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- 2º Grau
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
Detalhes da Jurisprudência
Processo
REsp 1013777 ES 2007/0294693-8
Órgão Julgador
T3 - TERCEIRA TURMA
Publicação
DJe 01/07/2010
Julgamento
13 de Abril de 2010
Relator
Ministra NANCY ANDRIGHI
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Relatório e Voto
RECURSO ESPECIAL Nº 1.013.777 - ES (2007/0294693-8)
RECORRENTE | : | DISVALE DISTRIBUIDORA VALE DO RIO DOCE |
ADVOGADO | : | THIAGO DE SOUZA PIMENTA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO S/A - BANESTES |
ADVOGADO | : | FRANCISCO DOMINGOS VIEIRA E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator) :
Cuida-se de Recurso Especial interposto por DISVALE DISTRIBUIDORA VALE DO RIO DOCE, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Ação: execução movida por BANESTES BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO em face de JOSÉ NUNES DA SILVA, na qual a recorrente - DISVALE DISTRIBUIDORA VALE DO RIO DOCE foi intimada, em mais de uma ocasião, para a apresentação de laudo avaliativo dos bens nomeados à penhora.
Decisão interlocutória: condenou a recorrente ao pagamento de multa processual de 20% do valor da execução, por ter deixado de cumprir determinação judicial para avaliar os bens ofertados na execução, embora tenha sido intimada por três vezes.
Agravo de instrumento: interposto pela Recorrente contra a decisão que aplicou a multa, sob o argumento de que o preceito do art. 14, V, do CPC restringe a aplicação da pena processual apenas às partes ou a quem, de alguma maneira, participe do processo. Assim, a sanção por ato atentatório jamais deveria ter sido infligida à recorrente, alheia à relação jurídica estabelecida na ação de execução.
Decisão monocrática : o i. Des. Samuel Meira Brasil negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente.
Agravo interno (fls. 02 / 14): interposto pela recorrente contra a decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento.
Acórdão (fls. 16 / 22) : o TJ/ES negou provimento ao agravo interno interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 14 CPC. MULTA PROCESSUAL. EMBARAÇOS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇAO.
1 A multa do artigo 14 do CPC é mecanismo de pressão psicológica para obter a execução indireta do comando judicial. É aplicada a qualquer pessoa que cause embaraço à efetividade do processo.
2 A Agravante foi notificada diversas vezes e não respondeu aos ofícios. Apresentou o laudo avaliativo apenas quando a multa já havia sido aplicada.
3 Recurso desprovido.
Recurso Especial (fls. 25 / 40): interposto pela recorrente com fundamento na alínea a do art. 105 da CF/88, sustentando a necessidade de reforma do acórdão proferido pelo TJ/ES no julgamento do agravo interno, uma vez que (i) não foi verificada a ocorrência de atos atentatórios ao exercício da jurisdição e (ii) o art. 14 do CPC não é aplicável à hipótese em estudo, pois a recorrente não é parte na relação jurídica estabelecida na ação de execução e tampouco tem interesse no resultado final da demanda.
Contrarazões de recurso especial (fls. 43 / 48): apresentadas pelo BANESTES.
Juízo Prévio de Admissibilidade: o TJ/ES não admitiu o recurso especial (fls. 50 / 52), dando azo à interposição de agravo de instrumento (Ag 882.645/ES), ao qual dei provimento para melhor exame da matéria (fls. 54).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.013.777 - ES (2007/0294693-8)
RELATORA | : | MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE | : | DISVALE DISTRIBUIDORA VALE DO RIO DOCE |
ADVOGADO | : | THIAGO DE SOUZA PIMENTA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO S/A - BANESTES |
ADVOGADO | : | FRANCISCO DOMINGOS VIEIRA E OUTRO (S) |
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator) : I - Delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a estabelecer se a multa do art. 14, V e parágrafo único do CPC é aplicável somente às partes ou também a qualquer terceiro que de alguma forma participe do processo, mesmo que não seja considerado interveniente. II - Admissibilidade do recurso
Em suas razões de recurso, a recorrente alega que foi violado, pelo acórdão recorrido, o art. 14, V e parágrafo único do CPC, única norma mencionada de maneira expressa pelo acórdão recorrido, razão pela qual somente esse preceito assumirá pertinência para este julgamento.
O acórdão recorrido afirmou, a fls. 21, que a multa não é devida apenas a quem faz parte no processo. Segundo a dicção da lei, qualquer pessoa que cause embaraço à efetividade de provimento judicial pode sofrer a multa.
A redação do art. 14, V, parágrafo único, do CPC foi dada pela Lei 10.358/01, que especificou o dever genérico de obediência às ordens e decisões judiciais e estabeleceu uma sanção específica para a hipótese de descumprimento. O dever de obediência aos provimentos judiciais, no entanto, sempre existiu em nosso ordenamento, como corolário da executividade característica da atividade jurisdicional. O art. 125, III, do CPC já o previa, sem contudo apontar pena para os casos de desobediência ao referido preceito.
Nos termos do inciso V do art. 14 do CPC, são dois os deveres impostos com a finalidade de garantir a efetividade das decisões judiciais: (i) cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e (ii) não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final.
Os destinatários da norma, portanto, são distintos: o primeiro dever diz respeito ao obrigado direto do provimento mandamental, que deve cumprir imediatamente a ordem; o segundo dever, contudo, é endereçado às partes e a todos os que, de qualquer modo, participem do processo.
Ao exigir que terceiros, alheios à relação jurídica processual, sejam também destinatários do dever de obediência inscrito art. 14, caput e sujeitos à multa prevista no parágrafo único do mesmo dispositivo legal, o CPC apenas enunciou o ônus de colaborar com a justiça, afeto a todos os cidadãos.
Essa resolução assinala a sanção ao que a doutrina anglo-saxônica denomina Contempt of Court . O código de processo civil alemão (ZPO - Zivilprozessordnung ), em seu 409, determina a aplicação da multa do Contempt of Court (Missachtung des Gerichts) não somente às partes e testemunhas, mas também aos peritos e especialistas que, por qualquer motivo, deixam de apresentar nos autos parecer ou avaliação - hipótese idêntica à ora analisada.
Conforme a regra do art. 14 do CPC, portanto, mesmo quem não é parte ou terceiro interveniente está obrigado a submeter-se aos deveres nela inscritos e, consequentemente, ao pagamento da sanção devida face ao desacato à jurisdição. Esse também é o entendimento manifestado pelos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ATO ATENTATÓRIO AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇAO. MULTA DO ART. 14 DO CPC. APLICABILIDADE ÀS PARTES E A TODOS AQUELES QUE, DE ALGUMA FORMA, PARTICIPAM DO PROCESSO.
(...)
4. O inciso V do art. 14 do Código de Processo Civil, incluído pela Lei 10.358/2001, prevê como dever das partes e de todos aqueles que, de alguma forma, participam do processo, "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final".
(...)
6. "Os deveres enumerados no art. 14, pois, são deveres das partes. E por partes devem-se entender todos os sujeitos do contraditório. Em outros termos, o conceito de partes a que alude o art. 14 não se refere apenas às partes da demanda (demandante e demandado), mas a todas as partes do processo (incluindo-se aí, também, portanto, os terceiros intervenientes e o Ministério Público que atua como custos legis). É mais amplo ainda, porém, o alcance do art. 14. Isto porque não só as partes, mas todos aqueles que de qualquer forma participam do processo têm de cumprir os preceitos estabelecidos pelo art. 14. " (Alexandre Freitas Câmara, "Revista Dialética de Direito Processual", n. 18, p. 9-19, set. 2004).
(...)
8. Recursos especiais desprovidos.
(REsp 757.895/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 4/5/2009)
Os deveres contidos no art.144 doCPCC, logo, destinam-se às partes e a todos aqueles que de qualquer forma participam do processo , ou seja, são extensivos a quem quer que cometa o atentado ao exercício da jurisdição. Por esse motivo, qualquer terceiro - interveniente ou não - pode sofrer a cominação da multa em razão do desacato à atividade jurisdicional prevista pelo parágrafo único do art. 14 do CPC.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial, mas NEGO-LHE PROVIMENTO.
Documento: 9015762 | RELATÓRIO E VOTO |