15 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - INTERPELAÇÃO JUDICIAL: IJ 176 DF 2022/XXXXX-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
INTERPELAÇÃO JUDICIAL Nº 176 - DF (2022/XXXXX-0)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
INTPTE : RINALDO MACIEL DE FREITAS
ADVOGADO : RINALDO MACIEL DE FREITAS (EM CAUSA PRÓPRIA) -MG160119
INTPDO : ROMEU ZEMA NETO
DECISÃO
Cuida-se de interpelação apresentada por RINALDO MACIEL DE FREITAS,
com fundamento no art. 144 do Código Penal, em desfavor de ROMEU ZEMA NETO,
Governador do Estado de Minas Gerais.
Informa que, em 2.8.2021, noticiou ao interpelado que determinada empresa
estaria sendo perseguida pelo setor técnico da Secretaria de Estado da Fazenda, em
questão aparentemente relacionada ao "cartel do aço".
Após discorrer sobre a tramitação do processo administrativo em questão,
afirma que "[o]s principais membros efetivos do Conselho de Contribuintes de Minas
Gerais, estão na função praticamente desde sua fundação em 1989, fazendo uma
espécie de rodízio, sendo respectivamente juízes e advogados, onde se supõe que,
longe de agir com imparcialidade, podem representar a vontade da entidade que os
indicou, conforme o deputado Chico Alencar disserta na Folha de São Paulo, e
demonstra que algumas decisões podem ter interesse oculto, como demonstramos nas
incoerências que citamos e que depõem em prejuízo da Legalidade; Moralidade e
isonomia" (e-STJ fl. 13).
Alega que "o consórcio de amigos no Conselho de Contribuintes está
produzindo reiteradas nulidades em todos os julgamentos, em razão da patente
ilegalidade na formação do órgão, representada pela incompatibilidade de advogados
exercerem a função de julgadores no Conselho de Contribuintes do Estado de Minas
Gerais, na literalidade do artigo 28, II da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, de
cognição sumária" (e-STJ fl. 26).
Requer a notificação do Governador do Estado de Minas Gerais para que
preste esclarecimentos sobre as questões postas, "visto que conduzem à improbidade
administrativa, artigo 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e prevaricação do
próprio Governador de Estado" (e-STJ fl. 32).
É o relatório.
Nos termos do art. 105, I, a, da Constituição Federal, compete a este
Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os
Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade,
os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os
membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais.
Assim, esta Corte Superior de Justiça tem competência para processar e
julgar interpelações judiciais apenas quando preparatórias de eventual ação penal.
No caso, a presente interpelação foi apresentada com fundamento no art.
144 do Código Penal, in verbis:
Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.
Da leitura do referido dispositivo legal, depreende-se que o pedido de explicações é um instituto referente aos crimes contra a honra, utilizado antes do ajuizamento da ação penal para afastar dúvida sobre eventual ofensa.
Ao tratar do expediente em questão, Guilherme de Souza Nucci leciona o seguinte:
"Pedido de explicações em juízo: a despeito de ser uma previsão formulada no Código Penal, cremos tratar-se de um instituto pertinente ao processo penal. O crime contra a honra existe ou não existe - o que não se pode admitir é o meio-termo. Por isso, se alguém profere expressões ou conceitos dúbios a respeito de outrem, não se trata de problema a ser disciplinado no contexto de direito material. Melhor situado estaria o art. 144 do Código Penal no Código de Processo Penal, conferindo à parte pretensamente ofendida um instrumento procedimental para esclarecer a dúvida gerada: se o agente confirmar o agravo, nitidamente concretizado estará o tipo penal do crime contra a honra; caso negue-se, estar-se-ia tratando de fato atípico, erroneamente interpretado pela vítima. Assim, não nos parece uma disciplina de Direito Penal. Ainda assim, o artigo em questão vincula-se à dubiedade de referências que uma pessoa faz à outra, sem evidenciar, com clareza, o seu intuito. Estaríamos diante um crime camuflado ou de um flagrante equívoco. Se a frase ou menção foi emitida sem qualquer maldade ou intenção de ofender, inexiste fato típico; caso tenha sido proferida com vontade de caluniar, difamar ou injuriar, há crime. O sujeito que se sente ultrajado, mas não tem certeza da intenção do auto, pode pedir explicações em juízo. Nesse procedimento, não haverá um julgamento de mérito do juiz, mas a simples condução do esclarecimento da dúvida. Havendo recusa a dar explicações ou deixando de fornecê-las satisfatoriamente, fica o agente sujeito a ser processado pela prática de crime contra a honra. [...]" (Código Penal Comentado. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 885-886).
Feitos tais esclarecimentos, verifica-se que o requerente se utilizou do procedimento previsto no art. 144 do Código Penal para externar sua insatisfação com o tratamento que lhe vem sendo dispensado por servidores e autoridades da Secretaria de Fazenda do Estado de Minas Gerais, bem como para questionar a composição e a atuação do Conselho de Contribuintes.
Com efeito, embora mencione que os fatos narrados poderiam configurar ato de improbidade administrativa ou crime de prevaricação (e-STJ fl. 32), o certo é que, da leitura da inicial, não se constata qualquer situação revestida de equivocidade ou dubiedade cujo esclarecimento se mostra necessário a fim de que se viabilize o
exercício futuro de ação penal.
Nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRAZO. DOIS DIAS. ART. 619 DO CPP. INTEMPESTIVIDADE. FUNGIBILIDADE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. CRIMES CONTRA A HONRA. INTERPELAÇÃO JUDICIAL. ART. 144 DO CP. CONTEÚDO DA OFENSA. DESTINATÁRIO. DÚVIDA OU EQUIVOCIDADE. NATUREZA OBJETIVA. AUSÊNCIA. INTERESSE PROCESSUAL.
INEXISTÊNCIA.
1. Cuida-se de interpelação judicial por meio da qual se requer a apresentação de explicações que indiquem se o interpelado ratifica suas afirmações e que identifiquem especificamente quais os favorecimentos e quais os beneficiários dos atos citados na manifestação do interpelado.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, na hipótese dos autos: a) os embargos de declaração intempestivos podem ser recebidos como agravo regimental; e b) caso superado, existe dúvida objetiva sobre os destinatários da fala imputada ao interpelado e se, por consequência, está presente o interesse processual na interpelação judicial.
4. Embora seja possível se conhecer de embargos de declaração como agravo regimental - quando evidente o seu caráter infringente -, a aplicação do princípio da fungibilidade pressupõe a tempestividade dos embargos, que, nos termos do art. 619 do CPP, devem ser opostos no prazo de 2 (dois) dias. Precedente da Terceira Seção. 5. Na presente hipótese, os embargos foram protocolados passados mais de dois dias da publicação da decisão embargada, sendo, pois, intempestivos, o que impede a aplicação da fungibilidade para seu conhecimento como agravo regimental.
6. A interpelação judicial do art. 144 do CP cumpre a função de medida cautelar preparatória e facultativa, tendente a aparelhar e instruir futura e eventual ação penal condenatória pela prática de crimes contra a honra. 7. É pressuposto dessa interpelação que a ação imputada ao interpelado tenha o condão, desde o início, ao menos em tese, de se adequar à previsão típica de um dos crimes contra a honra.
8. A dubiedade que justifica a interpelação pode resultar do sentido da ofensa, bem como da vagueza de seus destinatários.
9. A dubiedade ou equivocidade deve, no entanto, possuir natureza objetiva, de forma que, se da manifestação interpelada não desponta qualquer liame entre pretenso ofensor e à honra do pretenso ofendido, não há dubiedade ou equívoco hábeis ao manejo do pedido de explicações. 10. Na hipótese dos autos, de um exame puramente processual, verifica-se que a manifestação transcrita na inicial não sugere objetivamente que o interpelante seria um dos que teriam participado de 'rachadinhas' na anterior gestão do Estado, o que evidencia a ausência de ligação entre a conduta concretamente determinada atribuível ao interpelado e a honra do interpelante.
11. Embargos de declaração não conhecidos e, caso superado, agravo regimental desprovido.
(EDcl na IJ 159/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2021, DJe 08/09/2021)
Por outro lado, conquanto dos fatos narrados não haja, aparentemente, dúvida a desafiar uma notificação, a ausência de manifestações que levem a uma ação penal privada retiram a competência deste Superior Tribuna de Justiça para apreciar esta interpelação.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM PET. NOTIFICAÇÃO JUDICIAL CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. NOTIFICAÇÃO A QUE SE NEGOU SEGUIMENTO POR SE TRATAR DE MATÉRIA CÍVEL, DETERMINANDO-SE A REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL COMPETENTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(AgRg na Pet 4.451/ES, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/06/2006, DJ 07/08/2006, p. 195)
Registre-se que, em caso semelhante, envolvendo as mesmas partes, idêntica solução foi adotada, declinando-se a competência em favor do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (IJ 174/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/12/2021, DJe 15/12/2021).
Ante o exposto, declina-se da competência em favor do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 18 de fevereiro de 2022.
MINISTRO JORGE MUSSI
Vice-Presidente