7 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
IMPETRANTE | : | AUGUSTO FAUVEL DE MORAES |
ADVOGADO | : | LUÍS RENATO ZAGO |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE | : | ANDRÉ RICARDO BONETTI ROSA |
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de ANDRÉ RICARDO BONETTI ROSA, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 903514.3/0-0000-000).
Noticiam os autos que o paciente foi denunciado, com mais um corréu, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso II, combinado com o artigo 11, ambos da Lei n. 8.137/90, pois, na qualidade de sócios e gerentes da empresa FRIGOÍSO - Frigorífico Paraíso Ltda., teriam reduzido a quantia de R$ 344,66 (trezentos e quarenta e quatro reais e sessenta e seis centavos) do ICMS incidente sobre uma carga de carnes.
Após regular instrução, a exordial acusatória foi julgada improcedente pelo magistrado singular, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Contra esta decisão se insurgiu o Ministério Público estadual por meio do recurso de apelação, apenas com relação à absolvição do paciente, ao qual foi dado provimento pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para condená-lo à pena de 2 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, nos termos da exordial acusatória. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade.
A defesa interpôs, então, recurso especial contra o acórdão da apelação criminal, o qual não foi admitido pela Presidência da Seção Criminal do Tribunal de Justiça bandeirante, o que deu ensejo à interposição de agravo de instrumento perante esta Corte Superior de Justiça, aqui autuado como Ag n. 957.977/SP, não conhecido em razão da insuficiência de peças essenciais.
Com o trânsito em julgado da condenação, o paciente, que à época era detentor do cargo de Vereador do Município de Paraíso/SP, teve declarado suspensos os seus direitos políticos, sendo intimado para o início do cumprimento das sanções que lhe foram impostas.
Sustenta o impetrante que a pretensão executória estatal estaria fulminada pela prescrição, aduzindo que já haveria decorrido o lapso temporal de 4 (quatro) anos desde o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Alega, alternativamente, que a conduta pela qual o paciente foi condenado seria atípica, já que o valor do tributo suprimido estaria abaixo do patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerado pela jurisprudência como o teto para a incidência do princípio da insignificância.
Defende, ainda, que a punibilidade do paciente estaria extinta em razão do pagamento integral do débito tributário que deu origem à ação penal em tela, de acordo com interpretação dada ao disposto no artigo 9º, 2º, da Lei n. 10.684/03.
Pretende, liminarmente, a suspensão dos efeitos da sentença condenatória proferida em desfavor do paciente, até o julgamento do mérito da impetração, no qual requer a concessão da ordem para que se declare a prescrição da pretensão executória estatal, a atipicidade da conduta que lhe foi atribuída na exordial acusatória, ou a declaração de extinção da punibilidade em razão do pagamento do tributo.
A impetração foi inicialmente distribuída ao Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), o qual indeferiu o pleito liminar formulado, por decisão publicada aos 6.7.2010.
Dispensadas as informações, em parecer acostado às fls. 121/124, o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem.
Em razão do pedido de preferência formulado à fl. 164, e com o término da convocação do Relator, por despacho proferido aos 6.10.2011 pelo Presidente desta Corte Superior de Justiça, os autos me foram redistribuídos.
Indeferido o pedido de reconsideração formulado às fls. 174/175, foram solicitadas informações à Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo, as quais aportaram aos autos 191/193.
É o relatório.
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Por meio deste habeas corpus o impetrante pretende, em síntese, que se declare a prescrição da pretensão executória do Estado ou, alternativamente, que se reconheça a alegada atipicidade da conduta atribuída ao paciente ou, ainda, a extinção da sua punibilidade pelo pagamento do tributo.
De início, afasta-se a alegada ocorrência da prescrição da pretensão executória estatal.
O termo inicial do referido prazo prescricional deve ser considerado a data em que ocorre o trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado, em respeito ao princípio contido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, sendo forçosa a adequação hermenêutica do disposto no artigo 112, inciso I, do Código Penal, cuja redação foi dada pela Lei n. 7.209/84, ou seja, é anterior ao atual ordenamento constitucional.
Isto porque, não haveria como se falar em início do prazo prescricional a partir do trânsito em julgado apenas para a acusação em razão da impossibilidade do Estado dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva, condicionada à resignação do acusado com a prestação jurisdicional.
Nesse sentido instar destacar o posicionamento doutrinário de Alberto Silva Franco e Rui Stoco, in verbis:
Dessa forma, necessária a ocorrência do trânsito em julgado da sentença para ambas as partes para que, só então, segundo jurisprudência desta Corte, seja dado início ao prazo prescricional da pretensão executória. Nesse sentido, confira-se:
Na hipótese em apreço, embora o trânsito em julgado da condenação para o Ministério Público tenha sido certificado aos 18.8.2006 (fl. 52), a defesa interpôs recurso especial contra o acórdão condenatório, insurgência que não foi admitida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o que deu ensejo, ainda, ao manejo do Agravo de Instrumento n. 957.977 perante esta Corte Superior de Justiça, o qual não foi conhecido por decisão alcançada pelo trânsito em julgado somente aos 22.10.2008, conforme se infere da certidão acostada à fl. 79.
Assim, considerando que ao paciente foi aplicada a pena de 2 (dois) anos de reclusão, o lapso prescricional aplicável à hipótese é o de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, circunstância que evidencia que a pretensão executória estatal ainda não foi fulminada pelo instituto em análise, o que ocorrerá apenas em 21.10.2012, caso não seja interrompido o lapso temporal com o início da execução da reprimenda, nos termos do artigo 117, inciso V, do Estatuto Repressor.
No que diz respeito à alegada atipicidade material da conduta atribuída ao paciente, melhor sorte não assiste ao impetrante.
Com efeito, não obstante esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento pacificado no sentido de aplicar o princípio da insignificância aos crimes contra a ordem tributária nos quais o valor da exação suprimido ou reduzido não ultrapasse a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), é certo que a referida construção jurisprudencial encontra arrimo na legislação federal de regência, o que impede a sua aplicação na hipótese em apreço.
Cumpre destacar que o aludido entendimento advém da interpretação dada ao disposto no artigo 20 da Lei n. 10.522/02, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.033/04, que dispõe:
Entretanto, o aludido diploma legal trata do Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, razão pela qual a interpretação que foi dada ao aludido dispositivo somente pode ser aplicada nos casos de crimes contra a ordem tributária que envolvam tributos de competência da União, o que não ocorre na hipótese em apreço.
Isto porque o fato do referido ente unitário da Federação, por razões políticas ou administrativas, optar por autorizar o pedido de arquivamento das execuções fiscais que não ultrapassam o patamar de R$(dez mil reais), não autoriza, por si só, que a mesma liberalidade seja estendida aos demais entes federados (Estados e Municípios), o que somente poderia ocorrer caso estes também legislassem no mesmo sentido, tendo em vista que, nos termos do artigo 18, caput , da Constituição Federal, são dotados de autonomia.
Assim, como a intervenção federal é admitida apenas em hipóteses excepcionalíssimas, é inviável a aplicação do referido entendimento jurisprudencial à hipótese em apreço, na qual o paciente foi condenado por reduzir o valor equivalente a R$ 344,66 (trezentos e quarenta e quatro reais e sessenta e seis centavos) referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, de competência dos Estados, nos termos do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal.
Até porque a alegada atipicidade material se trata de construção doutrinária que se amolda à natureza fragmentária do Direito Penal, aplicável àquelas condutas que não atingem de forma socialmente relevante o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. E dentre os critérios elencados pela jurisprudência pátria para a incidência do princípio da insignificância encontra-se a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada pela conduta, parâmetro que pode variar a depender do sujeito passivo do crime.
Portanto, o que se convencionou ser quantia irrelevante para União em termos arrecadatórios, pode não o ser para os Estados e os Municípios, que, se assim o desejarem, deverão editar as suas respectivas leis disciplinando a matéria.
A propósito, colhe-se a lição de Pedro Roberto Decomain:
E não havendo nos autos nenhuma comprovação de que o Estado de São Paulo tenha editado lei semelhante àquela que, com relação aos tributos de competência da União, deu origem ao entendimento jurisprudencial que se pretende ver aplicado ao caso em tela, afasta-se a alegada atipicidade material da conduta narrada na exordial acusatória.
No que diz respeito à alegação remanescente, referente à alegada extinção da punibilidade do paciente em razão do pagamento do tributo, a ordem deve ser concedida.
Com efeito, após tornar penalmente típica a figura da sonegação fiscal, representada pelas condutas de suprimir ou reduzir tributo e suas variações, o legislador pátrio editou diversas leis, de forma sucessiva, estabelecendo regramentos para o parcelamento e respectivo pagamento das dívidas tributárias contraídas pelos cidadãos, e a relação de tais fatos com o exercício do jus puniendi por parte do Estado.
A análise do tema mostra-se relevante para o deslinde da questão posta nos autos a partir da Lei n. 9.249/95, que alterou a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, a qual previa no seu artigo 34 que o pagamento do tributo ou contribuição social, com os respectivos acessórios, antes do recebimento da denúncia, seria causa de extinção da punibilidade do agente. À época, esta Corte Superior de Justiça, ao interpretar o aludido dispositivo, entendeu que a admissão do devedor ao regime de parcelamento tributário seria equivalente ao pagamento, razão pela qual também era considerada causa de extinção da punibilidade.
A título de ilustração, cita-se o seguinte precedente:
Posteriormente, a Lei n.9.9644/00, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, disciplinou que, durante o período no qual a pessoa física ou jurídica estivesse incluída no referido regime de parcelamento, a pretensão punitiva do Estado com relação aos delitos contra a ordem tributária permanecia suspensa, desde que a inclusão houvesse ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal, ficando suspenso também o curso do prazo prescricional.
A extinção da punibilidade, entretanto, apenas poderia ser declarada com o pagamento integral do débito tributário, e desde que isto ocorresse antes do recebimento da denúncia, conforme a redação 3º do artigo 15 da Lei n. 9.964/00.
Confira-se a evolução jurisprudencial desta Corte Superior de Justiça, representada pelo seguinte precedente:
Com o advento da Lei n.10.6844/03, optou o legislador por ampliar o lapso temporal durante o qual o adimplemento do débito tributário redundaria na extinção da punibilidade do agente responsável pela redução ou supressão de tributo, nos termos do seu artigo9ºº, 2º, verbis :
Da leitura do dispositivo colacionado, depreende-se que o legislador ordinário não fixou um limite temporal dentro do qual o adimplemento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática da sonegação fiscal.
Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comento, pacificou-se na jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denúncia.
A propósito:
A doutrina, ao tratar da matéria, refere-se à interpretação jurisprudencial que vem sendo dada pelos tribunais pátrios, assinalando que "como a regra em comento não traz nenhum março para sua incidência, o pagamento se pode dar a qualquer tempo " (FISCHER, DOUGLAS. Delinquência Econômica e Estado Social e Democrático de Direito . Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 191).
Tal entendimento, aliás, também é compartilhado pelo Pretório Excelso, conforme se infere do seguinte precedente:
(HC 81929, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, julgado em 16/12/2003, DJ 27-02-2004 PP-00027 EMENT VOL-02141-04 PP-00780)
Embora em ambos os casos que deram origem aos precedentes citados o adimplemento do débito tributário tenha ocorrido ainda no transcurso da ação penal deflagrada contra os respectivos pacientes, não se pode negar que o legislador ordinário, olvidando-se de estabelecer um limite temporal para a quitação da dívida apta a dar ensejo à extinção da punibilidade do agente, procurou ampliar as possibilidades de arrecadar a exação devida, deixando transparecer que, uma vez em dia com o Fisco, o Estado não teria mais interesse em atribuir-lhe uma reprimenda corporal em razão da sonegação verificada.
Trata-se, na verdade, de uma forma a mais posta à disposição do Estado para seduzir o contribuinte inadimplente a recolher aos cofres públicos o tributo que deve, satisfazendo, assim, os anseios arrecadatórios da administração pública.
Portanto, se no histórico das leis que regulamentam o tema o legislador ordinário, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, optou por retirar o março temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, porquanto incompatível com a ratio da legislação em apreço.
E assim, não há como se interpretar o artigo 9º, 2º, da Lei n. 10.684/03 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.
Na hipótese, por meio do ofício acostado à fl. 193 a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo informou que a Certidão de Dívida Ativa n. 52.098, a qual deu origem à ação penal em tela, encontra-se "com saldo devedor zerado e baixada por liquidação ", atestando a veracidade da documentação acostada aos autos referente ao alegado adimplemento do débito tributário e seus acessórios aos 27.8.2010 (fl. 87), sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente.
Entretanto, como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente, por causa que é superveniente ao aludido março, devem ser equiparados aos de uma declaração da prescrição da pretensão executória.
Ante o exposto, concede-se parcialmente a ordem para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no artigo 9º, 2º, da Lei n. 10.684/03.
É o voto.
Documento: 19242036 | RELATÓRIO E VOTO |