequência que não pode ser precisada” (fl. 344).
Expõe o recorrente que incorre em erro o v. Acórdão recorrido ao exigir a identificação da quantidade exata de abusos sexuais praticados em crime continuado contra criança ou adolescente, por vários anos, para que se reconheça o aumento acima do mínimo previsto no dispositivo legal expressamente violado pelo Tribunal local (fl. 355).
Ao final da peça recursal, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO seja admitido o presente RECURSO ESPECIAL pela alínea “a” do permissivo constitucional, para que o pleito seja conhecido e provido por esse E. Superior Tribunal de Justiça, reformando-se o v. Acórdão, com o restabelecimento da fração de aumento fixada na sentença condenatória para a continuidade delitiva (2/3) em relação à vítima R e, por conseguinte, a reprimenda fixada na r. sentença monocrática (fl. 356).
Oferecidas contrarrazões (fl. 412), o recurso especial foi admitido na origem (fls. 426/434).
O Ministério Público Federal opina pelo provimento da insurgência (fls. 455/461):
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ART. 214, PARÁGRAFO ÚNICO, DIVERSAS VEZES, COM INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 226, INCISO II,C/C ART. 225, PARÁGRAFO ÚNICO, E NA FORMA DO ARTIGO 71, DUAS VEZES, NA FORMA DO ARTIGO 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA. PATAMAR DE AUMENTO. INDETERMINAÇÃO DO NÚMERO EXATO DE OCORRÊNCIA DOS ABUSOS SEXUAIS. LONGO PERÍODO DE TEMPO. FRAÇÃO MÁXIMA DE 2/3. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
É o relatório.
Razão assiste ao recorrente no que se refere ao pleito de ampliação da fração atinente à continuidade delitiva.
Extrai-se da inicial acusatória o seguinte trecho (fls. 2/3 – grifo nosso):
[...]
P S dos S M, brasileiro, filho de S de S M e R dos S M (...) À época dos fatos, residente (...), pela prática das seguintes condutas delituosas:
No período compreendido entre 2002 a 18 de agosto de 2015, (...), o denunciado, de maneira livre e consciente, com o intuito de satisfazer sua lascívia, por mais de cinco vezes, constrangeu sua filha R C M, menor de 14 anos à época dos fatos, (...) a com ele manter relações sexuais e por cerca de duas vezes, constrangeu-a a praticar sexo oral nele, introduzindo seu pênis na boca da criança.
No mesmo período, na mata existente nas proximidades do endereço supra mencionado, o denunciado, consciente e voluntariamente, com intuito de satisfazer sua lascívia, abusou sexualmente de seu filho R C M, menor de 14 anos à época dos fatos, (...), constrangendo-o a masturbá-lo.
Em assim agindo, por ter praticado conjunção carnal e atos libidinosos, para satisfazer sua lascívia, com sua filha R, menor de 14 (quatorze) anos à época, incapaz de oferecer resistência, o denunciado está incurso nas penas cominadas no art. 213 e 214, e seus parágrafos únicos c/c art. 224, alínea a (5vezes) n/f art. 69, todos do Código Penal; e por ter praticado atos libidinosos, para satisfazer sua lascívia, com seu filho R, menor de 14 (quatorze) anos à época, incapaz de oferecer resistência, o denunciado está incurso nas penas cominadas do art. 214, parágrafo único, c/c art. 224, alínea a (2 vezes) n/f art. 69, todos do Código Penal.
[...]
No combatido aresto, consta que: Quanto ao concurso de crimes,
considerando a continuidade delitiva e que os abusos ocorreram – para ambas as
vítimas - em frequência que não pode ser precisada, faço incidir para cada delito,
a fração mínima de 1/6, alcançando 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão
(fl. 284 – grifo nosso).
Da análise dos excertos acima transcritos tenho que razão assiste ao
recorrente, notadamente em face da impossibilidade de contabilização de quantas
vezes teria ocorrido o delito, visto que repetidamente praticados, num período de
aproximadamente 13 anos.
Com efeito, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que nos crimes sexuais envolvendo vulneráveis é cabível a elevação da
pena pela continuidade delitiva no patamar máximo quando restar demonstrado
que o acusado praticou o delito por diversas vezes durante determinado período
de tempo, não se exigindo a exata quantificação do número de eventos
criminosos, sobretudo porque em casos tais, os abusos são praticados
incontáveis e reiteradas vezes, contra vítimas de tenra ou pouca idade (AgRg no
REsp n. 1.717.358/PR, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe
29/6/2018 – grifo nosso).
No mesmo sentido, destaco:
[...] 2. Embora impreciso o número exato de eventos delituosos, esta Corte Superior tem considerado adequada a fixação da fração aumento no patamar acima do mínimo nas hipóteses em que o crime ocorreu por um longo período de tempo, como na espécie, em que a vítima alega que era
abusada dia sim dia não, devendo ser levado em consideração o fato de ter sido abusada pela primeira vez quando tinha 07 anos e ter engravidado com 11 anos . Ademais, se afigura inviável exigir a exata quantificação do número de eventos criminosos, sobretudo em face da pouca idade da vítima à época.
3. Considerando que as instâncias ordinárias reconheceram que os eventos delituosos contra a vítima ocorreram no período de 4 anos, tenho como ilegal a fixação da causa de aumento no mínimo legal, mostrando-se adequado o acréscimo pela continuidade delitiva na fração máxima de 2/3 (art. 71 do Código Penal).
[...]
(AgRg no REsp n. 1.420.282/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 17/8/2016 – grifo nosso).
Aliás, não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
[...] 3. Segundo pacífica jurisprudência da Suprema Corte, o quantum de exasperação da pena, por força da continuidade delitiva, deve ser proporcional ao número de infrações cometidas. Precedentes.
4. A imprecisão quanto ao número de crimes praticados não obsta a aplicação da causa de aumento de pena da continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3 (dois terços), desde que haja elementos seguros que demonstrem que vários foram os delitos perpetrados ao longo de dilatado lapso temporal. [...]
(HC n. 127.158/MG, Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 27/8/2015 – grifo nosso).
Pelo quanto exposto na presente decisão, impõe-se o restabelecimento da
pena privativa de liberdade dosada na sentença condenatória (fl. 200).
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou
provimento ao recurso especial para restabelecer a fração relativa à continuidade
delitiva, redimensionando a pena privativa de liberdade do recorrido a 25 anos e 6
meses de reclusão.
Publique-se.
Brasília, 10 de fevereiro de 2022.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator