RELATOR | : | MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES |
RECORRENTE | : | LEDA MARTINS BARRETO |
ADVOGADO | : | MIRELLE ARAGAO DUARTE E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - IPREV |
ADVOGADO | : | WILLIAN GARCIA DA SILVA E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por Leda Martins Barreto, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em face de acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:
"ADMINISTRATIVO - REVISAO DO VALOR DE PENSAO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇAO REVER SEUS PRÓPRIOS ATOS PARA ADEQUÁ-LOS AOS TERMOS DA LEI - ALEGAÇAO DE DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA EM FACE DO DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS APÓS A CONCESSAO DO BENEFÍCIO - LEI FEDERAL N. 9.784/99 - INAPLICABILIDADE SE A CORREÇAO DO ATO ADMINISTRATIVO SE DÁ EM VIRTUDE DE SUA PRÁTICA COM ILEGALIDADE, MÁ-FÉ DO BENEFICIÁRIO OU ERRO EVIDENTE E INCONTESTÁVEL - PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - RECURSO PROVIDO.
A administração pode rever seus próprios atos para adequá-los aos termos da lei e dos fatos, quando contiverem erro, nulidade ou anulabilidade.
Levando-se em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem-se admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/99, que trata da decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios (CF/88, arts. 25, 1º e 30, I), especialmente quando a alteração do ato se dá por força de interpretação jurídica objeto de discussão judicial, ainda que pacificada. Tal não ocorre, contudo, na hipótese de ato administrativo praticado com ilegalidade, má-fé do beneficiário ou erro evidente e incontestável. " Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes "(art. 5º, LV, da CF/88). Desse modo, afigura-se correta revisão da pensão por morte paga à viúva de servidor público se, constatado erro evidente e incontestável no valor, em face da inclusão indevida de adicionais de tempo de serviço, foram oportunizados o contraditório e a ampla defesa no devido processo legal administrativo".
Embargos infringentes foram manejados pela ora recorrente e parcialmente providos, nos seguintes termos:
"EMBARGOS INFRINGENTES - PENSAO POR MORTE - TRIÊNIOS PAGOS INDEVIDAMENTE - ERRO EVIDENTE E INCONTESTÁVEL - REVISAO ADMINISTRATIVA DO VALOR - POSSIBILIDADE - DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA QUINQUENAL (LEI FEDERAL N. 9.784/1999)- INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE - EXCLUSAO DE OUTRA PARCELA - AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA CONVINCENTE - EMBARGOS PROCEDENTES NESSA PARTE. A administração pode rever seus próprios atos para adequá-los aos termos da lei e dos fatos, quando contiverem erro, nulidade ou anulabilidade.
Levando-se em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem-se admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, que trata da decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios (CF/88, arts. 25, 1º e 30, I), especialmente quando a alteração do ato se dá por força de interpretação jurídica objeto de discussão judicial, ainda que pacificada. Tal não ocorre, contudo, na hipótese de ato administrativo praticado com ilegalidade, má-fé do beneficiário ou erro evidente e incontestável. É indevida a exclusão de parte do valor pago a título de pensão por morte, sem que a autarquia estadual justifique e comprove os motivos que a levaram a assim proceder, impondo-se a obrigação de restabelecer o pagamento do valor injustificadamente excluído".
Opostos embargos declaratórios, que restaram rejeitados conforme ementa assim posta:
"EMBARGOS DE DECLARAÇAO - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA DE OMISSAO, CONTRADIÇAO OU OBSCURIDADE - INTENÇAO DE REDISCUTIR O JULGADO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO REJEITADO.
Devem ser rejeitados os embargos de declaração, mesmo que opostos para o fim de prequestionamento, se o acórdão não apresenta qualquer dos vícios indicados no art. 535, do Código de Processo Civil, não se prestando tal recurso para rediscutir o julgado, na tentativa de adequá-lo ao entendimento não acolhido, da embargante. A contradição que daria ensejo aos embargos de declaração, nos termos do art. 535, inciso I, do Código de Processo Civil, é aquela que se verifica entre trechos da fundamentação do acórdão, ou entre a fundamentação e o dispositivo, mas não a contrariedade à lei, à doutrina, à jurisprudência, à prova dos autos ou ao entendimento da parte interessada". No recurso especial a parte recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação do art. 54 da Lei 9.784/99, argumentando, em síntese, que os valores percebidos de boa-fé, embora indevidos, não comportam devolução à Administração Pública após o prazo de cinco anos da sua percepção, salvo comprovada má-fé (hipótese afastada do caso - fl. 285 dos autos originais).
Oferecidas contrarrazões - fls. 437/439.
É o relatório.
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENSAO POR MORTE. REVISAO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA EM FACE DO DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS APÓS A CONCESSAO DO BENEFÍCIO. APLICAÇAO DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 POR ANALOGIA INTEGRATIVA. 1. Nos termos da Súmula 473/STF, a Administração, com fundamento no seu poder de autotutela, pode anular seus próprios atos, de modo a adequá-lo aos preceitos legais.
2. Com vistas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, que disciplina a decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios . Colheu-se tal entendimento tendo em consideração que não se mostra razoável e nem proporcional que a Administração deixe transcorrer mais de cinco anos para providenciar a revisão e correção de atos administrativos viciados, com evidente surpresa e prejuízo ao servidor beneficiário. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido.
VOTO
O SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): O recurso merece ser conhecido por ambas as alíneas invocadas. O preceito legal invocado como infringido encontra-se devidamente prequestionado e é evidente o dissenso pretoriano demonstrado.
A recorrente pretende, com fundamento no art. 54 da Lei 9.784/99, o reconhecimento da decadência do direito de a Administração anular, por ilegalidade, ato administrativo relativo à pensão por morte.
A Súmula 473/STF preceitua: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se original direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial ".
Nos termos da Súmula 473/STF, portanto, é poder-dever da Administração rever o ato, de modo a adequá-lo aos preceitos legais.
Por outro lado, esta Corte há muito possui entendimento firmado no sentido de que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos para a Administração rever seus atos, nos termos da Lei 9.784/99, deve ser aplicado no âmbito estadual, quando ausente norma específica.
Colheu-se tal posicionamento tendo em vista que não se mostra razoável e nem proporcional que a Administração deixe transcorrer mais de cinco anos para providenciar a revisão e correção de atos administrativos viciados, com evidente surpresa e prejuízo ao servidor beneficiário.
Confira-se:
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. DEPENDÊNCIA. PENSAO POR MORTE. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇAO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. JUROS DE MORA. PERCENTUAL. INÍCIO DO PROCESSO APÓS A EDIÇAO DA MP Nº 2.180-35/2001. INCIDÊNCIA.
1. Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade exceção.
2. Na ausência de lei estadual específica, a Administração Pública Estadual poderá rever seus próprios atos, quando viciados, desde que observado o prazo decadencial de cinco anos. Aplicação analógica da Lei n. 9.784/99. 3. omissis
4. Recurso Especial parcialmente provido". ( REsp 645.856/RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 13/9/04)
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSAO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. APLICAÇAO RETROATIVA. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 9.784/99 NO ÂMBITO ESTADUAL. Sendo o ato que concedeu a pensão anterior à Lei n.º 9.784/99, o prazo qüinqüenal para sua anulação começa a contar a partir da vigência do mencionado regramento. Possibilidade de aplicação da Lei 9.784/99 no âmbito estadual. O prazo de 5 anos, estabelecido pela Lei 9.784/99, é contado a partir da edição da referida lei. Agravo regimental desprovido". ( AgRg no AG 683.234/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, 5/12/05) A Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, publicada em 1º de fevereiro de 1999, disciplinou em seu art. 54:"O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé ".
A Corte Especial, em julgamento ocorrido em 16/02/05, nos autos dos Mandados de Segurança 9.112/DF, 9.115/DF e 9.157/DF, decidiu que tal norma somente deverá ser aplicada, todavia, a partir de sua entrada em vigor, ou seja, na data de sua publicação. Nesse sentido, o seguinte precedente:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. QUINTOS INCORPORADOS. PORTARIA N.º 474/87 DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO. REVISAO DO ATO. PARECER AGU N.º GQ 203/99. ART. 54 DA LEI N.º 9.784/99. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. NAO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A teor do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, o"direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé". 2. Consoante a orientação desta Corte, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 deve ter aplicação a partir de sua vigência, e não a contar da prática dos atos eivados de ilegalidade, realizados antes do advento do referido diploma legal. (MS 9.112/DF, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon) 3. Agravo regimental provido". (AgRg no Ag 508.784/SC, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 1º/8/05) Assim, firmou-se a compreensão segundo a qual os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei9.7844/99 também estão sujeitos ao prazo decadencial quinquenal de que trata seu art.544. Todavia, nesses casos, tem-se como termo a quo a entrada em vigor de referido diploma legal, qual seja, 1º/02/99.
No caso dos autos, o ato administrativo relativo à pensão por morte devida à recorrente foi praticado no ano de 1998, com efeitos a partir da morte do servidor, em 18/09/1998. A decadência, portanto, começou a fluir em 1º/02/1999, data da entrada em vigor da Lei 9.784/99 e expirou em 01/02/2004, de modo que a alteração efetivada pela Administração a partir de do contracheque de junho de 2005 não poderia mais ter sido realizada.
Em nome da estabilidade e segurança jurídicas, deve ser reconhecida a decadência da administração rever seu ato quando transcorridos mais de cinco anos da percepção do primeiro pagamento do provento de aposentadoria.
Deve, portanto, o recorrido restabelecer a pensão da recorrente no valor anterior à revisão (ou correção) do ato, restituindo à mesma eventuais valores a esse título descontados, acrescidos dos consectários legais.
Assim exposto, CONHEÇO do presente recurso especial para DAR-LHE PROVIMENTO.
É o voto.
Documento: 16970704 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO | |