2 de Julho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1987891 SP 2022/0056478-4 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Decisão Monocrática
RECURSO ESPECIAL Nº 1987891 - SP (2022/0056478-4)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RECORRIDO : ADAO APARECIDO VEIGA
ADVOGADO : FABIO EDUARDO DE LAURENTIZ - SP170930
EMENTA
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APLICABILIDADE DO CPC/2015. ARTS. 11, 489, II, § 1º, IV, E 1.022, I E II, § ÚNICO, DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. EMPREGADO RURAL. LAVOURA DA CANA-DE-AÇÚCAR. EQUIPARAÇÃO. CATEGORIA PROFISSIONAL. ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRF da 3ª Região, assim ementado (e-STJ Fl.377):
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHO NA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. ATIVIDADE PENOSA. CABIMENTO. EXPOSIÇÃO AO AGENTE AGRESSIVO RUÍDO.
- Configurado o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar, cabível seu enquadramento como especial, ante a penosidade da função. Precedentes desta Corte.
- Cabível o enquadramento em razão da comprovação da sujeição do autor a ruído considerado, à época, prejudicial à saúde, isto é, acima de 90 dB (A) [entre 01/01/1999 e 18/11/2003] e acima de 85 dB(A) [a contar de 19/11/2003].
- Possível o reconhecimento do labor especial nos intervalos de 08/01/1979 a 17/06/1982 e de 01/01/1999 a 20/05/2008, com a condenação do INSS a proceder ao recálculo da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da parte autora.
- O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão e, consequentemente, do pagamento dos valores atrasados, deve ser fixado a contar da data de início do benefício concedido pelo INSS (20/05/2008), observada a prescrição quinquenal, conforme determinado pela r. sentença, em harmonia com a jurisprudência do c. STJ. Precedente.
- Juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
- Apelo da parte autora provido.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Embargos de declaração opostos pelo INSS e por Adão Aparecido Veiga, tendo sido os da Autarquia rejeitados e os do segurado dado provimento, conforme ementa (e-STJ Fl.445-446):
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. VERBA HONORÁRIA. MAJORAÇÃO RECURSAL. CONTRADIÇÃO/OMISSÃO SANADA. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. CORTE E CARPA DE
CANA-DE-AÇÚCAR. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO/OBSCURIDADE/OMISSÃO.
- Merecem acolhimento os embargos opostos pela parte autora.
- De fato, em seu apelo o INSS pugnou pela reforma da r. sentença, a fim de que fosse determinada a atualização das diferenças pela aplicação da TR.
- A decisão embargada explicitou os critérios de incidência dos consectários, estabelecendo que sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Na realidade, o recurso da Autarquia restou totalmente improcedente.
- Majorada a verba honorária devida pelo INSS para 12% sobre as parcelas vencidas até a data da r. sentença.
- Nos estreitos lindes estabelecidos na lei de regência, os embargos de declaração não se prestam à alteração do pronunciamento judicial quando ausentes os vícios listados no art. 1.022 do NCPC, tampouco se vocacionam ao debate em torno do acerto da decisão impugnada, competindo à parte inconformada lançar mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do ato judicial.
- A decisão embargada foi clara ao consignar a possibilidade de reconhecimento do labor especial no lapso de 08/01/1979 a 17/06/1982, tendo em vista a comprovação do trabalho do requerente no corte e carpa de cana-de-açúcar.
- Incabíveis embargos declaratórios com o fim precípuo de prequestionar a matéria, sendo necessário demonstrar a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 1.022 do NCPC. Precedentes.
- Embargos de declaração opostos pela parte autora acolhidos.
- Embargos de declaração do INSS rejeitados.
No recurso especial, a parte recorrente alega inicialmente violação dos arts. 11, 489, II, § 1º, IV, e 1.022, incisos I e II, § único, do CPC/2015, argumentando, em síntese, que houve omissão e negativa de prestação jurisdicional, porquanto "não foi apreciada pela Corte de origem a tese levantada pelo embargante acerca da impossibilidade do enquadramento como especial por categoria profissional do período em que a parte autora trabalhou na lavoura de cana de açúcar, por ser uma atividade exclusiva de agricultura, enquanto o item 2.2.1 do Decreto 53.831/64, exige a atividade de agricultura e pecuária. Dessa forma, a Corte de Origem não apreciou o sentido e alcance do artigo 57, caput e parágrafo 3° da Lei 8213/91, antes da Lei 9032/95, combinado com o item 2.2.1 do Decreto 53.831/64, deixando de fundamentar o acórdão e de fazer constar as questões fáticas probatórias." (e-STJ Fl.465).
No mérito, sustenta que o aresto impugnado contrariou os arts. 31 da Lei n. 3.807/60, combinado com o Decreto n. 53.831/64, Decreto n. 83.080/79, 57 §§ 3º e 4º, e 58, caput, §§ 1º ao 4º, da Lei n. 8.213/91, alegando, em suma, o seguinte: (a) a atividade na lavoura de cana de açúcar não foi contemplada nesses Decretos, seja por categoria profissional, por penosidade ou por suposta exposição à agente nocivo, sendo que para o agente nocivo precisava comprovar, por meio de formulário, a efetiva exposição; (b) "a jurisprudência do STJ no sentido de que o Decreto nº 53.831/64, no seu item 2.2.1, considera como insalubre somente os serviços e atividades profissionais desempenhados na agropecuária, a qual envolve a atividade mútua de agricultura e pecuária, não se enquadrando por categoria profissional a atividade laboral exercida apenas na lavoura, como é o caso do corte de cana de açúcar" (e-STJ Fl.472).
Com contrarrazões.
Juízo positivo de admissibilidade às fls. (e-STJ Fl.527-528).
É o relatório. Passo a decidir.
Consigne-se inicialmente que o recurso foi interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
Registre-se também que é possível ao Relator dar ou negar provimento ao recurso em decisão monocrática, nas hipóteses em que há jurisprudência dominante quanto ao tema, como autorizado pelo art. 34, XVIII, do RISTJ e pela Súmula 568/STJ.
Na hipótese dos autos, cinge-se a controvérsia em definir se o trabalho rural na lavoura de cana de açúcar, antes do advento da Lei n. 9.032/95, dá ensejo à contagem especial de tempo de serviço, tendo em vista que antes da edição da Lei n. 9.032/95, o reconhecimento de trabalho em condições especiais ocorria por enquadramento e os os anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 listavam as categorias profissionais que estavam sujeitas a agentes físicos, químicos e
biológicos, considerados prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado.
Preliminarmente, quanto à alegada afronta aos artigos 489, II, § 1º, IV, e 1.022 do CPC/2015, a partir da simples leitura do acórdão embargado, observa-se que a prestação jurisdicional, certa ou errada, foi dada na medida da pretensão deduzida, uma vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou, fundamentadamente, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.
Ademais, cabe-nos ainda ressaltar que a jurisprudência deste Superior Tribunal é firme no sentido de que "o julgador não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos invocados pelas partes quando, por outros meios que lhes sirvam de convicção, tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. As proposições poderão ou não ser explicitamente dissecadas pelo magistrado, que só estará obrigado a examinar a contenda nos limites da demanda, fundamentando o seu proceder de acordo com o seu livre convencimento, baseado nos aspectos pertinentes à hipótese sub judice e com a legislação que entender aplicável ao caso concreto" (AgInt no AREsp 1.344.268/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14/2/2019). Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1.689.834/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10/09/2018; AgInt no AREsp 1.653.798/GO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 03/03/2021; AgInt no AREsp 753.635/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 01/07/2020; AgInt no REsp 1.876.152/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 11/02/2021.
No que tange ao mérito, verifica-se que o Tribunal de origem decidiu a controvérsia reconhecendo o direito do ora recorrido à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição/especial, computando, para tanto, períodos laborados em condições nocivas à sua saúde. Na parte que interessa para a solução desta lide, reconheceu o acórdão:
[...]
1-) de 08/01/1979 a 17/06/1982.
Empregador: JOSÉ WALDOMIRO BOVERIO e JOSÉ FRANSCISCO BARATELA/FAZENDA SANTA CECÍLIA (AGROPECUÁRIA).
Atividade profissional: “Trabalhador Braçal”
Descrição das atividades: Segundo apurado pelo Sr. Perito Judicial, as atividades do autor consistiam em “Realizar a colheita da cana manual (fornecedor de cana para usina); fazia o corte da cana de forma com o uso de facão/podão; atividade consiste em cortar a cana rente ao solo, cortar as ponteiras e disponibilizar em leiras para a posterior coleta, seja na cana queimada para produção ou na palha para plantio; trabalhava no plantio fazendo o corte de cana manual para muda (plantio), fazia o plantio da cultura dispondo os gomos nos sulcos de terra para plantar, etc; realizava os serviços denominados de diária, fazendo a carpa de ervas daninhas na lavoura com uso de enxadas arrancando capim colonião, etc”
Prova(s): CTPS Id. 67516309 - p. 46 e Laudo Técnico Judicial Id. 67516343 - p. 01/18.
Conclusão: Enquadramento no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64 que elenca a categoria profissional dos trabalhadores na agropecuária como insalubre. Cabível o enquadramento de todo o intervalo em questão, por se tratar de função extremamente penosa, nos moldes da jurisprudência deste E. Tribunal, que tem reconhecido a especialidade do trabalho de corte e carpa de cana-de-açúcar, conforme se verifica dos seguintes julgados: -e-STJ Fls.372-373.
[...]
Todavia, quanto ao ponto, o acórdão recorrido destoou da orientação firmada na Primeira Seção deste STJ que, ao enfrentar caso análogo ao dos presentes autos, acolheu o pedido de uniformização de jurisprudência para fazer prevalecer o entendimento jurisprudencial pacífico deste STJ no sentido de que "o trabalhador rural (seja empregado rural ou segurado especial) que não demonstre o exercício de seu labor na agropecuária, nos termos do enquadramento por categoria profissional vigente até a edição da Lei 9.032/1995, não possui o direito subjetivo à conversão ou contagem como tempo especial para fins de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição ou aposentadoria especial".
A propósito, confira:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. EMPREGADO RURAL. LAVOURA DA CANA-DEAÇÚCAR. EQUIPARAÇÃO. CATEGORIA PROFISSIONAL. ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DECRETO 53.831/1964. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Trata-se, na origem, de Ação de Concessão de Aposentadoria por Tempo de Contribuição em que a parte requerida pleiteia a conversão de tempo especial em comum de período em que trabalhou na Usina Bom Jesus (18.8.1975 a 27.4.1995) na lavoura da cana-de-açúcar
como empregado rural.
2. O ponto controvertido da presente análise é se o trabalhador rural da lavoura da cana-deaçúcar empregado rural poderia ou não ser enquadrado na categoria profissional de trabalhador da agropecuária constante no item 2.2.1 do Decreto 53.831/1964 vigente à época da prestação dos serviços.
3. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC (Tema 694 - REsp 1398260/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5/12/2014).
4. O STJ possui precedentes no sentido de que o trabalhador rural (seja empregado rural ou segurado especial) que não demonstre o exercício de seu labor na agropecuária, nos termos do enquadramento por categoria profissional vigente até a edição da Lei 9.032/1995, não possui o direito subjetivo à conversão ou contagem como tempo especial para fins de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição ou aposentadoria especial, respectivamente. A propósito: AgInt no AREsp 928.224/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 8/11/2016; AgInt no AREsp 860.631/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/6/2016; REsp 1.309.245/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/10/2015; AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 13/3/2013; AgRg no REsp 1.217.756/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 26/9/2012; AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 9/11/2011; AgRg no REsp 1.208.587/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 909.036/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 12/11/2007, p. 329; REsp 291. 404/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 2/8/2004, p. 576.
5. Pedido de Uniformização de Jurisprudência de Lei procedente para não equiparar a categoria profissional de agropecuária à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-açúcar.
(PUIL 452/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 14/06/2019).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. EMPREGADO RURAL. LAVOURA DA CANA-DE-AÇÚCAR. EQUIPARAÇÃO. CATEGORIA PROFISSIONAL. ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DECRETO 53.831/1964. IMPOSSIBILIDADE.
1. No julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei 452/PE, o STJ firmou o entendimento no sentido de não ser possível equiparar a categoria profissional de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo ao Decreto 53.831/1964, à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-açúcar.
2. Assim, incabível o reconhecimento da atividade especial do trabalhador da lavoura de cana com base na categoria profissional.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1.950.261/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17/12/2021)
Desse modo, merece ser reformado o acórdão recorrido quanto ao ponto, por estar em desconformidade com o entendimento jurisprudencial acima aludido.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe parcial provimento , para afastar a equiparação da categoria profissional de agropecuária à atividade exercida pelo autor, no cultivo e corte de cana de açúcar.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 25 de abril de 2022.
Ministro Benedito Gonçalves
Relator