6 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RELATOR | : | MINISTRO SIDNEI BENETI |
AGRAVANTE | : | R N DOS S |
ADVOGADOS | : | LEONARDO LOREA MATTAR - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO |
MOISES ANDERSON COSTA RODRIGUES DA SILVA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS | ||
AGRAVADO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA |
1.- Trata-se de Agravo Regimental interposto por R N DOS S em face da decisão de (e-STJ 128/131) que deu provimento ao Recurso Especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA aplicando o entendimento de que o O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ações de alimentos em favor de criança ou adolescente, nos termos do art. 201, III, da Lei 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente).
Insiste, em síntese, na tese da impossibilidade do Ministério Público figurar no pólo ativo de ações de alimentos quando o menor estiver sob o manto do poder familiar. Para tanto, repisa que: "Cumpre ressaltar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a legitimidade do Ministêrio Público no interesse individual indisponível está condicionada à inexistência de Defensoria Pública na Comarca, haja vista a necessidade de harmonizar as atribuições do MP com aquelas relativas à Defensoria Pública" (e-STJ fl. 145)". Finalmente, volta-se contra a decisão proferida apresentando divergência com outros julgados anteriores desta Corte. No mais, requer a reconsideração da decisão.
É o relatório.
2.- A Agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de infirmar a decisão agravada. Ademais, o tema em debate refere-se, em suma, à possibilidade da atuação do Ministério Público nas ações de alimentos quando a o serviço de Defensoria Pública não for prestado a contento diante das realidades e necessidades da localidade. Logo, a decisão recorrida deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos:
1.- MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA interpõe Recurso Especial fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal interposto contra Acórdão (e-STJ fl. 63/88) do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que lhe foi desfavorável (RELATOR DES. SARA SILVA DE BRITO).
2.- A demanda em questão é de simples compreensão. O Ministério Público Estadual ajuizou ação de alimentos em favor de menor. O juízo singular extinguiu o feito face à incapacidade processual. Inconformado, o Parquet apelou. No entanto, o Tribunal entendeu que a existência de Defensoria Pública na comarca afastaria a atuação do MP para ações desta natureza. Além disso, pugnou pela inaplicabilidade do art. 13 do CPC.
Por fim, em sede de Recurso Especial, o Parquet alega violação dos 13, caput, do CPC e artigo 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Cerne da questão enfrentada reside no fato de se saber se o Ministério Público possui ou não legitimidade para atuar como substituto processual, em ação de alimentos, em favor de menor que se encontra sob o pálio do poder familiar materno.
O Acórdão da apelação foi assim ementado:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE ALIMENTOS. AUTORIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. EXTINÇAO DO PROCESSO.
I - Estando o alimentando sob o poder familiar da genitora, ilegítima a substituição processual do Ministério Público para propor ação de alimentos em favor daquele. II - Ausência dos requisitos elencados no art. 148 c/c o art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. III - Existência, na comarca, de serviço de orientação jurídica prestado pela Defensoria Pública, nos termos do art. 134 do Constituição Federal. IV - Inaplicabilidade da regra do art. 13 do Código de Processo Civil, feito extinto por ilegitimidade ativa ad causam e não por incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
É o breve relatório.
3.- A irresignação não merece prosperar.
O tema já está pacificado pela jurisprudência desta Corte, de modo que o recurso deve ser julgado monocraticamente pelo Relator, segundo orientação firmada, com fundamento no art. 557 do CPC, desnecessário, portanto, o envio às sobrecarregadas pautas de julgamento deste Tribunal.
4.- O art. 201, III, da Lei 8.069/90 (ECA) confere expressamente ao Ministério Público legitimidade para promover e acompanhar ações de alimentos. Esse dispositivo legal não faz qualquer distinção no que diz respeito à situação da criança ou adolescente; tampouco menciona a necessidade de estar o menor necessitado representado por seus tutores ou genitores. O art. 141 do mesmo estatuto, por sua vez, garante o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos. Logo, se o Ministério Público recorrente deixasse de ajuizar a ação de alimentos de que ora se cogita, estaria cometendo injustificável omissão, furtando-se a cumprir uma de suas funções institucionais, qual seja, a curadoria da infância e juventude.
No caso em tela, os autos revelam tratar-se de menor com poucos recursos, que reside em uma Comarca prejudicada pela deficiente estrutura estatal, na qual só existe Defensoria Pública em certos dias da semana conforme declarou o próprio defensor público. Segue a transcrição do Acórdão:" (...) Certifico que compareço à comarca de Livramento de Nossa Senhora para atuar em meu mister nas segundas e terças-feiras das 7:15 às 14:00 horas; (...) "(e-STJ fl. 67).
Assim, é evidente a dificuldade de localização de advogados que patrocinem os interesses dos jurisdicionados hipossuficientes, de modo que negar a legitimidade do recorrente somente agravaria a já difícil situação em que se encontra o menor, carente e vulnerável.
5.- A Lei de alimentos, além do mais, admite que a parte postule diretamente sua pretensão, por solicitação verbal, por termo ou por meio de advogado constituído nos autos (art. 3º, 1º, da Lei 5.478/68). Verifica-se, portanto, a preocupação do legislador em garantir às pessoas necessitadas o ingresso na via judiciária, de modo que qualquer interpretação que impeça a população carente de exercer o direito indisponível aos alimentos que lhes são devidos transforma em letra morta tanto a Lei 5.478/68 quanto a Lei 1.060/50. A legitimação do Ministério Público para patrocinar as causas dos que tem direito à assistência jurídica gratuita onde não houver serviço estatal organizado para prestá-la justifica-se, portanto, também pela defesa do direito fundamental de acesso ao judiciário (art. 5., LXXIV, da CF/88).
Finalmente, diante da impotência inerente aos menores incapazes, de seu direito indisponível aos alimentos e, na espécie em exame, também de sua realidade social e econômica, que torna praticamente impossível à criança obter acesso à assistência jurídica gratuita, o Ministério Público tem legitimidade para fiscalizar e propor medidas judiciais destinadas a proteger os direitos das crianças e adolescentes (RHC 3.716/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJ de 15/08/1994). Os valores ligados à infância e à juventude não só podem como devem ser tutelados pelo Parquet, de maneira que qualquer outra exegese nega vigência ao art. 201, III, do ECA.
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. AÇAO DE ALIMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 201, III, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
1. O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ações de alimentos em favor de criança ou adolescente, nos termos do art. 201, III, da Lei 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente).
2. Recurso Especial provido.
(REsp 1113590/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 10/09/2010)
6.- Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial para reformar o Acórdão impugnado atribuindo-se, por consequência, a legitimidade ativa do Ministério Público para ações de alimentos nas hipóteses descritas nos autos.
Intimem-se.
3.- Diante do exposto, nega-se provimento ao Agravo Regimental.
Documento: 18386787 | RELATÓRIO E VOTO |