29 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | PRIMUS INCORPORAÇAO E CONSTRUÇAO LTDA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FRANCISCO EDUARDO T ESGAIB E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO BRADESCO S/A |
ADVOGADO | : | LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTRO (S) |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. NOVAÇAO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO NEGÓCIO JURÍDICO ANTECEDENTE. MITIGAÇAO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 286 DO STJ. VIOLAÇAO DO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM.
1. A violação do art. 535 do CPC configurou-se, no caso dos autos, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração, nos quais os recorrentes apontam a existência de omissões, mormente no tocante à possibilidade de exame judicial de supostas ilegalidades substanciais nos contratos celebrados anteriormente à alegada novação com a instituição financeira (fls. 1.052-1.053), o Tribunal não se manifestou de forma satisfatória sobre o apontado vício, consoante se infere do voto condutor às fls. 1.061-1.066.
2. A novação, conquanto modalidade de extinção de obrigação em virtude da constituição de nova obrigação substitutiva da originária, não tem o condão de impedir a revisão dos negócios jurídicos antecedentes, máxime diante da relativização do princípio do pacta sunt servanda, engendrada pela nova concepção do Direito Civil, que impõe o diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato. Inteligência da Súmula 286 do STJ.
3. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem.
ACÓRDAO
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 02 de junho de 2011 (Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
Relator
RECORRENTE | : | PRIMUS INCORPORAÇAO E CONSTRUÇAO LTDA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FRANCISCO EDUARDO T ESGAIB E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO BRADESCO S/A |
ADVOGADO | : | LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Noticiam os autos que o Banco Bradesco S/A ajuizou ação executiva com base em título extrajudicial consubstanciado em contrato de re-ratificação, consolidação e confissão de dívida decorrente de mútuo com garantia hipotecária e outras avenças. A natureza da operação creditícia originária foi o financiamento da construção de um edifício de 22 (vinte e duas) unidades com a finalidade de moradia coletiva, para o que as partes firmaram instrumento particular de abertura de crédito, cuja verba seria captada na forma da Lei 4.380/64, devendo as operações de repasse, viabilizadoras da comercialização das unidades, orientar-se pelo disposto no art. 2º do Decreto 63.182/68 e no art. 10, 1º, do Decreto-Lei 2.284/86 (recursos captados em cadernetas de poupança). O contrato foi re-ratificado em 25/9/89, 19/4/91, 19/12/91 e 19/3/92.
Primus Incorporação e Construção Ltda. e outros ajuizaram ação de embargos à execução, em cujo bojo pleitearam a reconsideração do despacho saneador ou, alternativamente, fosse o mesmo recebido como agravo retido. Aduziu que a referida decisão teria designado audiência de instrução e julgamento de forma prematura, de forma que se tornou impossível a conclusão da prova pericial, cerceando-lhes a defesa (fls. 13-116). O Juízo singular não se retratou, reconhecendo suficiente a prova pericial, haja vista ter o perito respondido o quesito formulado pelo Juízo, bem como remarcando a audiência para data próxima (fls. 780-781).
Sobreveio sentença de parcial procedência do pedido para determinar a observância dos juros compensatórios de 12% (doze por cento) ao ano sobre o valor inicial do contrato, aplicado desde a data do empréstimo, bem como correção monetária pelo INPC, juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês e capitalização anual. Condenou os embargantes ao pagamento de custas e despesas processuais, arbitrando os honorários advocatícios em R$10.000,00 (dez mil reais) (fls. 859-879).
O Tribunal estadual negou provimento à apelação e ao recurso adesivo, nos seguintes termos (fls. 1.021-1.034):
Foi interposto recurso especial (fls. 1.070-1.106), com fundamento nas alíneas a e c"do permissivo constitucional, alegando, em suma:
a) ofensa ao art. 535 do CPC, ao serem rejeitados os embargos declaratórios opostos, sem se pronunciar sobre as seguintes questões: (i) cerceamento do direito de defesa, porquanto o Tribunal a quo não analisou os pactos anteriores em razão da novação, que nega ter ocorrido, o que também daria azo à violação do art. 515 do CPC; (ii) a obstrução pelo recorrido "do pagamento do empréstimo por sua forma institucional, qual seja, a de repasse de financiamentos (=novação subjetiva parcial), pois o recorrido estava obrigado a financiar a comercialização das unidades aos seus adquirentes-mutuários-finais"; (iii) a ilegalidade da cobrança do IOF e da taxa de contribuição ao FUNDHAB; (iv) a inadmissibilidade da incidência das disposições contratuais para apuração do valor exequendo a partir do ajuizamento da ação executiva.
b) violação dos arts. 8º, 9º, 11, 12, 15, 2º, 61, 5º, e 66 da Lei 4.380/64, porquanto o empréstimo em tela configurou operação do Sistema Financeiro da Habitação, tendo o próprio recorrido confessado nos autos que os recursos utilizados na operação creditícia eram oriundos da captação de depósitos em cadernetas de poupança (art. 15, 2º, da Lei 4.380/64), mormente considerando-se a expressa previsão desta Lei no sentido de que os recursos advindos desses depósitos só poderiam ser aplicados em operações do SFH;
c) negativa de vigência ao art. 1º, 1º, do Decreto-lei 70/66 que, sabidamente, refere-se tão somente à atuação dos agentes do SFH, como sói ser o recorrido nas suas operações típicas, quais sejam,"propiciar ou facilitar a aquisição de casa própria aos associados", os quais corresponderiam a cidadãos de todas as faixas sociais aptas à obtenção de empréstimo no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação;
d) ofensa aos arts. 6º, e, da Lei 4.380/64; 2º, b, e 8º do Decreto 63.182/68, porquanto o contrato em comento configura instrumento particular com força de escritura pública regido pelos arts. 61 da Lei 4.380/64 e 1º da Lei 5.049/66 c/c 26 do Decreto-lei 70/66, de modo que os juros convencionais incidentes sobre a aquisição de habitação (obrigação contraída com recursos da caderneta de poupança) não poderiam exceder a taxa de 10% (dez por cento) ao ano, impondo-se a sua redução;
e) omissão do acórdão recorrido quanto ao fato de que o Decreto 63.182/68 determina que suas disposições devem ser aplicadas às operações do mercado de hipotecas e demais programas habitacionais, sendo certo que, entre elas, inclui-se a limitação dos juros anuais em 10%;
f) omissão no tocante à não revogação da alínea e, do art. 6º, da Lei 4.380/64 e do art. 2º, d, do Decreto 63.182/68 pelo art. 4º, IX, da Lei 4.595/64, nem pelo Decreto 19/66, inclusive porque este último não versou sobre juros, mas apenas sobre correção monetária (tendo sido inclusive editado posteriormente àqueloutro);
g) a Súmula 596/STF não afetou as normas constantes da Lei 4.380/64 e do Decreto 63.182/68 em matéria de juros, somente vedou a aplicação da Lei da Usura em relação às instituições financeiras;
h) ofensa aos arts. 761, I, e 1.487 do Código Civil vigente, uma vez que o contrato de mútuo consensual ora examinado contém mera promessa e obrigação do Banco recorrido de liberar os empréstimos, sendo certo que a dívida a ser paga pela recorrente era condicionada à liberação desses recursos, apuração do saldo devedor e operacionalização dos repasses. Por isso, a outorga da hipoteca deu-se na forma prevista no Código Civil, ou seja, por estimação;
i) o contrato de mútuo bilateral (diverso do mútuo real) não consubstancia título executivo extrajudicial, razão pela qual foram violados os arts. 582, 583, 586, 614 e 615 do CPC, mormente pela ausência de prova do adimplemento da contraprestação a cargo do recorrido (citada no item antecedente), a qual é pressuposto necessário à satisfação da prestação pelo devedor;
j) violação do art. 5º do Decreto 22.626/33, que impõe juros moratórios de 1% ao ano, e não de 1% ao mês, o que culminou com a afronta também aos arts. 82, 130 e 145, II e III, do CC de 1916, vigente à época da contratação;
k) violação ao art. 6º, d, da Lei 4.380/68, uma vez que o recorrido incorporou os acréscimos de correção monetária e juros ao saldo devedor antes da dedução das amortizações efetuadas mensalmente, acarretando um remanescente de correção monetária e juros indevidos, que operam a elevação artificial do débito, promovendo o seu enriquecimento injustificado;
l) a aplicação de correção monetária, mesmo nas operações estranhas ao SFH ou integrantes do mercado de hipotecas, sujeita-se às regras do art. 6º, c da lei 4.380/68, que, ademais, tem eficácia de lei complementar, a partir da vigência da CF/88;
m) infração ao art. 23 do EOAB, porquanto foi mantida a condenação exclusiva do recorrente nas verbas sucumbenciais, desconsiderando o fato de que o recorrido sucumbiu em relação à parte acolhida dos embargos do devedor, o que tem o condão de atrair a incidência do art. 21 do CPC, para que os patronos da recorrente tenham direito aos seus honorários;
n) dissídio jurisprudencial com arestos do STJ, que entenderam no sentido de que o contrato de abertura de crédito, similar ao caso dos autos, não é título executivo extrajudicial - Súmula 233 do STJ;
o) dissídio jurisprudencial com acórdãos do STJ, que entenderam pela possibilidade de discussão judicial de ilegalidades praticadas em contratos bancários anteriores à renegociação; e pela aplicação da Lei 4.380/68 aos instrumentos particulares de abertura de mútuo, pacto adjeto de hipoteca e outras avenças.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 1.173-1.179, pugnando pela inadmissibilidade do recurso ante a incidência da Súmula 7 do STJ e a não comprovação do dissídio pretoriano.
O especial foi admitido na instância originária (fls. 1.191-1.195).
Foi intentado recurso extraordinário.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | PRIMUS INCORPORAÇAO E CONSTRUÇAO LTDA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FRANCISCO EDUARDO T ESGAIB E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO BRADESCO S/A |
ADVOGADO | : | LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTRO (S) |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. NOVAÇAO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO NEGÓCIO JURÍDICO ANTECEDENTE. MITIGAÇAO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 286 DO STJ. VIOLAÇAO DO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM.
1. A violação do art. 535 do CPC configurou-se, no caso dos autos, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração, nos quais os recorrentes apontam a existência de omissões, mormente no tocante à possibilidade de exame judicial de supostas ilegalidades substanciais nos contratos celebrados anteriormente à alegada novação com a instituição financeira (fls. 1.052-1.053), o Tribunal não se manifestou de forma satisfatória sobre o apontado vício, consoante se infere do voto condutor às fls. 1.061-1.066.
2. A novação, conquanto modalidade de extinção de obrigação em virtude da constituição de nova obrigação substitutiva da originária, não tem o condão de impedir a revisão dos negócios jurídicos antecedentes, máxime diante da relativização do princípio do pacta sunt servanda, engendrada pela nova concepção do Direito Civil, que impõe o diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato. Inteligência da Súmula 286 do STJ.
3. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. Preliminarmente, conheço do recurso especial pela alínea a do permissivo constitucional quanto à alegada violação ao art. 535 do CPC, uma vez que o dispositivo foi devidamente prequestionado.
Com efeito, o recorrente, desde a petição inicial, vem alegando a ocorrência de multifárias irregularidades perpetradas pelo banco recorrido com relação a aspectos substanciais dos contratos de financiamento originalmente celebrados, e que foram absorvidos, mediante apontada novação, pelo contrato de mútuo ora executado.
Extrai-se do relatório da sentença a argumentação do ora recorrente (fls. 860-861):
Não obstante, o Juízo singular decidiu que a novação das obrigações anteriores consubstanciaria óbice à análise dos pactos precedentes, razão pela qual passou a examinar tão somente a revisão das cláusulas contratuais deste contrato e sua aplicação (fls. 863-864).
Reiterou a recorrente a questão nas razões de apelação, mas o Tribunal, adotando o mesmo posicionamento do Juízo monocrático, negou-lhe provimento, extraindo-se do voto condutor os seguintes excertos (fls. 1029 e 1032):
Destarte, constata-se a violação do art. 535 do CPC, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração, nos quais os embargantes apontaram a existência de omissões, inclusive no tocante à possibilidade de exame dos pactos anteriores, quer tenha ocorrido ou não a novação (fls. 1.052-1.053), o Tribunal não se manifestou de forma satisfatória sobre o alegado vício, consoante se infere do voto condutor dos embargos de declaração às fls. 1.061-1.066.
2.1. É cediço que a novação, modalidade de extinção de obrigação em virtude da constituição de uma nova obrigação que passa a ocupar o lugar da primitiva, não tem o condão de impedir a revisão dos negócios jurídicos antecedentes, máxime diante da nova feição do Direito Civil, que, relativizando a aplicação do princípio do pacta sunt servanda, impõe o diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato.
Faz-se mister destacar, inclusive, tratar-se o caso dos autos de hipótese em que arguidas pela recorrente, desde as instâncias ordinárias, nulidades substanciais nos contratos novados, que teriam inviabilizado o pagamento das prestações assumidas, tais como, por exemplo: (i) a não ocorrência dos repasses, pelo Banco recorrido à recorrente, dos valores decorrentes da alienação de unidades aos mutuários finais, consoante contratualmente previsto; (ii) o bloqueio em conta corrente de parcelas da liberação do empréstimo; (iii) incidência de correção monetária diária em afronta ao disposto no art. 21 da Lei 4.864/65; entre outras.
Ademais, do laudo do perito judicial, vislumbra-se a possível existência de ilegalidades nos aludidos pactos (fls. 588-597) a merecerem apreciação pelo Juízo ordinário, como por exemplo:
2.2. Por essa razão, cabe a análise das alegadas irregularidades perpetradas pelo Banco recorrido nos contratos anteriores à novação, consoante permite a Súmula 286 do STJ:"A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores."
Impende salientar que os precedentes que deram origem a esse enunciado versavam exatamente sobre a possibilidade de discussão judicial dos contratos novados, consoante se dessume das respectivas ementas:
Corroborando esse entendimento, doutrina de escol leciona que:
No mesmo sentido, os seguintes precedentes:
3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para análise dos demais fundamentos da apelação, considerando superada a questão relativa à impossibilidade de análise dos contratos anteriores.
É o voto.
Número Registro: 2006/0098174-1 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 866.343 / MT |
PAUTA: 02/06/2011 | JULGADO: 02/06/2011 |
RECORRENTE | : | PRIMUS INCORPORAÇAO E CONSTRUÇAO LTDA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FRANCISCO EDUARDO T ESGAIB E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | BANCO BRADESCO S/A |
ADVOGADO | : | LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTRO (S) |
Documento: 1066308 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 14/06/2011 |