28 de Junho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Decisão Monocrática
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 160122 - SC (2022/0032768-6)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE : E F
ADVOGADOS : DIEGO PABLO DE CAMPOS MACIEL - SC037426 CRISTINE BOTEON SCHWANCK - SC056203
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por E. F. contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que denegou a ordem postulada no HC n. 5065763-82.2021.8.24.0000.
Depreende-se dos autos que foi instaurado inquérito policial para apurar a suposta prática, pelo recorrente, do crime de estupro de vulnerável em face de sua filha.
Segundo a inicial, houve o arquivamento do inquérito policial, devidamente homologado pelo Juízo de primeiro grau, contudo, após o surgimento de indícios novos do delito, o Ministério Público requereu o desarquivamento do feito para a oitiva da Psicóloga Maria Paula Souza da Silva.
Prossegue a defesa no sentido de que, com a oitiva, o Parquet novamente requereu o arquivamento do inquérito, porém, a causídica da vítima requereu a reinquirição, dessa vez, dos demais psicólogos e da atual guardiã da menor, tendo o Ministério Público opinado pela devolução dos autos para a autoridade policial para reinquirir a psicóloga e a vítima. O juízo de primeiro grau deferiu parte dos pedidos da assistente de acusação para que fossem ouvidas a irmã da menor e a psicóloga.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte local, apontando como autoridade coatora o Juízo da 2ª Vara da Comarca de Sombrio/SC, que acolheu o pedido de desarquivamento do inquérito policial e determinou a realização de novas diligências.
Em suas razões, a defesa "Sustentou, em síntese, que, embora o Inquérito Policial houvesse sido arquivado por ausência de materialidade delitiva, após a manifestação ilegítima do assistente de acusação, foi acolhido o desarquivamento dos
autos, mas sem que novas provas fossem apresentadas. Aduziu, ainda, que o prazo de
conclusão do inquérito policial extrapola o prazo previsto no art. 10 do Código de
Processo Penal. Argumentou, por fim, que a irmã da infante busca a protelação das
investigações a fim de manter o investigado sob permanente suspeita de estupro na ação
de guarda (autos 5000743142020.8.24.0087), influenciando o convencimento daquele
juízo em seu favor" (e-STJ fl. 85).
No entanto, em sessão de julgamento realizada no dia 27/1/2022, a 1ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, à unanimidade, denegou a
ordem, em acórdão assim ementado (e-STJ fl. 83):
HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL QUE APURA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONTRA DESCENDENTE (CP, ART. 217-A C/C ART. 226, II). PRETENDIDO TRANCAMENTO. (1) AUSÊNCIA DE NOVAS PROVAS. DESCABIMENTO. REABERTURA DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO QUE DEMANDA APENAS A EXISTÊNCIA DE NOTÍCIAS DE PROVAS NOVAS. EXERGESE DO ART. 18 DO CPP E VERBETE N. 524 DA SÚMULADO STF. (2) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. ILEGITIMIDADE. ATUAÇÃO DE TERCEIRO LIMITADA À INFORMAÇÃO DE NOVOS ELEMENTOS. PEDIDO DE DESARQUIVAMENTE FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE IEGALIDADE. (3) EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. PACIENTE QUE SE ENCONTRA EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE NOTÍCIA OU SEQUER ALEGAÇÃO DE AMEAÇA AO SEU DIREITO DE IR E VIR. CONTAGEM DOS PRAZOS QUE DEVE OBSERVAR O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARATERIZADO. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA.
No presente recurso ordinário, a defesa tem como objetivo o
desentranhamento das peças processuais protocoladas pela advogada da vítima para que
seja novamente arquivado o inquérito policial, ante o excesso de prazo para a formação
de culpa, considerando que as investigações se arrastam há mais de um ano, e a ausência
de novas provas, em razão dos pedidos protelatórios da assistente de acusação.
Ressalta a defesa que: "a assistente de acusação que atua no inquérito policial
também atua em autos de guarda (Autos nº 5000743142020.8.24.0087) da menor, na qual
figuram as mesmas partes do inquérito policial, investigações que têm sido fundamentais
para que a ação civil penda a seu favor até então" (e-STJ fl. 109).
Segundo a defesa, tratando-se de inquérito policial, não há prescrição legal
acerca do assistente de acusação, sendo a sua presença ilícita.
Ao final, pugna, liminarmente e no mérito, pela reforma do
acórdão impugnado, com o consequente desentranhamento das peças juntadas pela
assistente de acusação, bem como o trancamento do Inquérito Policial n. 5000852-48.2021.8.24.0069.
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 134/136).
As informações foram prestadas pelas instâncias ordinárias (e-STJ fls. 140/151
e 154/175).
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do presente recurso
ordinário, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 177):
PENAL. PROCESSO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PLEITO POR DESENTRANHAMENTO DE PEÇAS PROBATÓRIAS E TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DAS MEDIDAS NÃO DEMONSTRADA. INVESTIGADO SOLTO. PRAZO IMPRÓPRIO. DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS À SEGURA OPINIO DELICTI. PARECER POR DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.
É o relatório. Decido.
Busca-se, no presente recurso ordinário, o desentranhamento das peças
processuais requeridas pela representante da vítima, que teria atuado como verdadeira
assistente de acusação, bem como o arquivamento do inquérito policial no qual recorrente
é investigado, tendo em vista a ausência de novas provas, os pedidos protelatórios da
assistência de acusação e o excesso de prazo para o encerramento do inquérito policial.
De início, transcrevo o inteiro teor das informações prestadas pelo Juízo da 2ª
Vara da Comarca de Sombrio/SC, que resumidamente narrou o histórico processual do
caso em tela (e-STJ fls. 141/142):
Eminente Ministro, em 26.02.2021, distribuiu-se a esta Unidade Jurisdicional inquérito policial tendo como investigado o paciente, pela suposta prática do crime definido no art. 217-A do CP em face de [A. N. F.]
Em 26.02.2021, o Ministério Público postulou o arquivamento do inquérito policial, o que foi atendido em 05.03.2021.
Em 25.05.2021, o Ministério Público requereu a retomada das investigações, levantando-se o arquivamento promovido, o que fora acolhido em 27.05.2021, com a remessa dos autos de inquérito policial à delegacia de polícia para o cumprimento de diligências requisitadas pelo agente ministerial.
Em 11.06.2021, a defesa do paciente formulou pedido de diligências, o que deferido em 02.07.2021.
Em 21.09.2021, a vítima, por intermédio de advogada que constituiu, requereu diligências.
Em 30.09.2021, a defesa do paciente requereu o desentranhamento das peças apresentadas pela assistente de acusação, com o indeferimento dos requerimentos e arquivamento do procedimento policial.
Em 22.11.2021, despachou no seguinte sentido:
"O requerimento visando a realização de diligências no âmbito do inquérito policial pode ser dirigido à autoridade policial, assim
como à autoridade judicial, inclusive por procurador constituído pela pretensa vítima, o que em nada se confunde com a figura do assistente de acusação.
Indo adiante, indefiro o pedido constante do evento 59, posto que as pessoas referidas já apresentaram seu relato sobre os fatos, inclusive o psicólogo Norton atuou como perito no caso e elaborou laudo técnico (ev. 1, fls. 9-14).
Por fim, dada a gravidade das condutas atribuídas ao investigado e praticadas dentro do contexto familiar, bem como a possibilidade de novos elementos probatórios, intento prudente a oitiva de [E. N. R.], bem assim da psicóloga Natália Fabro, determinando à autoridade policial o cumprimento de tais diligências, que devem ser promovidas no prazo de 30 (trinta) dias.
Com o cumprimento das diligências, abra-se vista ao Ministério Público.
Oportunamente, voltem conclusos.
Cumpra-se".
O feito, por ora, aguarda o cumprimento das diligências determinadas. -negritei.
Em acréscimo, extrai-se das informações prestadas pela Corte local que (e-STJ
fls. 154/155):
Senhor Ministro,
Encaminho a V. Exa. as informações solicitadas no RHC n. 160.122/SC, interposto por E. F, em que requereu, em epítome, o desentranhamento das peças juntadas pela assistente de acusação, bem como o trancamento do Inquérito Policial, diante de alegada ausência probatória e de suposto excesso de prazo para a conclusão das investigações.
Nos autos do Inquérito Policial n. 5000852-48.2021.8.24.0069, em que se apura a prática do delito disposto no art. 217-A do Código Penal, supostamente perpetrado pelo aqui insurgente, o Magistrado, em 5 de março de 2021, acolheu a promoção do representante do Ministério Público, e determinou o arquivamento do processo, por ausência de justa causa (docs. 1 e 2).
Em seguida, em 27 de maio de 2021, diante de novo elemento informativo, determinou-se o desarquivamento do inquérito policial e a realização de diligências (doc. 3).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus neste Tribunal de Justiça (autos n. 5065763-82.2021.8.24.0000), no qual postulou aquilo que é aqui deduzido. Ao examinar a questão a Primeira Câmara Criminal decidiu, em 27 de janeiro do ano em curso, por unanimidade, denegar a ordem. Apontou o Colegiado pela legalidade do desarquivamento do Inquérito, em virtude de superveniência de notícias de outras provas. Consignou inexistente o suposto excesso de prazo, sobretudo porque os prazos de encerramento do inquérito e para o oferecimento da denúncia seriam impróprios, além de o agente se encontrar em liberdade, não havendo alegação de ameaça ao seu direito de ir e vir (doc. 4).
Contra esta decisão, foi interposto o presente Recurso Ordinário.
Não foram praticados outros atos. - negritei.
Pois bem.
No que tange à alegada demora para a conclusão das investigações, sabe-se
que: O excesso de prazo não pode ser estimado de modo meramente aritmético, devendo
ser considerado em razão das peculiaridades de cada caso (HC 326.903/RO, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 10/12/2015, DJe de
17/12/2015).
Ademais: Salvo quando o investigado estiver preso cautelarmente, a
inobservância do lapso previsto no artigo 10 do Código de Processo Penal para a
conclusão do inquérito não possui repercussão prática, estando-se diante de prazo
impróprio. Doutrina. Precedente (AgRg no RHC 124.661/CE, Rel. Ministro JORGE
MUSSI, Quinta Turma, julgado em 28/4/2020, DJe de 4/5/2020).
Nesse sentido, encontra-se em harmonia com o entendimento jurisprudencial
do STJ a fundamentação lançada pela Corte de origem, no julgamento do acórdão ora
impugnado, no sentido de que: "tanto os prazos de encerramento do inquérito quanto para
o oferecimento da denúncia, previstos, respectivamente, nos arts. 10 e 46, ambos do
Código de Processo Penal, são, segundo conceituado pela doutrina e pela jurisprudência,
prazos impróprios, cuja inobservância, tratando-se de investigado solto, não acarreta
nulidade alguma, quando muito mera irregularidade, sem implicar na configuração de
constrangimento ilegal" (e-STJ fl. 93).
No mesmo sentido, confira-se o seguinte julgado, de minha relatoria:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR. REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. INQUÉRITO POLICIAL. DILAÇÃO RAZOÁVEL. INVESTIGADOS SOLTOS. PRAZO IMPRÓPRIO. DURAÇÃO RAZOÁVEL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A constatação de eventual excesso de prazo para conclusão do inquérito ou mesmo do processo não resulta de mera operação matemática. Neste caso, o procedimento de investigação se destina a apuração de fatos complexos e que podem envolver agentes públicos e a prática de outros crimes, além dos relatados, justificando-se, assim, a necessidade de mais prazo para a conclusão das diligências.
3. Não se pode descurar, outrossim, que o prazo para conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto, é impróprio, podendo, portanto, ser prorrogado a depender da complexidade das investigações, não havendo se falar em violação ao princípio da razoável duração do processo. 4. O trancamento de inquérito pela via mandamental depende da constatação, de plano, da atipicidade da conduta ou da existência de excludente de ilicitude ou de culpabilidade, ou, ainda, que se constate causa extintiva da
punibilidade. Nenhuma dessas situações se constata na hipótese vertente, pois os fatos narrados apontam para a materialidade das condutas delitivas e oferecem subsídios mínimos indicativos da autoria, de modo que não se pode afirmar ser descabido o indiciamento dos ora pacientes, frustrando, assim, o prosseguimento da investigação.
5. Habeas corpus não conhecido. Recomenda-se, no entanto, sejam concluídas as diligências com a maior brevidade possível, evitando que o prazo de conclusão do inquérito policial desborde os limites da razoabilidade.
(HC 522.034/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 9/12/2019) - negritei.
Sobre o procedimento do desarquivamento do inquérito policial realizado no
caso, observa-se que a fundamentação apresentada pela Corte local não merece reparos,
pois encontra-se em consonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte
Superior sobre o tema, em especial diante do surgimento de novas provas (prova oral
colhida nos autos da Ação Cível n. 5003255-24.2020.8.24.0069), o que possibilitou a
reabertura do procedimento investigativo.
Veja-se (e-STJ fls. 86/93):
Extrai-se dos autos que, em 11 de maio de 2020, o Conselho Tutelar da cidade Balneário Gaivota recebeu informações de [E. N. R] dando conta da suposta prática delito tipificado no art. 217-A, caput, do Código Penal, em tese, perpetrado por [E. F.] em face de [A. N. F.], respectivamente, padrasto e irmã da comunicante.
Por essa razão, instaurou-se o referido inquérito policial na comarca de Sombrio.
Após a realização das diligências investigatórias, a autoridade policial concluiu pelo não indiciamento do investigado, e o Magistrado de primeiro grau, acolhendo manifestação ministerial, determinou o arquivamento do Inquérito Policial nos seguintes moldes: "Homologo a promoção de arquivamento do Ministério Público, valendo-me dos fundamentos lá sufragados, com as ressalvas do art. 18 do CPP." (evento 7 dos autos originários, em 5-3-2021).
A promoção ministerial tem o seguinte teor:
[...]
Após, sobreveio petição do causídico da irmã da vítima, informando existirem novas provas da ocorrência do delito produzidas em processo cível de guarda, não analisadas no presente feito (evento 9). Nessa senda, pugnou pelo desarquivamento do feito e pela baixa do caderno indiciário à autoridade policial para realização de novas diligências, notadamente, oitiva de parentes da infante e de psicólogos que lhe atenderam sobre estes fatos (evento 15 dos autos originários)
Em razão de novo elemento de informação não apurado no feito , consistente no depoimento da psicóloga Maria Paula Souza da Silva, nomeada pelo Juízo da Comarca de Lauro Muller/SC, nos autos da Ação Cível 5003255-24.2020.8.24.0069, o Ministério Público postulou o levantamento do arquivamento homologado no evento 7, para a realização de diligências complementares, ao que, adianta-se, a autoridade policial deu cumprimento no evento 57 daqueles autos.
Confira-se a decisão judicial que, deferindo o requerimento feito pelo órgão
ministerial estadual, determinou o desarquivamento do procedimento, em 27-5-2021:
"Diante do novo elemento informativo juntado no ev. 9, retomo o andamento do inquérito policial, na forma dos permissivos constantes no art. 18 do CPP e súmula n.524 do STF.
Em consequência, determino a remessa dos autos à delegacia de polícia de origem para a promoção da diligência requisitada pelo Ministério Público no ev. 17, em sessenta dias[...]" (evento 19). (grifouse)
A defesa, então, peticionou requerendo a oitiva também da psicóloga Suzelei Albino Rinaldi, que foi quem realizou o atendimento aos envolvidos e apresentou o laudo anexado no inquérito policial (evento 31). O Ministério Público não se opôs ao pleito, por entender estar amparado no art. 14, caput, do Código de Processo Penal (evento 36). Todavia, referida diligência não foi cumprida.
A advogada de [E. N. R] postulou a oitiva de novas testemunhas, a saber: do Psicólogo Policial Norton Mayer, e da Psicóloga Grasiane Langer (evento 59). Por sua vez, o novo procurador do investigado requereu o desentranhamento das peças formuladas pelo assistente de acusação e o arquivamento do procedimento investigatório (evento 62).
O Ministério Público manifestou-se pelo o arquivamento dos autos, pois, mesmo após a análise das novas provas produzidas, não houve modificação no conjunto probatório a ponto de autorizar o oferecimento da denúncia, aduzindo que (evento 70):
[...]
Antes que houvesse a manifestação pelo Juízo acerca do arquivamento , sobreveio nova petição de [E. N. R], por intermédio de sua procuradora, reiterando o pedido anterior de diligência, bem como a sua oitiva, da criança e da sua atual psicóloga (evento 72).
A acusação manifestou-se pelo indeferimento da oitiva do psicólogo Norton Mayer e da Psicóloga Grasiane Langer, porque o primeiro atuou como perito no caso e elaborou um estudo completo no laudo constante do evento 1 (fls. 9-14), e a segunda foi ouvida recentemente, conforme evento 66 (vídeo 1). Mas, requereu, na forma do art. 16 do Código de Processo Penal, que o procedimento fosse devolvido à autoridade policial, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, sejam realizadas as seguintes diligências: a oitiva de [E. N. R] e da Psicóloga Natália Fabro.
A defesa impugnou os pedidos, novamente requerente o desentranhamento das peças formuladas pelo assistente de acusação e o arquivamento do procedimento investigatório. Em seguida, o Juízo a quo proferiu a seguinte
decisão:
O requerimento visando a realização de diligências no âmbito do inquérito policial pode ser dirigido à autoridade policial, assim como à autoridade judicial, inclusive por procurador constituído pela pretensa vítima, o que em nada se confunde com a figura do assistente de acusação.
Indo adiante, indefiro o pedido constante do evento 59, posto que as pessoas referidas já apresentaram seu relato sobre os fatos, inclusive o psicólogo Norton atuou como perito no caso e elaborou laudo técnico (ev. 1, fls. 9-14). Por fim, dada a gravidade das condutas atribuídas ao investigado e praticadas dentro do contexto familiar, bem como a possibilidade de novos elementos probatórios, entendo prudente a oitiva de [E. N. R], bem assim da psicóloga Natália Fabro, determinando à autoridade policial o cumprimento de tais diligências, que devem ser promovidas no prazo de 30 (trinta) dias. (evento 75)
No que tange à tese de desarquivamento do inquérito sem novas provas, o Código de Processo Penal, em seu artigo 18, dispõe que: depois de ordenado
o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
Em outras palavras, o dispositivo legal prevê que a reabertura do procedimento inquisitivo pode ser realizada se surgirem novas provas posteriormente, porquanto a decisão de arquivamento, cuja fundamentação contemple a hipótese de insuficiência de base para a denúncia, não gera coisa julgada material.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou o verbete sumular 524: arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas. Aqui, é necessário fazer uma sutil distinção sobre o art. 18 do CPP e o disposto no enunciado n. 524 da súmula da jurisprudência do STF. O dispositivo processual trata de notícia de prova nova para desarquivamento do inquérito, enquanto o entendimento sumulado trata da existência de prova nova (não meras notícias) como condição para a propositura da ação penal.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOQUALIFICADO. DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. ART. 18 DO CPP. NOTÍCIAS DE NOVAS PROVAS. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. ART. 226 DOCPP. RECOMENDAÇÃO LEGAL. NULIDADE NÃO IDENTIFICADA. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A decisão judicial que arquiva o inquérito policial não faz coisa julgada e erigida pela cláusula rebus sic stantibus, de modo que poderá ser revista se houver notícias de novas provas, nos termos do art. 18 do CPP. Este dispositivo legal não se confunde com a Súmula n. 524 do STF, a qual se refere ao oferecimento da denúncia e requer a efetiva existência de novas provas que possibilitem a aferição de justa causa do processo-crime para o recebimento da inicial.
[...].
6. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 1.648.540/RO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 8/ 9/2020, v. u.) (grifou-se).
[...]
A doutrina esclarece que
[...] o arquivamento por falta de lastro probatório é uma decisão tomada com base na cláusula rebus sic stantibus, ou seja, mantido os pressupostos fáticos que serviram de amparo ao arquivamento, esta decisão deve ser mantida; modificando-se o panorama probatório, é possível o desarquivamento do inquérito policial. Porém, para que seja possível o desarquivamento, é necessário que surjam notícias de provas novas. [...] De acordo com o art. 18 do CPP, depois de arquivado o inquérito por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícias. Por questões práticas, como os autos do inquérito policial ficam arquivados perante o Poder Judiciário, tão logo tome conhecimento da notícia de provas novas, deve a autoridade policial representar ao Ministério Público, solicitando o desarquivamento físico dos autos para que possa proceder a novas investigações. [...]Diante da notícia de prova nova a ele encaminhada, seja pela autoridade policial, seja por terceiros, deve promover o desarquivamento, solicitando à autoridade judiciária o desarquivamento físico dos autos. Caso haja dificuldade no desarquivamento físico dos autos do inquérito policial, nada impede que o Ministério Público requisite a instauração de outra investigação
policial. [...] (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal, 1ª Edição, Ed. Impetus, p. 126-128). (grifou-se).
Dessa forma, "depois do arquivamento do inquérito por falta de materialidade delitiva, a persecução investigativa somente pode ter seu curso retomado com o surgimento de novas provas. E, por novas provas, há de se entender aquelas já existentes, mas não trazidas à investigação ao tempo em que realizada, ou aquelas franqueadas ao investigador ou ao Ministério Público após o desfecho do inquérito policial, exatamente o caso dos autos" (AgRg no RHC 34.252/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, j. em 3/10/2013, v. u.).
Sendo assim, a reabertura do inquérito policial previamente arquivado fica adstrito à aparição de notícias de novas provas, que, no caso em análise, consistiu na prova oral colhida nos autos da Ação Cível 5003255-24.2020.8.24.0069, notadamente o depoimento da psicóloga Maria Paula Souza da Silva.
Registra-se que não se está a dizer se as declarações configuram ou não efetiva existência de novas provas, que possibilitem a aferição de justa causa para o oferecimento de denúncia, mas tão somente que, de fato, houve a superveniência de notícias de outras provas - elementos obtidos após o desfecho do inquérito -, tornando apta a reabertura do procedimento investigatório. - Negritei.
Destaca-se, ainda, que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em
sede de habeas corpus e de recurso ordinário em habeas corpus é medida excepcional, só
admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame
valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa
extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da
materialidade do delito.
Da leitura do voto condutor do acórdão impugnado, não há que se falar em
trancamento do inquérito policial instaurado contra o recorrente, pois não se vislumbra
estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da
persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as
quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente.
Por fim, não há razão para que se atenda ao pedido de desentranhamento de
peças, pois se trata de requerimento protocolizado pela irmã da ofendida solicitando
novas investigações.
No ponto, colhe-se do parecer ministerial que (e-STJ fl. 179): ao contrário do
alegado pela defesa, não há razão para o desentranhamento das provas requeridas pela
representante da vítima (irmã e detentora de sua guarda), tendo em vista que o pedido de
sua produção poderia ter sido feito por qualquer pessoa que apresentasse qualquer
elemento que pudesse ajudar a esclarecer os fatos, não se tratando, portanto, de
assistência de acusação em inquérito policial.
Além disso, no caso, não há falar em atuação de assistente de acusação na fase
policial, conforme destacou o Tribunal de origem (e-STJ fl. 93):
É verdade ser inadmissível a intervenção do assistente de acusação na fase inquisitorial, o que somente poderá ocorrer após o recebimento da denúncia, quando então se instaura a ação penal, conforme dispõe o art. 268 do Código de Processo Penal(vide: Apelação Criminal 0005197-14.2019.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 14/10/2021,v. u.). Entretanto, como visto, a notícia de prova nova pode ser encaminhada à autoridade policial ou ao Ministério Público por qualquer pessoa, o que inclui a irmã da ofendida.
A peticionante não foi habilitada nos autos como assistente de acusação e suas manifestações foram submetidas ao Ministério Público, que é o destinatário do resultado das investigações na hipótese de crimes de ação penal pública incondicionada, na condição de titular do direito de ação, sendo que o pedido de desarquivamento foi efetivamente apresentado por ele.
Ademais, "importante lembrar que as garantias constitucionais do acesso à Justiça e do duplo grau de jurisdição devem ser asseguradas indistintamente, seja em relação ao acusado e ao Ministério Público, seja quanto ao ofendido." Ou seja, "não se pode privar a vítima, que efetivamente sofreu, como sujeito passivo do crime, o gravame causado pelo ato típico e antijurídico, de qualquer tutela jurisdicional, sob pena de ofensa às garantias constitucionais do acesso à justiça e do duplo grau de jurisdição" (STJ, HC123.365/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, Sexta Turma, julgado em 22/06/2010) - Negritei.
Por fim, destaca-se do voto condutor que (e-STJ fls. 93/94): [...] não se olvida
que, desde o seu desarquivamento, o inquérito na origem tramita além do prazo previsto
no art. 10 do CPP, que dispõe, no caso de investigado solto, o prazo de 30 dias para seu
encerramento. [...] Não bastasse, o prazo o prazo final para conclusão da diligência
outrora determinada já se avizinha (2/2/2022), sendo lícito deduzir que o procedimento
investigatório está na iminência de ser concluído.
Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário em habeas
corpus.
Intimem-se.
Brasília, 03 de março de 2022.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator