4 de Julho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Relatório e Voto
RELATOR | : | MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES |
RECORRENTE | : | UNIÃO |
RECORRIDO | : | COMPANHIA BRASÍLIA S/A - EM LIQUIDAÇAO |
ADVOGADO | : | CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO E OUTRO (S) |
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nesses termos ementado (fls. 896/916):
Foram opostos embargos de declaração pela União, com o propósito de verem sanadas inúmeras omissões. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região rejeitou os embargos, sob os seguintes fundamentos, bem descritos no acórdão (fls. 992/1004):
Na origem, cuida-se de ação ordinária de impugnação de ato administrativo da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão proposta pela Cia Brasília, em razão de decisão de não ressarcimento no valor das terras em discussão, mas tão-somente pelas benfeitorias que a mesma fizera no local. A referida Comissão concluiu que o aludido terreno pertencia à União antes mesmo da desapropriação direta de toda a área ocidental da Ilha do Governador. A então autora pugnou por indenização baseada no valor real e atual do terreno.
A sentença acolheu o pedido formulado pela parte para indenizar a autora, anulando a decisão administrativa da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão, em dinheiro correspondente ao justo valor dos referidos imóveis, ao tempo da desapropriação, atendendo-se à desvalorização da moeda, sem levar em conta a valorização decorrente dos melhoramentos ocasionados pelos serviços públicos, conforme for apurado na execução.
Em apelação, foi dado provimento ao recurso da autora e, após o julgamento de embargos infringentes, deu-se o trânsito em julgado. Liquidada a sentença por arbitramento, houve o trânsito em julgado, apurado o valor devido à recorrida.
Em 9.4.97, a parte recorrida pede vista dos autos, para o fim de suposta preparação de acordo extrajudicial. Retirados os autos, estes ficaram extraviados por mais de 4 anos, muito embora, desde julho de 1998, os procuradores das partes terem diligenciado para a restauração dos autos. Em 15.5.2001 os autos foram restituídos a Juízo por um Pastor da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, da região de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Após, foi concedida vista às partes e ao Ministério Público Federal para o fim de translado de peças essenciais aos autos originais.
A União, por sua vez, requereu a extinção do feito, sob dois fundamentos (i) ausência de representante legal da então autora, já que a companhia não poderia se manter desprovida de representante legal para estar em juízo; (ii) extinção do feito em razão da prescrição intercorrente ainda no processo de conhecimento ou a prescrição ocorrida após o trânsito em julgado, pela demora em 11 anos a dar início ao processo de execução. A União requereu, ainda, a condenação da parte recorrida pela litigância de má-fé.
Em sentença, o magistrado singular entendeu, preliminarmente, que, sendo a recorrida uma sociedade anônima, dever-se-ia aplicar, ao caso, o disposto no artigo 211 da Lei 6.404/76, porquanto a sociedade em liquidação é representada apenas por seu liquidante.
Todavia, no tocante à prescrição, o magistrado singular entendeu por acolher o pedido, ao fundamento de que o processo teria ficado sem andamento para o julgamento da apelação da recorrida, na fase de liquidação por arbitramento, no período de 13.12.1978 a 29.9.1989. Assentou que durante o referido período a recorrida não praticou qualquer ato que impulsionasse o processo e, ao contrário, quando anos mais tarde houve a inclusão do feito em pauta, a parte requereu o adiamento do julgamento, mantendo-se inerte até o ano de 1989. Ressaltou-se, ainda, que a sentença de liquidação transitou em julgado em 2 de abril de 1990, sem que qualquer recurso tenha sido interposto pelas partes. Por tais razões, afirmou a ocorrência de prescrição para a autora dar seguimento à lide e promover a execução do julgado e que até junho de 2001 não teria sido promovida a referida ação.
Ressaltou, ainda, o seguinte (fl. 674):
Interposta apelação pela Companhia Brasília S/A - em liquidação, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu a questão sob os seguintes fundamentos:
a) como preliminar de mérito, o Tribunal rejeitou pedido de ingresso de assistente, já que não estaria configurado interesse jurídico da parte requerente, "pois sua condição de possível herdeiro de sócio premorto lhe confere, apenas, a perspectiva de interesse econômico, dependendo, ainda, do desfecho de eventual apuração de haveres da sociedade";
b) como preliminar de mérito, entendeu-se pela regularidade da capacidade processual da Companhia Brasília S/A, porquanto a morte do então liquidante se mostraria acontecimento irrelevante para o desenvolvimento válido da relação processual, mantendo-se eficazes durante o curso da ação os poderes pelo mesmo conferido ao então advogado;
c) quanto à prescrição intercorrente, a Corte Regional entendeu que não teria havido inércia da parte recorrida, capaz de levar ao abandono do processo. Para tanto, elaborou histórico, estabelecendo as seguintes datas:
- setembro de 1959: requerimento de liquidação por arbitramento, sendo citada a União em janeiro de 1960;
- setembro de 1962: sentença julgando procedente a liquidação;
- junho de 1973: após diversos recursos, os autos retornam do Supremo Tribunal Federal;
- agosto de 1973: requerimento de remessa dos autos ao contador;
- julho de 1975: determinação de retificação dos cálculos pelo Juízo;
- julho de 1976: homologação dos cálculos por sentença;
- maio de 1990: retorno dos autos à origem, após decisão do Tribunal no sentido de que a empresa Companhia Brasília S/A não teria impugnado, oportunamente, a sentença homologatória de cálculos;
- novembro de 1991: requerimento de nova avaliação;
- março de 1994: remessa dos autos ao contador para atualização do valor da condenação;
- fevereiro de 1996: decisão do magistrado singular no sentido de que se aguardasse a manifestação da parte interessada na promoção da execução;
- abril de 1997: pedido de vista dos autos, formulado pela Companhia Brasília S/A, "a fim de diligenciar uma fórmula adequada para por fim (sic) a demanda";
- abril de 1997: extravio dos autos por mais de 4 anos;
- julho de 1998: requerimento, pela Companhia Brasília, de restauração dos autos;
- maio de 2001: reaparecimento dos autos originais.
A Corte Regional fez acrescentar que a execução foi inicialmente processada na forma primitiva da redação do artigo 64 do CPC, que só veio a ser alterada em 30 de agosto de 1994, por força da Lei 8.898/94, que suprimiu a modalidade de liquidação, substituindo-a pela de cálculos ao contador, dependendo de meros cálculos aritméticos. Nesse sentido, entendeu que até a entrada em vigor daquela lei, a execução seguia nos termos da legislação processual então vigente, razão porque não seria possível alegar-se prescrição intercorrente.
Assentou, outrossim, que não teria havido inércia da recorrida porquanto "em vista de manifesta ausência de condições materiais necessárias ao prosseguimento do feito, durante o período do desaparecimento dos autos, não poderia, ademais, pretender válida a fluência do respectivo prazo fatal. Por isso que há de se rejeitar o reconhecimento da prescrição intercorrente".
Por fim, encerra o voto condutor com a afirmação de que, em se tratando de desapropriação indireta, a perda da exigibilidade do respectivo direito somente ocorreria após o transcurso do prazo de vinte anos, nos termos dos enunciados 158 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e 119 do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, deu provimento ao recurso da Companhia Brasília S/A, para afastar a prescrição e determinar o prosseguimento da execução.
Opostos embargos de declaração pela União, sustentou o seguinte:
a) nulidade do acórdão embargado em razão da ausência de intimação dos atos processuais ocorridos na fase do trâmite do processo no Tribunal, inclusive no tocante à determinação de regularização processual da recorrida, "embora tenha a Cia Brasília inserido fato novo na lide e apresentado documentos novos, os quais chegaram a influenciar a decisão final tomada";
b) omissão quanto à existência de Decreto Presidencial n. 2.201, em que se desapropriou todos os bens situados na parte ocidental da Ilha do Governador, inclusive a área em discussão. A desapropriação teria sido autorizada pela Lei 439, de 29 de maio de 1937 e o decreto expropriatório foi complementado pelo Decreto-Lei 1.343/39. Além do mais, afirma que haveria uma ação de desapropriação direta em curso e que a Corte de origem não teria se manifestado acerca do tema;
c) omissão quanto ao disposto nos artigos 2º e 7º do Decreto-lei 1343/39, porquanto a transferência do domínio para a União se daria com o não reconhecimento, pela Comissão de Desapropriação, do título apresentado pelo ocupante do terreno;
d) omissão quanto à necessidade de ocorrência de esbulho para a aplicação do enunciado sumular n. 119/STJ;
e) omissão quanto à prescrição quinquenal e intercorrente e à contagem desse prazo prescricional;
f) omissão quanto às circunstâncias do desaparecimento dos autos por responsabilidade da Companhia Brasília;
g) omissão quanto ao disposto nos artigos 5º, XXXVI, da CF/88 e artigo 6º da LICC;
h) omissão quanto ao vício na representação legal da Companhia Brasília.
A Corte Regional, por sua vez, rejeitou os aclaratórios (fls. 992/1004).
Em recurso especial, a União sustenta o seguinte:
a) violação do disposto no artigo 535, I e II, do CPC, porquanto não teria sido anulada a transcrição da propriedade em nome da União, mas apenas reconhecido, no processo de conhecimento, que a propriedade anterior à desapropriação seria da Companhia Brasília, sendo determinado, por conseguinte, que fosse complementada a indenização já paga à empresa pelas benfeitorias. Além disso, a suposta transcrição da propriedade por determinação da Comissão jamais teria sido impugnada nos presentes autos, "não sendo cabível que o v. acórdão recorrido, mais de cinqüenta anos após a desapropriação e sem nenhuma manifestação da Cia Brasília neste sentido, utilize tal suposto fato para descaracterizar a aquisição da propriedade pela União pela desapropriação, afirmando que teria ocorrido usucapião.
Ainda quanto à violação do disposto no artigo 535 do CPC, a União não foi intimada de nenhum ato processual ocorrido durante o trâmite processual perante o Tribunal Regional, embora tenha a Companhia Brasília supostamente inserido fato novo na lide e apresentado novos documentos, que teriam influenciado no resultado de julgamento. Assim, teria havido nulidade processual desde o momento em que não teria sido oportunizada à União manifestar-se sobre documentos e fatos novos constantes dos autos, bem como sobre decisões judiciais.
Teria havido omissão, ainda, acerca da existência de ação judicial de desapropriação conexa à presente ação, bem como sobre o fato de que a Companhia Brasília não teria indicado qual o tipo de esbulho, por parte da Administração Pública, teria sofrido a área em debate. Indica omissão, ainda, quanto à diversas questões de prescrição intercorrente.
Por fim, indica omissão do acórdão recorrido quanto ao fato de que a decisão de liquidação por arbitramento transitou em julgado em 2.4.1990 e que a empresa recorrida não propôs a execução por mais de 10 anos.
b) Violação dos artigos 31, 208, 211 da Lei 6.404/76, artigos 7, 12, VI e 13 do CPC. Quanto ao ponto, afirma haver vício na representação processual da parte recorrida, considerando que o liquidante teria sido nomeado em 30.5.1919, há mais de 81 anos e que teria, presumivelmente, se vivo fosse, pelo menos 102 anos. Aduz que, após a sentença, o processo deveria ter permanecido suspenso, nos termos do artigo 265, I, do CPC, até regularização da capacidade processual, não sendo viável o conhecimento da apelação, por ausência de representação legal.
c) Quanto à prescrição, violação dos artigos 1º e 9º do Decreto 20.910/32 e 3º e 4º da Lei 4.597/1942.
Afirma ser incontroverso nos autos que os bens situados na parte ocidental da Ilha do Governador, incluindo a área objeto da presente discussão, teriam sido desapropriados pelo Decreto Presidencial 2.201 e, mais tarde, autorizado pela Lei 439/1937, sendo o referido decreto expropriatório complementado pelo Decreto-lei 1.343/39.
Aduz que houve procedimento administrativo realizado pela Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão e que era, à época, o único procedimento legal que se poderia valer o Poder Público para o fim de se perfectibilizar a fase executiva do processo de desapropriação, na medida em que ainda não havia sido editado o Decreto-Lei 3.365/41.
Afirma que o acórdão recorrido se fundamenta em falsa premissa, na medida em que, por ter sido impugnado ato da Comissão, a desapropriação teria deixado de ser regular, caracterizando a desapropriação em questão como apossamento administrativo, indenizável por desapropriação indireta. Em outras palavras, sustenta a ilegalidade da argumentação perfilhada pelo aresto recorrido no sentido de que"desapropriação direta cuja decisão administrativa (que, reitere-se, era procedimento cabível à época) é contestada transforma-se em desapropriação indireta". Em sendo assim, não haveria que se falar prazo prescricional vintenário.
Quanto à prescrição, afirma que, para os casos de desapropriação direta, deve ser aplicado o disposto no Decreto nº 20.910/32.
d) Violação dos artigos 219 do CPC e 202 do CC, quanto à prescrição intercorrente. Uma vez estabelecido o quantum a ser executado, abriu-se a possibilidade de ser promovida a execução, momento em que inicia a contagem do prazo prescricional referente à execução e que, nos termos do enunciado sumular n. 150/STF, é idêntico àquele estabelecido para a ação. Todavia, aduz que a parte recorrida manteve-se inerte, sem que tenha havido suspensão ou interrupção do prazo prescricional, estando clara a negligência e inércia da parte recorrida, que até a data da interposição do recurso, isto é, 16 anos após o trânsito em julgado da liquidação de sentença, não teria promovido a execução de seu crédito.
e) Violação do artigo 6º da LICC. Sustenta o equívoco do acórdão recorrido no tocante ao argumento de que a propriedade das terras discutidas na lide não teria sido transferida ao ente federal pela desapropriação, afirmando ser insuficiente a decisão da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão, mediante procedimento administrativo previsto em legislação anterior ao Decreto n. 3.365/41. Afirma que o referido entendimento viola a legislação federal vigente à época e desconsidera que a desapropriação em questão teria sido realizada em sua fase declaratória e executória - fatos que seriam incontroversos - e que tem natureza jurídica de meio próprio de aquisição originária da propriedade. Assim, o referido entendimento afrontaria legislação federal da época, que traçava o exato momento da transferência da propriedade para a União, após instauração do procedimento expropriatório e o não reconhecimento, pela Comissão de Desapropriação, dos títulos de propriedade apresentados pelos particulares como legítimos.
Contrarrazões apresentadas pela Companhia Brasília (fls. 1091/1130).
O recurso especial foi admitido na origem (fl. 1168).
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 1218/1223).
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, à unanimidade de votos, deu provimento ao recurso de apelação interposto por COMPANHIA BRASÍLIA S/A - EM LIQUIDAÇAO, para afastar a prescrição acolhida em primeira instância.
A União, em suas razões recursais, aponta inúmeras violações a dispositivos legais, quais sejam, resumidamente, os artigos 7, 12, VI, 13, 219 e 535, I e II, todos do CPC, artigos 31, 208, 211 da Lei 6.404/76, artigos 1º e 9º do Decreto 20.910/32, 3º e 4º da Lei 4.597/1942, 202 do CC e artigo 6º da LICC.
A questão aqui posta é de singela resolução, não obstante a grandeza de sua repercussão política.
1 - Da alegada violação do disposto no artigo 535, I e II, do Código de Processo Civil.
A União sustenta violação do disposto no artigo 535 do CPC, considerando, para tanto, omissões, contradição e obscuridade no aresto combatido, as quais passo a analisar.
a) Obscuridade
A União sustenta, inicialmente, que o acórdão recorrido reconhece a existência de decisão da Comissão de Desapropriação que determinou a transcrição do título de propriedade da União, o qual jamais teria sido alterado, tendo permanecido a União como proprietária do terreno desde a referida data. Aduz que não teria sido anulada a transcrição da propriedade em nome da União, mas apenas reconhecido, no processo de conhecimento, que a propriedade anterior à desapropriação era da Companhia Brasília, sendo determinado, por conseguinte, a complementação da indenização já paga pelas benfeitorias realizadas.
Assim, sustenta ter requerido, em embargos de declaração, esclarecimentos acerca do fato de que a aquisição da propriedade pela União, em decorrência da desapropriação, " jamais foi questionada nos presentes autos, nem mesmo a transcrição do título de propriedade foi impugnada em momento algum, o que não foi feito pelo acórdão "(grifo no original).
Todavia, não há que se falar em obscuridade no acórdão recorrido.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu que, pelo exame dos autos, teria havido anulação da transcrição do título de propriedade da Companhia Brasília no registro de imóveis, por força da decisão da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão, com substituição por novo registro, em que a União passou a figurar como titular do domínio, sendo possuidora direta da gleba em discussão.
Assim, entendeu que a sentença proferida na ação de conhecimento, considerada como expropriatória indireta, porquanto de natureza indenizatória, tornou sem efeito o referido ato administrativo, na medida em que teria deixado de reconhecer à então autora a propriedade sobre o imóvel objeto da presente ação, já que a Comissão de Desapropriação não teria atribuições ou poderes para anular o título dominial, bem como determinou a condenação da União no pagamento de montante correspondente ao valor dos imóveis, ao tempo da desapropriação.
Assentou, outrossim, que o Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a apelação interposta, a confirmou, ressalvando que presumiam-se válidos os títulos de propriedade da autora. Confira-se o decidido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no pertinente (fl. 1124/1125):
Veja-se, pois, que a Corte a quo entendeu que, não obstante ter havido ato da Comissão de Desapropriação anulando os títulos de propriedade da Companhia Brasília, em havendo sentença judicial, com trânsito em julgado, tornando sem efeito o referido ato administrativo e anulando a decisão que cancelava os registros do particular, transferindo-o à União, por óbvio que aquela Corte fez retornar ao status quo ante a situação da dominialidade do imóvel, reconhecendo, como única titular do imóvel, a empresa recorrida, até porque não seria possível o reconhecimento da titularidade a ambas as partes.
Ao contrário do que fora defendido pela parte recorrente, não se pode concluir que o Tribunal Federal de Recursos, mesmo declarando a nulidade do ato administrativo praticado pela Comissão de Desapropriação, devolvendo a titularidade das terras à Companhia Brasília, tivesse mantido os efeitos daquele ato nulo, em especial, a transferência de titularidade dos bens à União.
Tanto assim que constou do voto:"Além disso, o Egrégio Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a apelação interposta da aludida decisão de primeiro grau, confirmou-a, ao entendimento de que, sem sentença judicial que lhes decrete a nulidade, presumem-se válidos os títulos de propriedade transcritos".
Sabe-se que, como regra geral, os efeitos da anulação dos atos administrativos retroagem às suas origens, invalidando as conseqüências passadas, presentes e futuras do ato, tendo em vista que o ato nulo não gera direitos ou obrigações para as partes; não cria situações jurídicas definitivas; não admite convalidação. No entanto, por força do princípio da segurança jurídica e da boa-fé do administrado, ou do servidor público, em casos excepcionais a anulação pode ter efeitos ex nunc, ou seja, a partir dela, hipótese que não se enquadra no caso dos autos.
Assim, evidente não ter havido violação do disposto no artigo 535 do Código de Processo Civil, porquanto não há que se falar em obscuridade no aresto vergastado.
b) Omissão quanto às supostas nulidades ocorridas no processo de conhecimento.
A União afirma não ter sido intimada de nenhum ato processual ocorrido na fase do trâmite do processo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, embora sustente tenha a Companhia Brasília inserido fato novo na lide e apresentado documentos novos, que supostamente teriam influenciado a tomada de decisão final. Aduz, outrossim, a nulidade do processo desde o momento em que não teria lhe sido oportunizada manifestar-se nos autos sobre documentos e fatos novos constantes dos autos,"assim como sobre decisões judiciais, sendo nulo também o próprio acórdão de fls. 916 e 917, face ao desrespeito ao disposto no artigo 398 do CPC c/c artigos 38 da Lei Complementar nº 73/93 e 6º da Lei nº 9.028/95".
Por tais razões, a União sustenta omissão no julgado recorrido, tendo em vista que o acórdão não teria acatado as nulidades levantadas, não as sanando, razão porque restaria omisso o aresto.
Contudo, entendo não assistir razão à parte embargante.
Isto porque a Corte de origem manifestou-se, de forma clara e fundamentada, acerca da suposta não oportunização, à União, de manifestação acerca de documentos e fatos novos, sustentando, em síntese, que a recorrente não teria se desincumbido do ônus de provar a ocorrência de eventual prejuízo suportado, em razão da ausência de manifestação fundamental, capaz de influenciar no julgamento da causa.
Veja o que decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no pertinente (fl. 1126):
Em embargos de declaração, aquela Corte analisou novamente a questão, de forma ainda mais detalhada. Confira-se (fls. 1.211/1.214):
A transcrição do aresto recorrido não deixa dúvidas de que a questão foi exaustivamente tratada pela Corte a quo , não podendo ser considerado omisso acórdão que não considerou válidos os argumentos da parte recorrente, julgando contrário aos seus interesses. Omissão é ausência de manifestação e não manifestação contrária aos interesses da parte.
Assim, também quanto ao ponto, entendo que o recurso especial não merece provimento.
c) Omissão
A União afirma ter havido inúmeras omissões, oportunamente arguidas em suas razões de embargos de declaração oferecidos na origem, tais como:
a) omissão quanto à existência de realização da fase declaratória e executória do procedimento de desapropriação de todos os bens situados na parte ocidental da Ilha do Governador, a partir da Fazenda Santa Cruz, declarados como de utilidade pública pelo Decreto Presidencial n. 2.201 e autorizada pela Lei n. 439/1937 e por intermédio de processo administrativo pela Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão;
b) omissão quanto à existência de ação judicial de desapropriação conexa à presente ação;
c) omissão acerca da inexistência de legislação que tratasse da hipótese de desapropriação indireta, bem como acerca de inexistência de esbulho por parte da Administração Pública;
d) omissão quanto a inúmeras questões relacionadas à prescrição intercorrente e da pretensão executória, especialmente quanto à questão do desaparecimento dos autos por quatro anos;
e) omissão acerca do fato de que a decisão de liquidação por cálculo do contador teria transitado em julgado em abril de 1990 e a recorrida não teria cumprido com seu ônus de executar o julgado por mais de 10 anos.
Argúi, ainda, contrariedade do disposto no artigo 5º, LIV e LV e 93, IX, da Constituição Federal, além do verbete sumular n. 98 do Superior Tribunal de Justiça e 297 do Tribunal Superior do Trabalho.
Quanto ao ponto, entendo que melhor sorte não socorre a parte recorrente.
A uma porque o Superior Tribunal de Justiça não tem a missão constitucional de interpretar dispositivos da Lei Maior, cabendo tal dever ao Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual não se pode conhecer da dita ofensa aos arts. 5º, LIV e LV e 93, IX, da Constituição da República vigente. Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
A duas porque é entendimento já pacificado nesta Corte Superior de que a violação ou negativa de vigência à Súmula não enseja a utilização da via especial, nos termos do art.1055, III, daConstituição Federall. A propósito, confira-se a seguir:
A três porque há muito o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese segundo a qual os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art.933, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Nesse sentido, alguns precedentes desta Corte:
Analisando-se os autos, percebe-se que o acórdão recorrido analisou expressa e exaustivamente todas as questões postas à sua apreciação, inclusive em sede de embargos de declaração, não havendo que se falar em violação ao art.5355 doCPCC.
Assim, o recurso especial não deve ser provido quanto à alegada violação do disposto no artigo5355 doCPCC.
2 - Nulidade do acórdão por violação dos artigos311,1233,2088 e2111 da Lei6.4044/76 e artigos77 a133 doCPCC.
Aduz a União a nulidade do acórdão, porquanto existiria vício na representação processual da parte autora, já que o liquidante teria sido nomeado em 30.5.1919, há mais de 81 anos e que teria, caso estivesse vivo, presumivelmente 102 anos. Afirma que, após a prolação da sentença, os autos deveria ter permanecido suspensos até a regularização da capacidade processual, nos termos do determinado pelo artigo 265, I, do CPC.
Sustenta que a tentativa de regularização processual teria sido feita mediante assembléia geral extraordinária da Companhia Brasília, datada de 14.10.2002, e que os aspectos que envolvem a convocação e a realização dessa assembléia seriam"profundamente obscuros".
Argumenta que não se saberia quem teria convocado a realização de nova assembléia, que a competência para sua convocação é restrita às pessoas e órgãos estabelecidos no artigo 123 da Lei 6404/76, que no único estatuto social da Companhia que consta dos autos não há qualquer referência ao fato de que Alfredo Fritz de Siqueira possuía 300 ações da Companhia, não havendo outras provas de que as ações realmente existiam, que a convocação teria sido irregular e que somente um único acionista teria participado da assembléia, que não se sabe se o espólio é, de fato, acionista ou não, já que a propriedade das ações poderia ser comprovada por meio de registro em Livro de Ações Nominativas, cuja existência"permanece um mistério"e que o liquidante fora nomeado por suposto herdeiro, detentor de apenas 15% das ações da sociedade.
Quanto ao ponto, no tocante à alegada violação do disposto nos artigos 31, 123, 208 e 211 da Lei 6.404/76 e 7 a 11, do CPC, entendo que o recurso não merece conhecimento.
Isto porque a leitura atenta do acórdão combatido, integrado pelo pronunciamento da origem em embargos de declaração, revela que os referidos dispositivos legais, bem como as teses a eles vinculadas não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que atrai a aplicação da Súmula n. 211 desta Corte Superior, inviabilizando o conhecimento do especial no ponto por ausência de prequestionamento.
Quanto às demais questões pertinentes à representação processual, as alegações da União no tocante à realização irregular da Assembléia que elegeu novo liquidante, bem como a inexistência de outras provas de que determinadas ações realmente existiam, que a convocação da assembléia teria sido irregular e que somente um único acionista teria dela participado, que não se sabe se o espólio é, de fato, acionista ou não, já que a propriedade das ações poderia ser comprovada por meio de registro em Livro de Ações Nominativas, cuja existência" permanece um mistério "e que o liquidante fora nomeado por suposto herdeiro, detentor de apenas 15% das ações da sociedade, entendo que melhor sorte não socorre à recorrente.
Isto porque as pretensões da União obrigariam a proceder à análise de inúmeros elementos fáticos e probatórios colacionados aos autos, o que é sabidamente vedado em sede de recurso especial em razão do óbice imposto pelo enunciado sumular n. 7/STJ.
Ademais, a Corte a quo decidiu a questão considerando a) a empresa jamais teria tido capacidade processual revestida de irregularidade; b) o liquidante originalmente designado por assembléia sempre esteve apto a exercer poderes de presentação da sociedade, tanto judicial quanto extrajudicialmente; c) as mortes do liquidante, presentante da empresa em liquidação, tanto quanto a do advogado, que teria deixado substabelecimentos a outros profissionais, não acarretaram qualquer tipo de incapacidade processual ou transferência de poderes; d) o que houve, a bem da verdade, foi apenas uma vacância do cargo de liquidante, em decorrência da morte da pessoa que o ocupava, sem que isso pudesse autorizar entendimento no sentido de que se teria gerado conseqüente irregularidade na capacidade de a ora recorrente se fazer presente em juízo. Confira-se (fls. 1122/1123):
Contudo, a parte recorrente limitou suas razões de recorrer a eventos que jamais foram discutidos nos autos, tais como situações obscuras na eleição de novo liquidante, a ausência de sócios, patrimônio e sede da empresa, a nomeação de liquidante por herdeiro detentor de 15% das ações da sociedade, e outras questões do gênero. Em momento algum refutou os argumentos perfilhados pela Corte de origem para consignar a regularidade na representação processual da Companhia Brasília, fato que atrai, por analogia, a incidência do enunciado sumular n. 283/STF.
3 - Da prescrição
No tocante à prescrição, a União inicia suas argumentações, sustentando não se tratar de desapropriação indireta, mas sim, de expropriação direta, porquanto todos os bens situados na parte ocidental da Ilha do Governador, a partir da Fazenda Santa Cruz, incluído o terreno então ocupado pela Companhia Brasília, teriam sido desapropriados pelo Decreto Presidencial nº 2.201 e autorizada pela Lei n. 439/1937, posteriormente complementado pelo Decreto-lei 1.343/39.
O segundo ponto abordado pela União diz respeito à violação do disposto nos artigos 1º e 8º do Decreto n. 20.910/32 e 3º e 4º, ambos do Decreto-lei n. 4.597/42. Aduz que, por se tratar de expropriatória direta e ante a ausência de regra específica para prescrição nessa espécie de desapropriação, aplica-se regra geral estabelecida no Decreto-lei 20.910/32.
O terceiro ponto abordado pela União diz respeito à violação dos artigos 219, do CPC e 202 do CC, ao fundamento de que a liquidação por arbitramento transitou em julgado em 2.4.1990, data em que se iniciou o prazo prescricional para que a parte exequente promovesse a execução e que não teria havido nenhuma causa interruptiva da prescrição. Aduz ter havido negligência e inércia da parte autora, que até a data de hoje, dezesseis anos após o trânsito em julgado da liquidação de sentença, ainda não se prestou a promover a execução de seu crédito (grifo no original).
Passo a analisar as teses arguidas pela União.
3.1 Da natureza jurídica da ação proposta pela Companhia Brasília e o prazo prescricional aplicado à espécie
Antes de iniciar a análise da tese levantada pela União, no tocante à natureza da ação proposta pelo particular em meados da década de 40 do século passado, faz-se necessário breve digressão a respeito da natureza jurídica da chamada desapropriação indireta, revisitando os conceitos de propriedade e os direitos que lhe são inerentes.
Destarte, a definição dos direitos sobre determinado bem permite o estabelecimento de regras para a utilização dos bens da vida. A história da propriedade privada, marcante pela origem e tradição das ideias liberais, teve o individualismo como faceta principal. A propriedade representava direito subjetivo, por meio do qual se atribuía ao titular a prerrogativa absoluta de, conforme sua vontade, reivindicar, usar, fruir e/ou dispor da coisa.
O surgimento da concepção do Estado Social, todavia, passou a impor mudanças ao pensamento liberal em que se baseava o direito civil. Com a crescente inserção de normas de ordem pública no Direito Privado, passou-se, inclusive, a se discorrer acerca da crise dicotômica do Direito, como assevera Pietro Perlingieri, com maestria costumeira, em sua obra Perfis do direito civil Introdução ao direito civil constitucional:
A própria distinção entre direito público e privado está em crise. [...] Se, porém, em uma sociedade onde é precisa a distinção entre liberdade do particular e autoridade do Estado, é possível distinguir a esfera do interesses dos particulares daquela do interesse público, em uma sociedade como a atual, torna-se difícil individuar um interesse particular que seja completamente autônomo, independente, isolado do interesse dito público. As dificuldades de traçar linhas de fronteira entre direito público e privado aumentam, também, por causa da cada vez mais incisiva presença que assume a elaboração dos interesses coletivos como categoria intermediária.
Ao se aplicar tais considerações ao regime jurídico da propriedade, pode-se afirmar que o seu exercício não mais pode ser atrelado, isoladamente, ao conceito de direito subjetivo. Inegável a crescente inclusão de imposições e restrições inafastáveis pela vontade das partes sobre o titular correspondente, em benefício do interesse coletivo. De um direito absoluto, natural e imprescritível, a propriedade, atualmente, encontra-se envolta em regime jurídico que não se restringe às normas do direito civil, compreendendo, sim, todo o complexo de normas administrativas, ambientais, urbanísticas, empresariais e, evidentemente, civis, fundamentando nas normas constitucionais.
Partindo dessas premissas, passemos à análise da desapropriação indireta, comparativamente à expropriatória direta, que se mostra de crucial importância à resolução do presente questionamento trazido pela União em seu recurso especial.
Por desapropriação direta entende-se, em suma, por aquela realizada pela Administração Pública quando observadas as normas jurídicas que legitimam a consumação do ato expropriatório, ou seja, quando respeitado todo o prévio processo administrativo exigido pelo sistema jurídico, que encontra seu fim na transferência da propriedade ao Poder Público, mediante o pagamento de justa e prévia indenização.
Já a desapropriação indireta é conceituada como uma construção pretoriana, criada para dirimir conflitos concretos entre o direito de propriedade e o princípio da função social, nas hipóteses em que a Administração Pública ocupa propriedade privada sem observância de prévio processo expropriatório. Em outras palavras, trata-se de esbulho praticado pela Administração Pública quando toma para si bem alheio, sem observância das regras pertinentes à tomada legítima de bens do particular pelo Estado.
Particularmente, com relação ao patrimônio imóvel, somente com transferência ou registro originário do cartório competente materializa-se o direito de propriedade. Acontece que, no caso do esbulho administrativo, encontra-se diante de situação excepcional. Por tais razões, quando o esbulho decorre de atos da Administração Pública, este direito de reivindicação somente pode ser exercido até a afetação pública do bem. A partir desse momento, resta ao particular a pretensão reparatória dos prejuízos decorrentes da perda dos direitos inerentes à propriedade.
Portanto, a expropriação indireta resulta de uma medida ou série de medidas estatais que têm um efeito equivalente à expropriação direta, sem que se verifique a formal transferência de título ou apreensão ou posse do bem. Em circunstâncias como estas, materializa-se a expropriação indireta.
De qualquer forma, diante da impossibilidade de reversão quando o bem já estiver afetado ao serviço público, o Poder Judiciário tem proclamado a ação indenizatória como único instrumento judicial de defesa do proprietário afetado pela desapropriação indireta .
E aqui chegamos ao cerne da tese suscitada pela União.
Afirma, em suas razões recursais, que se estaria tratando de desapropriação direta, porquanto haveria Decreto Presidencial expropriatório publicado, afetando toda a região da Ilha do Governador como área de utilidade pública, fato que tornaria incontroversa a caracterização de expropriação ordinária.
No tocante à questão, a Corte a quo assim se manifestou (fl. 1125):
Por tais razões, cumpre assinalar, por importante, a circunstância de que a demanda originária há de ser vista como do tipo em que se pede indenização por desapropriação indireta, eis que o Poder Público ocupou, definitivamente, propriedade pertencente a particular, independentemente de realização de procedimento expropriatório regular, ou seja, porque o fez sem observância das exigências de declaração e indenização prévias, com o que se evidenciou iniludível apossamento administrativo. Assim, o caso revela ação reivindicatória transmudada em ação de indenização por perdas e danos, em face da circunstância de que a retomada do bem se tornou impossível para a ora primeira apelante. Logo, não tendo a mesma, até o momento, perdido o direito de propriedade sobre o imóvel, há que se lhe reconhecer a titularidade do respectivo domínio e, por conseqüência lógica, a exigibilidade do direito, enquanto não decorrido o prazo vintenário da prescrição, segundo orientação contida, respectivamente, nos verbetes 154 e 119 da súmula da jurisprudência dos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
A pretensão posta no apelo especial tem como consequência principal o reconhecimento da aplicação das regras prescricionais atinentes aos entes públicos, estas elencadas no Decreto 20.910/32.
Todavia, a tese pretendida pela União não merece guarida.
Em inexistindo propositura, pelo Poder Público, de ação de desapropriação direta, forma de aquisição originária da propriedade, que culminaria no pagamento do justo valor, nos termos do preceituado pela Constituição Federal, e transferiria a propriedade definitiva à União, e considerando a ocorrência de esbulho, ponto incontroverso nos autos, não restaria alternativa à parte recorrida, senão o ingresso de ação indenizatória, uma vez que seria impossível regressar ao status quo ante . Até mesmo porque se tratavam de terrenos imprescindíveis ao Ministério da Aeronáutica, já imitido na posse do imóvel desde o ano de 1944, com inúmeras benfeitorias realizadas, fatores que impediam o retorno desse imóvel à posse do particular.
Há muito entende-se que, enquanto o expropriado não perde o direito de propriedade por efeito do usucapião do expropriante, vale o princípio constitucional sobre o direito de propriedade e o direito à indenização, cabendo a ação de desapropriação indireta.
In casu, conferiu-se o caráter de ação reivindicatória, resolvida em perdas e danos, diante da impossibilidade de o imóvel retornar à posse do autor, em face do caráter irreversível da afetação pública que lhe conferiu a Administração. Subsistindo o título de propriedade do autor, daí resulta sua pretensão à indenização, pela ocupação indevida do imóvel, por parte do Poder Público, com vistas a construção do aeroporto do Galeão. Ora, as expropriações indiretas são resolvidas por intermédio da anulação dos atos estatais ilegais ou inconstitucionais, de forma conjugada com a indenização por perdas e danos, como ocorrido no caso dos autos.
Não restam dúvidas, pois, que se tratou, na origem, de ação de desapropriação indireta, submetida, pois, aos ditames do enunciado sumular n. 119/STJ, que considera vintenário o prazo prescricional para sua propositura, porquanto constitui ação de natureza real, uma vez que o que está em jogo nas ações de desapropriação indireta é a reparação pelo esbulho praticado pelo Estado, que transgrediu o direito de propriedade conferido ao particular e cujo prazo prescricional, previsto no antigo Código Civil, é vintenário. A propósito, confira-se os precedentes desta Corte de Justiça:
Consectariamente, o prazo prescricional para ajuizar a ação executiva de título judicial é o mesmo que aquele incidente sobre o processo de conhecimento. Essa é a exegese do verbete n. 150 da Súmula do egrégio Supremo Tribunal Federal, disposta nesses termos: " Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação ".
À guisa de exemplo, colhem-se os seguintes julgados desta Corte: AgRg no REsp 1.056.531/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 19 novembro de 2008; e REsp 536.600/SC, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 12 de setembro de 2005.
3.2 - Da prescrição
O terceiro ponto abordado pela União diz respeito à violação dos artigos 219, do CPC e 202 do CC, ao fundamento de que a liquidação transitou em julgado em 2.4.1990, data em que se iniciou o prazo prescricional para que a parte exequente promovesse a execução e que não teria havido nenhuma causa interruptiva da prescrição. Aduz ter havido negligência e inércia da parte autora, que até a data de hoje, dezesseis anos após o trânsito em julgado da liquidação de sentença, ainda não se prestou a promover a execução de seu crédito (grifo no original).
Sabe-se que a prescrição é instituto que visa à punição do litigante desidioso, que deixa de promover as diligências indispensáveis ao andamento do feito. Sabe-se, outrossim, que um dos fins sociais da atuação do Judiciário é exatamente impedir que o ilícito ou o contrário à lei prevaleça em função dos valores da Justiça, respaldando-se sempre, quando possível e desejável, na segurança jurídica.
Portanto, a arguição da prescrição pode ser considerada como uma defesa de que se vale o devedor para inibir a pretensão do credor de exigir a prestação que, conforme o título da obrigação, poderia ser objeto de execução em juízo.
Anteriormente à reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a liquidação de sentença era um processo preparatório que antecedia o início da execução, cujo encerramento se dava por sentença, atacável via apelação, recebida no efeito devolutivo. Assim, tinha-se que a liquidação representava o processo preparatório em que se determinava o objeto da condenação, a fim de se constituir o título executivo que se mostrava ilíquido e, portanto, impossível de execução.
Não basta conhecer o que se deve - an debeatur . Deve-se definir - no mesmo patamar de importância - o quanto se deve ou o quantum debeatur .
Na verdade, ao se definir o quantum debeatur na decisão de liquidação, se está simplesmente complementando, para fins de efetiva realização do direito, aquilo a que a sentença ilíquida proferida na fase de conhecimento obrigou.
Tem-se, pois, que a liquidação de sentença jamais inicia a ação de execução de per se, mas apenas perfectibiliza o título executivo que sustenta a ação executiva, configurando, portanto, ação autônoma à execução, ao contrário do que fora estabelecido no acórdão recorrido, que entendeu no sentido de que a liquidação teria dado início à ação de execução da sentença transitada em julgado (fls. 1.127/1.128):
Todavia, o entendimento firmado pela Corte de origem não merece guarida.
Estabelecer-se a autonomia entre as ações de liquidação de sentença e de execução é fundamental para fins de contagem da prescrição. Em sendo a liquidação e a execução ações autônomas entre si, o prazo prescricional para a propositura da ação executiva só teria início quando do trânsito em julgado da sentença de homologação dos cálculos na liquidação, devendo ser aplicado, no caso, o princípio da actio nata , porquanto, sem pretensão não se pode cogitar da fluência do prazo prescricional.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento segundo o qual não é da sentença condenatória que se conta o prazo prescricional para a execução, mas sim da sentença da liquidação, tendo em vista que somente após ela haverá a liquidez e a certeza necessárias para o ajuizamento do feito executivo:
No caso dos autos, a liquidação por cálculo do contador transitou em julgado na data de 2 de abril de 1990, momento em que já vigia o Código de Processo Civil de 1973, que nitidamente distinguia a liquidação de sentença como ação autônoma à de execução, ao estabelecer, inclusive, a determinação de nova citação do executado, nos termos do já revogado artigo 603, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Partindo-se, pois, da premissa de que, liquidada a sentença, competiria ao particular promover a execução, pelo prazo de 20 anos, tenho que está caracterizada a prescrição no caso em análise.
Após o trânsito em julgado da sentença de liquidação e o retorno dos autos ao Juízo singular, em novembro de 1991, a Companhia Brasília requereu nova perícia avaliatória, ao argumento de que teria transcorrido grande lapso entre a condenação e o ano de 1991, razão porque não considerou justa a indenização alcançada (fls. 650/655).
O magistrado, em 15.3.1994, decidiu contrariamente à pretensão da Companhia Brasília, ao entender que a pretensão formulada violaria a coisa julgada (fls. 674/677). Em 28.3.94, o mesmo magistrado profere a seguinte decisão:"Aguarde a parte interessada promover a execução".
Em 29.2.1996, houve nova manifestação do magistrado, quando da discordância da União sobre a atualização de cálculos, nos seguintes termos:" Aguarde-se a manifestação da parte interessada para promover a execução, ocasião em que apreciarei a manifestação da UF sobre a atualização dos cálculos ".
Em 9.4.1997, a Companhia Brasília requer vista dos autos, pelo prazo de 10 dias," a fim de diligenciar uma fórmula adequada para por fim a demanda "(fl. 689). A partir dessa data, os autos ficaram desaparecidos até 16.5.2001 (fl. 692).
Em 4.9.2001 é proferida sentença, em que se reconhece a ocorrência da prescrição da pretensão executiva, com a consequente extinção do processo com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, IV, do CPC.
Veja-se que pela simples descrição dos atos processuais praticados nos autos, em momento algum a Companhia Brasília deu início à ação executiva, mesmo após o magistrado singular ter sinalizado à parte então interessada que os autos estariam aguardando o início do processo executivo, momento em que, misteriosamente, os autos desapareceram, foram encontrados em um banco de igreja evangélica e devolvidos à secretaria da 3ª vara federal do Rio de Janeiro.
Assim, até a data do presente julgamento, não houve promoção da ação de execução, razão porque inevitável o reconhecimento da prescrição da pretensão executiva, que teve o prazo vintenário contado a partir do trânsito em julgado da homologação da sentença de liquidação, que se deu em 2.4.1990 e findou em 2.4.2010.
Imprescindível discorrer, por fim, sobre a inocorrência, na espécie, de interrupção do prazo prescricional.
O artigo 219 do Código de Processo Civil preceitua que somente a citação válida interrompe o fluxo do prazo prescricional. O Código Civil, por sua vez, enumera alguns outros casos de interrupção da prescrição, mencionados nos incisos do artigo 202, que não se amoldam ao caso dos autos.
A Companhia Brasília teve vinte anos para dar início à ação de execução e obter a citação da União, até mesmo para que eventualmente fossem oferecidos embargos à execução do julgado, o que não aconteceu. Todavia, o lapso prescricional correu na sua integralidade, não tendo ocorrido qualquer causa interruptiva da prescrição da pretensão executiva.
Cumpre-se registrar, por oportuno, que o sumiço dos autos, por mais de 4 anos, não pode ser considerado motivo interruptivo da prescrição, tendo em vista que a própria Companhia Brasília foi a responsável pelo desaparecimento dos autos, fato esse incontroverso. Veja-se (fls. 1.118):
Dessarte, não há como enquadrar o caso em análise em qualquer das hipóteses legais de interrupção do prazo prescricional, razão porque não há dúvidas da ocorrência da prescrição no caso em análise.
Por todo o exposto, CONHEÇO EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA EXTENSAO, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para declarar prescrita a pretensão executiva.
Inverto os ônus sucumbenciais, nos termos do fixado pelo magistrado de primeira instância.
Documento: 9665157 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |