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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 832.370 - MG (2006/0060802-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A
ADVOGADOS : IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO E OUTRO (S) THIAGO LUIZ BLUNDI STURZENEGGER
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO - ANDEC
ADVOGADO : ANA BEATRIZ RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO (S)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. ACÓRDÃO QUE, POR MAIORIA, REFORMA SENTENÇA TERMINATIVA E ADENTRA O JULGAMENTO DO MÉRITO. CABIMENTO.
- Nem sempre é meramente terminativo o acórdão que julga apelação contra sentença terminativa, eis que, nos termos do § 3º do art. 515, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.
- Se apenas o Tribunal julga o mérito, não se aplica o critério de dupla sucumbência, segundo o qual a parte vencida por um julgamento não-unânime em apelação não terá direito aos embargos infringentes se houver sido vencida também na sentença.
- Assim, em respeito ao devido processo legal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistematicamente com o restante do CPC, em especial o § 3º do art. 515, admitindo-se os embargos infringentes opostos contra acórdão que, por maioria, reforma sentença terminativa e adentra a análise do mérito da ação.
- Aplica-se à hipótese, ainda, a teoria da asserção, segundo a qual, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão.
- A natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva. Portanto, entendida como de mérito a sentença proferida nos autos, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente,
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ocasionalmente, o Sr. Ministro Castro Filho.
Brasília (DF), 02 de agosto de 2007.(data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
Documento: 707163 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 13/08/2007 Página 2 de 9
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RECURSO ESPECIAL Nº 832.370 - MG (2006/0060802-1)
RECORRENTE : UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A
ADVOGADO : IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO E OUTRO (S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO - ANDEC
ADVOGADO : ANA BEATRIZ RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO (S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S.A., com fundamento no art. 105, III, a e c da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/MG.
Ação : declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, cumulada com repetição de indébito e pedido de liminar, ajuizada pela ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO – ANDEC, ora recorrida, em desfavor do recorrente, pleiteando a declaração de nulidade de “todas as cláusulas abusivas e potestativas dos contratos celebrados entre as partes, notadamente aquelas que tratam sobre multas, juros, correção monetária, comissão de permanência e demais encargos extorsivos ” (fls. 20), com a repetição em dobro do indébito, bem como a nulidade das notas promissórias assinadas em branco e/ou cheques emitidos como garantia das operações realizadas.
O pedido de liminar para que a instituição financeira se abstivesse de incluir o nome dos devedores em cadastros de proteção ao crédito foi indeferido pelo juiz, “pela ausência de produção de prova inequívoca nos autos, dos fatos arrolados na inicial ” (fls. 138/140).
Sentença : julgou extinto o processo, sem o julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, por considerar a recorrida carecedora de ação em virtude de sua ilegitimidade ativa ad causam (fls. 237/248).
Acórdão : o Tribunal a quo deu provimento ao apelo da recorrida (fls. 255/261), nos termos do acórdão (fls. 286/328) assim ementado:
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CONTRATUAIS – LEGITIMIDADE ATIVA – INTERESSE DE AGIR – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – JUROS – LIMITAÇÃO LEGAL A 12% AO ANO – DECRETO 22.626/33 – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – EMISSÃO DE CAMBIAIS EM BRANCO – VEDAÇÃO – VOTO PARCIALMENTE VENCIDO ”.
Embargos infringentes : opostos pela recorrente (fls. 330/343), não foram conhecidos pelo TJ/MG (fls. 375387), sob o argumento de que “tendo a decisão de primeira instância extinguido o feito sem a análise de seu mérito, inadmissível a interposição de embargos infringentes em consonância com o art. 530, CPC ”.
Recurso especial : alega a recorrente em suas razões (fls. 392/402) que o acórdão hostilizado ofendeu o art. 530 do CPC e divergiu da jurisprudência de outros Tribunais, ao não conhecer dos embargos infringentes.
Prévio juízo de admissibilidade : após a apresentação de contra-razões (fls. 438/442), a Presidência do Tribunal a quo não admitiu o recurso especial (fls. 444/445), dando azo à interposição, pelo recorrente, de agravo de instrumento, ao qual dei provimento (fls. 448) para determinar a subida dos autos principais.
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 832.370 - MG (2006/0060802-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A
ADVOGADO : IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO E OUTRO (S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO - ANDEC
ADVOGADO : ANA BEATRIZ RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO (S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a controvérsia a determinar o cabimento de embargos infringentes contra acórdão que, por maioria, reforma sentença extintiva da ação por ilegitimidade de parte e adentra o julgamento do mérito.
Inicialmente, destaco que os acórdãos alçados a paradigma pelo recorrente não se prestam à demonstração do dissídio jurisprudencial, posto que a matéria neles versada não guarda semelhança com aquela discutida na presente ação.
Com efeito, a despeito dos referidos julgados terem apreciado o cabimento de embargos infringentes, no REsp 503.073/MG (4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 06.10.2003) houve sentença de improcedência do pedido, tendo o Tribunal de origem extinguido o processo pela carência da ação; enquanto no EREsp 276.107/GO (Corte Especial, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 25.08.2003) os infringentes foram opostos contra decisão proferida em sede de agravo de instrumento em que foi examinado o mérito da controvérsia.
Portanto, ausente a similitude fática entre os acórdãos, não há como conhecer do especial com base na alínea c do permissivo constitucional.
No que tange à negativa de vigência a Lei Federal, dispõe o art. 530 do CPC que “cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o
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desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência ”.
De acordo com o Tribunal a quo, “a literalidade do dispositivo legal supra transcrito retrata a existência de um impedimento incontornável ao conhecimento do recurso, pois somente são cabíveis, dentre outras hipóteses, quando o acórdão embargado houver reformado a sentença de mérito ” (fls. 381).
De fato, a atual redação do art. 530, dada pela Lei nº 10.352/01, passou a fazer referência expressa à reforma de “sentença de mérito ”, de sorte que, uma análise isolada e apriorística do dispositivo legal indica a intenção – ao menos aparente – do legislador, de excluir do rol de acórdãos suscetíveis de embargos infringentes aqueles decorrentes de apelações contra sentenças terminativas.
Argumentar-se-ia, nesse sentido, que, a teor do que estabelece o art. 268 do CPC, o trânsito em julgado de uma sentença terminativa não impede a parte de retornar a juízo com igual pretensão, instaurando um novo processo, motivo pelo qual não estaria havendo nenhuma violação do direito de acesso à justiça, tampouco negativa de prestação jurisdicional.
Entretanto, há de se levar em consideração que nem sempre é meramente terminativo o acórdão que julga apelação contra sentença terminativa , eis que, nos termos do § 3º do art. 515, cuja redação atual, aliás, foi dada também pela Lei nº 10.352/01, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento ”.
Como se vê, é possível, com base no permissivo do art. 515, § 3º, que o acórdão que decide apelação contra sentença terminativa adentre a análise do mérito e, por via de conseqüência, produza coisa julgada material, impedindo a parte de tornar a juízo com a mesma pretensão.
Nessa circunstância, restaria prejudicado o critério de dupla sucumbência adotado pelo próprio art. 530 do CPC, conforme previsto na exposição de motivos da Lei nº 10.352/01: “pareceu, no entanto, altamente conveniente reduzir tal recurso (que, ao final, implica em reiteração da apelação!) aos casos: a) em que o acórdão não-unânime tenha reformado a sentença; volta-se, destarte, ao sistema previsto originalmente no Código Processual de
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1939. Com efeito, se o acórdão confirma a sentença, teremos decisões sucessivas no mesmo sentido, e não se configura de boa política judiciária proporcionar ao vencido, neste caso, mais um recurso ordinário ” (não há grifos no original).
De acordo com tal critério, a parte vencida por um julgamento não-unânime em apelação não terá direito aos embargos infringentes se houver sido vencida duas vezes (na sentença posta em reexame perante o Tribunal e também no acórdão). Todavia, se apenas o Tribunal julga o mérito, não estaremos diante da hipótese de dupla sucumbência.
Para Cândido Rangel Dinamarco, a redação dada ao art. 530 resulta de um desvio de perspectiva: “o critério da incidência da coisa julgada material, com impedimento à reiteração da demanda em juízo, deve recair sobre o acórdão, não sobre a sentença, porque é ele que se torna definitivo, não ela” (A Reforma da Reforma, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 202).
Do quanto exposto até aqui, conclui-se que, em respeito ao devido processo legal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistematicamente com o restante do CPC, em especial o § 3º do art. 515, inclusive para fazer valer a vontade do próprio legislador, o qual, na justificativa do projeto da Lei nº 10.352/01, afirmou somente ser conveniente manter os embargos infringentes quando “a divergência tenha surgido em matéria de mérito, não simplesmente em tema processual ”.
Sendo assim, há de se admitir os embargos infringentes opostos contra acórdão que, por maioria, reforma sentença terminativa e adentra a análise do mérito da ação.
A questão pode – e deve – ser analisada, ainda, sob o prisma da teoria da asserção, que ganha expressão na doutrina, secundada por juristas como Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe.
Para os adeptos dessa teoria, como é o caso também de José Roberto dos Santos Bedaque, na análise das condições da ação “se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão ” (Direito e Processo, São Paulo: RT, 1995, p. 78). Em outras palavras, sempre que a relação existente entre as condições da ação e o direito material for estreita ao ponto da verificação da presença daquelas exigir a análise desta, haverá
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exame de mérito.
Ainda que tacitamente, a teoria assertista encontra respaldo em julgados desta Corte, nos quais entendeu-se que a decisão acerca das condições da ação implicou numa sentença de mérito. Veja-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 1.678/GO, 4ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.02.1990; REsp 2.185/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14.05.1990; REsp 86.441/ES, 1ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 07.04.1997; REsp 103.584/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.08.2001.
No que tange especificamente à legitimidade ad causam , sua verificação invariavelmente exige a análise da lide em concreto, havendo enorme dificuldade prática em separar tal questão do mérito da causa. Ainda que se admita o exame da legitimidade in statu assertiones , muitas vezes é no curso do processo que se chega à efetiva decisão sobre tal condição da ação, importando, desse feita, na análise da relação jurídica de direito material.
Na espécie, verifico que o juiz somente se pronunciou acerca da legitimidade ativa depois que toda a prova documental havia sido carreada aos autos. Ademais, dispensou nada menos do que oito páginas da sentença (fls. 240/247) para tratar da questão, analisando a fundo quem a ora recorrida representa e, principalmente, os interesses e direitos que emergem das relações contratuais bancárias.
Dessa forma, a despeito da extinção ter se dado “sem julgamento do mérito ”, para decidir acerca da legitimidade ad causam , o juiz se imiscuiu no mérito da ação. Ora, a natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva.
Portanto, também sob esse prisma, entendida como de mérito a sentença de fls. 237/248, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e lhe DOU PROVIMENTO, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se proceda ao julgamento do mérito dos embargos infringentes.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2006/0060802-1 REsp 832370 / MG
Números Origem: 024010929578 20000004323295 200501940544
PAUTA: 26/06/2007 JULGADO: 02/08/2007
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A
ADVOGADOS : IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO E OUTRO (S) THIAGO LUIZ BLUNDI STURZENEGGER
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES DE CRÉDITO - ANDEC
ADVOGADO : ANA BEATRIZ RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO (S)
ASSUNTO: Civil - Contrato - Bancário - Abertura de Crédito - Cheque Especial
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Castro Filho.
Brasília, 02 de agosto de 2007
SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária