29 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | BANCO CITIBANK S/A |
ADVOGADOS | : | WAGNER ROSSI RODRIGUES |
DIOGO DIAS DA SILVA E OUTRO (S) | ||
CLAUDIA REGINA FIGUEIRA | ||
RECORRIDO | : | JOSÉ CÂNDIDO DIAS COLLIER |
ADVOGADOS | : | MARIANA LOUREIRO GIL |
ANDRÉA GOUVEIA CAMPELLO |
Por JOSÉ CÂNDIDO DIAS COLLIER foi ajuizada ação de indenização por danos morais e materiais em face de BANCO CITIBANK S/A afirmando, em apertada síntese, que mantinha R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais) em cofre alugado junto à ré, valores levados por assaltantes em 20 de fevereiro de 2004, porém não restituídos pela instituição financeira até a presente data.
Os pedidos foram julgados procedentes pelo Juízo da 18ª Vara Cível de Recife, que condenou o réu ao pagamento de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais) a título de indenização por danos materiais e R$ 100.000,00 (cem mil reais) como reparação moral (sentença às fls. 425/441).
Interposta apelação pelo Citibank, esta foi parcialmente provida, em acórdão que guarda a seguinte ementa:
Opostos embargos de declaração pelo banco, restaram rejeitados (fls. 19/22 - apenso).
Sobrevém, então, o recurso especial de CITIBANK S/A, com fundamento nas letras a e c do permissivo constitucional, no qual alega violação aos arts. 6º, 21, 302, 333 e 535 do Código de Processo Civil; ao art. 14, 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor e aos arts. 166, II e 393 do Código Civil de 2002, bem como dissídio jurisprudencial em relação a arestos dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado Rio Grande do Sul e deste Superior Tribunal de Justiça.
Diz o recorrente que sua agência de Recife foi assaltada por quadrilha fortemente organizada, que empreendeu ação criminosa irresistível e inevitável (seqüestro do gerente da agência, em quem foi atado cinturão com explosivos, ameaça a familiares dos demais funcionários, invasão da central da Telemar para impedir o uso dos alarmes instalados na agência...), o que caracteriza caso fortuito ou força maior, hipóteses excludentes de responsabilidade do devedor conforme o art. 393 do Código Civil atual, bem como culpa exclusiva de terceiro, excludente da responsabilidade do fornecedor, segundo o art. 14, 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor.
Apesar disso, o Tribunal de origem, afirmando que a responsabilidade na hipótese é objetiva, deixou de acolher referidas excludentes, incidindo em violação aos dispositivos acima apontados, bem como ao art. 166, II, do Código Civil de 2002, que dispõe ser nulo o contrato que contenha objeto impossível, como seria o ajuste em que uma das partes prometesse prestar serviço de segurança invencível.
Assegura o recorrente, por outro lado, que toda a matéria trazida à apreciação desta Corte foi prequestionada nas instâncias ordinárias, sendo inclusive opostos embargos de declaração para reclamar manifestação específica acerca das normas ora citadas. Assim, caso não se reconheça o debate anterior das questões apresentadas, requer seja acolhida a alegação de maltrato ao art. 535 do Estatuto Processual.
Aduz, de outra parte, que o dinheiro guardado no cofre pertence à empresa da qual o recorrido é sócio majoritário, como ele mesmo reconhece, daí sua ilegitimidade para ingressar com a ação, porquanto defende em nome próprio direito alheio, sem autorização legal, devendo o feito, assim, ser extinto sem julgamento de mérito. Acrescenta que a indenização está sendo concedida a quem não sofreu prejuízo patrimonial.
Sustenta, de outro norte, que o acórdão recorrido, ao inverter o ônus da prova, lhe exige que faça prova negativa e impugne o que não conhece, pois os valores guardados no cofre estão protegidos por sigilo. Assim, somente lhe cabe impugnar as provas realizadas pelo recorrido, consoante determina o art. 302, III, do Código de Processo Civil.
Assevera, ademais, que a inversão do ônus da prova após a dilação probatória, além de contrariar o art. 333 do Estatuto Processual, desrespeita o princípio do devido processo legal.
Acena, ainda, com dissídio jurisprudencial em relação a acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação Cível 169/96) no qual o roubo praticado em agência bancária foi considerado como caso fortuito ou força maior, restando afastada a responsabilidade da instituição financeira. Assim, também, com aresto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do sul (Apelação Cível 596.239.079), em que se afirma que, devido à natureza do contrato de locação de cofres, está limitada a "responsabilidade do banco com a guarda e vigilância do cofre e não com seu conteúdo". Há, igualmente, alegação de divergência com o Resp 140.659/RJ, que guarda a seguinte ementa:
No que pertine à reparação por danos morais, diz o recorrente que sua condenação se deu simplesmente por conta da subtração de dinheiro, sem que qualquer outra conseqüência fosse experimentada pelo recorrido, razão pela qual deve ser afastada, nos moldes do que ficou decidido pela Corte gaúcha no julgamento da Apelação Cível 596.239.079. Ainda que assim não se dê, pretende seja reduzido o montante arbitrado, tendo em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Por fim, aponta maltrato ao art. 21 do Código de Processo Civil, porquanto o acórdão recorrido manteve os honorários advocatícios em 20% do valor da causa, mesmo tendo sido um processo de curta duração, sem incidentes processuais e que tramitou no mesmo local onde os causídicos mantém seu escritório de advocacia. Requer sejam os honorários reduzidos para 10% sobre o valor da causa.
Contra-razões de JOSÉ CÂNDIDO DIAS COLLIER às fls. 619/632. Afirma ser o recorrente parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda pois é quem figura como locatário no contrato mantido com a instituição financeira. Diz, ainda, que a pretensão não pode ser conhecida por implicar em revolvimento da matéria fática tratada nos autos, além de estar de acordo com a jurisprudência. Sustenta, por outro lado, que o roubo não constitui excludente de responsabilidade que, ademais, não pode ser invocada na espécie.
O recurso foi admitido por decisão do ilustre Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (fls. 635/636).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | BANCO CITIBANK S/A |
ADVOGADOS | : | WAGNER ROSSI RODRIGUES |
DIOGO DIAS DA SILVA E OUTRO (S) | ||
CLAUDIA REGINA FIGUEIRA | ||
RECORRIDO | : | JOSÉ CÂNDIDO DIAS COLLIER |
ADVOGADOS | : | MARIANA LOUREIRO GIL |
ANDRÉA GOUVEIA CAMPELLO |
Analiso em primeiro lugar a questão da ilegitimidade ativa.
Diz o recorrente que os valores depositados no cofre da agência bancária não pertenciam ao recorrido, mas à sociedade empresária da qual ele é o sócio majoritário, como ele mesmo confessa, o que demonstra sua ilegitimidade para o ajuizamento da presente ação de indenização, pois pleiteia em nome próprio direito alheio, sem autorização legal.
Conforme se colhe dos autos, porém, o contrato de locação foi celebrado entre o recorrido e a instituição financeira (fls. 508). Assim, como a indenização buscada tem origem na falha na prestação do serviço contratado, essa somente pode ser exigida por quem o ajustou.
Cumpre assinalar, inclusive, que esse é o entendimento defendido pelo próprio recorrente em outro recurso interposto perante esta Corte - Resp 1.093.617/PE, da relatoria do ilustre Min. JOAO OTÁVIO DE NORONHA -, no qual buscava a declaração de ilegitimidade ativa de um dos autores, tendo em vista não fazer parte da relação jurídica contratual, sendo titular, porém, de bens depositados no cofre violado. Transcrevo, a propósito, trecho do voto condutor do referido julgado, verbis :
No que se refere à possibilidade de invocar as excludentes de responsabilidade - caso fortuito, força maior e fato de terceiro - na hipótese de roubo em cofre mantido junto à instituição financeira, transcrevo a lição de Sergio Cavalieri Filho a respeito do tema, verbis :
Esse entendimento restou adotado por esta egrégia Corte, consoante se vê dos seguintes precedentes, verbis :
Assim, a despeito da maior ou menor engenhosidade dos delinqüentes, o fato é que a segurança é elemento essencial do contrato de locação de cofres junto a instituições financeiras, estando a responsabilidade fincada no descumprimento do serviço oferecido. Incide, na espécie, a súmula 83/STJ, a qual impede o conhecimento do recurso também pela alínea c do permissivo constitucional.
Assevera o recorrente, ainda, que o Tribunal de origem, ao inverter o ônus da prova, lhe imputou o dever de produzir prova negativa, sem falar na exigência de que impugnasse os valores apresentados pelo réu como existentes dentro do cofre, mesmo sem conhecê-los, dada a índole do contrato.
Na realidade, o que se vê do acórdão é que não houve inversão do ônus da prova, mas sim a consideração de que o autor demonstrou os fatos alegados na inicial, não tendo o réu impugnado as provas por ele apresentadas. Confira-se:
Nesse contexto, não há como acolher a alegação de maltrato aos arts. 302, III e 333 do Código de Processo Civil.
De outra parte, consoante se vê da sentença, os seguintes fatos foram tidos como suficientes para caracterizar a ocorrência de dano moral, verbis :
Diz o recorrente, porém, que a mera subtração de dinheiro, sem nenhuma outra conseqüência, não rende ensejo à ocorrência de dano moral. Não creio ser essa, porém, a melhor posição acerca do tema.
Com efeito, o recorrido teve seu patrimônio desfalcado em 20 de fevereiro de 2004 e até o presente momento não obteve qualquer reparação. Com certeza, nesse intervalo de tempo experimentou sentimentos de angústia e irresignação, seja pela necessidade do dinheiro, seja pela incerteza de sua devolução. Assim, parece configurado, na espécie, o dano moral, independentemente da efetiva ligação entre o ocorrido e os problemas de saúde alegados pelo recorrido.
No que respeita ao quantum fixado, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade. No caso vertente, a Corte pernambucana reduziu para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) o valor da indenização, o qual se mostra razoável tendo em conta a quantia subtraída e a demora em sua devolução.
Por fim, pretende o recorrente que os honorários advocatícios sejam reduzidos para 10% do valor da causa, ao invés dos 20% fixados na origem, apontando, para tanto, maltrato ao art. 21 do Código de Processo Civil.
É de se ver, porém, que o art. 21 do Estatuto Processual cuida da sucumbência recíproca, não se prestando para alterar a porcentagem fixada no arbitramento dos honorários, ainda mais quando o autor foi vencedor em todos os pedidos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
Documento: 12900438 | RELATÓRIO E VOTO |