25 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ |
RECORRIDO | : | AGOSTINHO DE SOUZA E OUTRO |
ADVOGADO | : | FÁBIO ADALBERTO CARDOSO DE MORAIS E OUTRO (S) |
INTERES. | : | CARMELINA MARTINS E OUTROS |
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Carmelita Martins e outros seis autores, esposa e filhos de Leonardo Garcia de Almeida, ajuizaram ação de indenização em face de Agostinho de Souza e Irene de Souza, noticiando que, no dia 8.8.1995, o marido e pai dos autores faleceu em razão de acidente de trânsito que alegam ter sido causado por Antônio Carlos Lopes, empregado dos réus. Afirmaram que o preposto, embriagado, na posse de uma máquina retro-escavadeira de propriedade dos requeridos, ofereceu carona ao falecido e mais duas pessoas, na "concha" do mencionado veículo, e que em razão da imprudência e negligência do condutor, o acidente ocorreu, ceifando a vida de Leonardo Garcia de Almeida.
O Juízo de Direito da Comarca de Campo Largo/PR, reconhecendo a culpa concorrente da vítima e do preposto dos réus, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando-os a pagar aos autores pensão mensal equivalente a um salário mínimo, devida desde o evento danoso até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade (fls. 284-299), fixando a indenização total por dano moral no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Apelaram autores e réus.
O recurso dos autores buscou a elevação do valor da indenização a título de danos morais, a aplicação do art. 1.062 do Código Civil de 1916, para a fixação dos juros, a majoração da pensão mensal para dois salários mínimos e a constituição de capital para assegurar o pagamento da condenação (fls. 303-307).
O recurso dos réus almejou a reforma da sentença para afastar sua responsabilidade pelo acidente, ou, de forma subsidiária, para reduzir os valores da condenação (fls. 324-346).
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento ao agravo retido e deu provimento ao apelo dos réus, Agostinho de Souza e Irene de Souza, para julgar improcedente o pedido autoral, ficando prejudicado o recurso de apelação dos autores.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados (fls. 495-509).
Estando em litígio interesse de incapazes, o Ministério Público do Estado do Paraná, como custos legis , interpôs recurso especial apoiando-se na alínea a do permissivo constitucional.
Alega o Parquet ofensa aos arts. 159 e 1.521, inciso III, do Código Civil de 1916, porquanto, no caso, não haveria dúvida quanto à responsabilidade dos empregadores pelos danos causados por seu preposto, uma vez que este, "de forma imprudente e negligente, sem tomar as cautelas devidas, ofereceu carona à vítima [...]" e permitiu que ela "se alojasse na concha do trator retro-escavadeira, conduzido por ele na oportunidade" (fls. 518-519).
Contra-arrazoado (fls. 563-574), o especial foi admitido (fls. 591-593).
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pelo Subprocurador-Geral da República João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 603-609).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ |
RECORRIDO | : | AGOSTINHO DE SOUZA E OUTRO |
ADVOGADO | : | FÁBIO ADALBERTO CARDOSO DE MORAIS E OUTRO (S) |
INTERES. | : | CARMELINA MARTINS E OUTROS |
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO DO PREPOSTO. CULPA RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. (ART. 1.521, INCISO III, CC/16; ART. 932, INCISO III, CC/2002). ATO PRATICADO FORA DO HORÁRIO DE SERVIÇO E CONTRA AS ORDENS DO PATRAO. IRRELEVÂNCIA. AÇAO QUE SE RELACIONA FUNCIONALMENTE COM O TRABALHO DESEMPENHADO. MORTE DO ESPOSO E PAI DOS AUTORES. CULPA CONCORRENTE. INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDAS.
1. A responsabilidade do empregador depende da apreciação quanto à responsabilidade antecedente do preposto no dano causado - que é subjetiva - e a responsabilidade consequente do preponente, que independe de culpa, observada a exigência de o preposto estar no exercício do trabalho ou o fato ter ocorrido em razão dele.
2. Tanto em casos regidos pelo Código Civil de 1916 quanto nos regidos pelo Código Civil de 2002, responde o empregador pelo ato ilícito do preposto se este, embora não estando efetivamente no exercício do labor que lhe foi confiado ou mesmo fora do horário de trabalho, vale-se das circunstâncias propiciadas pelo trabalho para agir, se de tais circunstâncias resultou facilitação ou auxílio, ainda que de forma incidental, local ou cronológica, à ação do empregado.
3. No caso, o preposto teve acesso à máquina retro-escavadeira - que foi má utilizada para transportar a vítima em sua "concha" - em razão da função de caseiro que desempenhava no sítio de propriedade dos empregadores, no qual a mencionada máquina estava depositada, ficando por isso evidenciado o liame funcional entre o ilícito e o trabalho prestado.
4. Ademais, a jurisprudência sólida da Casa entende ser civilmente responsável o proprietário de veículo automotor por danos gerados por quem lho tomou de forma consentida. Precedentes.
5. Pela aplicação da teoria da guarda da coisa, a condição de guardião é imputada a quem tem o comando intelectual da coisa, não obstante não ostentar o comando material ou mesmo na hipótese de a coisa estar sob a detenção de outrem, como o que ocorre frequentemente nas relações ente preposto e preponente.
6. Em razão da concorrência de culpas, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), bem como pensionamento mensal em 1/3 do salário mínimo vigente à época de cada pagamento, sendo devido desde o evento danoso até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
7. Recurso especial conhecido e provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. O recurso especial é tempestivo, as teses deduzidas em suas razões foram prequestionadas em grau de apelação, mostra-se desnecessário o reexame de provas e o Ministério Público é parte legítima para recorrer, nos termos do que dispõe a Súmula n. 99/STJ: "O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte".
No caso, havendo partes incapazes em desfavor das quais se decidiu na instância a quo , a atuação do Ministério Público subsume-se ao art. 82 do Código de Processo Civil, razão pela qual, somada as acima expostas, conheço do recurso especial.
3. A moldura fática traçada nas instâncias ordinárias evidencia que Leonardo Garcia de Almeida faleceu depois de cair de uma máquina retro-escavadeira de propriedade dos recorridos, e conduzida por seu preposto, Antônio Carlos Lopes, o qual, após embriagar-se em um botequim próximo ao sítio onde atuava como caseiro dos recorridos, conduziu de forma graciosa a vítima, na "concha" da mencionada máquina. A vítima perdeu o equilíbrio em razão de manobra realizada pelo condutor e foi esmagada pela retro-escavadeira.
O acórdão ora impugnado, depois de rejeitar a análise do caso pela ótica da responsabilidade civil do empregador por ato do preposto, enfrentou a celeuma pelo viés da responsabilidade do guardião pelo fato da coisa, chegando à conclusão que exonerou os ora recorridos pela morte do de cujus .
Os fundamentos do acórdão podem ser sintetizados pelos seguintes trechos do voto condutor:
É bem de ver, todavia, que o mesmo fato pode enquadra-se - e amiúde enquadra-se -, em mais de uma teoria doutrinária acerca da responsabilidade civil, como responsabilidade pelo fato da coisa, pelo fato de outrem (pais, tutores, curadores e empregadores) ou pelo risco da atividade, apenas para citar alguns exemplos.
Basta dizer que um ato culposo praticado por preposto pode responsabilizar o empregador, a um só tempo, pelo só fato de ser empregador (art. 932, inciso III, CC/2002) ou, independentemente de culpa, porque a atividade normalmente desenvolvida implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único, CC/2002), respondendo o preponente de forma objetiva em ambas as hipóteses.
Ou, ainda, um proprietário de veículo automotor que o empresta a seu filho menor de idade pode responder pelos danos causados a outrem, tanto por ser genitor do causador imediato do dano (art. 932, inciso I, CC/2002), quanto por ser o proprietário do automóvel (REsp 895.419/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 3/8/2010, DJe 27/8/2010).
Nessa linha, levada ao limite a teoria da responsabilidade pelo fato da coisa, sem a consideração da conduta efetiva do agente, seria o proprietário, de regra, o responsável por todos os danos causados por ilícitos praticados mediante a utilização de instrumentos de sua propriedade, como uma dona de casa que tem sua faca de cozinha utilizada na prática de um homicídio, o qual seria absolutamente impróprio ser considerado um "fato da coisa" (da faca).
Por outro lado, ressalte-se que a jurisprudência do STJ em matéria de dano causado por veículo emprestado a terceiros, não deve ser interpretada como uma aplicação pura e simples da teoria do fato da coisa, mostrando-se relevante o "enorme risco social do automóvel" atualmente (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit . p. 218), como bem demonstra a ementa do acórdão proferido em paradigma sobre o tema:
Esse foi o alerta proposto pelo saudoso Aguiar Dias e citado pela Relatora do acórdão acima mencionado, no sentido de que "a circulação dos automóveis criou um risco social próprio, a que é preciso atender, estabelecendo a responsabilidade na base dos princípios objetivos" ( Da Responsabilidade Civil , 10 ed., 4 tir., Rio de Janeiro: Forense, 1997, vol. II, p. 412).
Com efeito, para além da aplicação pura e simples das diversas teorias acerca da responsabilidade objetiva - responsabilidade pelo fato de outrem, pelo fato da coisa, pelo risco da atividade, pelo risco criado, dentre outras -, deve haver uma válvula apta a neutralizar as imperfeições de cada uma delas, que leve em consideração sobretudo o custo social de se deixar sem o devido ressarcimento as vítimas de um dano injusto e inimputáveis importantes atores da vida social, como é o caso do proprietário de veículo automotor que o entrega voluntariamente a terceiro causador de acidente de trânsito.
É para esse horizonte de solidariedade e de socialização dos danos que caminha a responsabilidade civil atualmente, de modo que a vítima do dano - e não mais o autor do ato ilícito -, passa a ser o cerne de apreciação do julgador. Ou seja, "a responsabilidade, antes centrada no sujeito responsável, volta-se para a vítima e a reparação do dano por ela sofrido" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit . p. 156).
4. Analiso a celeuma, primeiramente, pela ótica da responsabilidade civil do preponente por ato do preposto.
A responsabilidade do empregador por ato do preposto possui matriz normativa no art. 1.521, inciso III, do Código Civil de 1916:
O atual Código aprimorou a redação do mencionado dispositivo, constando no art. 932, inciso III, o seguinte comando:
Na vigência do Código de 16, criou-se a tese da "culpa presumida" do empregador para justificar sua responsabilidade, lançando-se mão também das teorias da culpa in vigilando e da culpa in eligendo , entendimento sedimentado na Súmula n. 341/STF: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".
Isso porque o art. 1.523 do diploma superado, contrariamente ao que propugnava toda a doutrina e jurisprudência sobre o tema, dava a entender que a responsabilidade do empregador seria subjetiva, tal como a do empregado, decorrência da deficiência na vigilância ou da má escolha do preposto.
O indigitado artigo continha a seguinte redação:
Essa antinomia entre a literalidade do mencionado artigo e a realidade social, jurisprudencial e doutrinária foi bem examinada em voto paradigmático proferido pelo Ministro Philadelpho de Azevedo, no RE n. 5.427/BA, verbis :
A teoria da culpa presumida, com efeito, foi o mecanismo encontrado para dar alguma operância ao art. 1.523 do CC/16 - que era expresso em exigir a culpa do preponente -, sem, todavia, gerar graves e previsíveis injustiças para as vítimas de atos culposos de prepostos, porquanto são de conhecimento cursivo as dificuldades encontradas pelo autor/vítima em provar a má vigilância ou a má escolha do empregador.
Nessa linha também é o magistério de Aguiar Dias, dissertando acerca do pesado ônus imposto pelo brocardo actori incumbit probatio :
Porém, com a evolução da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, o atual Código Civil também abandonou a artificiosa teoria da culpa presumida do empregador para adotar, na esteira do direito comparado, a responsabilidade objetiva do preponente, quando provada a culpa do preposto, nos termos do que dispõe o art. 933:
Também nesse sentido, é o enunciado n. 451 aprovado na V Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF:
Essa também é a lição de Sílvio Venosa:
De fato, no Supremo Tribunal Federal, foi acolhida desde a década de 50, muito embora o art. 1.523 sugerisse o contrário, a tese da culpa presumida do empregador, independentemente de ilações acerca de sua contribuição ou não com o ato do preposto.
Nessa linha, transcrevo parte de substancioso voto proferido pelo Ministro Ribeiro da Costa, no RE n. 33.961, que bem aborda os motivos desse entendimento:
Caio Mário da Silva Pereira, citado por Rui Stoco, explicita também com exatidão esse percurso histórico trilhado pela responsabilidade civil do empregador por ato do preposto:
O caso ora em exame ocorreu ainda na vigência do Código Civil de 1916, mas, ainda assim, a responsabilidade do empregador por ato de prepostos deve passar por dois focos de apreciação: a responsabilidade antecedente do preposto pelo dano causado - que é subjetiva -, e a responsabilidade consequente do preponente, que independe de demonstração de culpa, seja porque era presumida no Código de 16, seja porque a responsabilidade é objetiva na vigência do Código de 2002, observada a exigência de o preposto estar no exercício do trabalho ou o fato ter ocorrido em razão dele.
Data venia , é nesse ponto que reside, a meu juízo, o equívoco do acórdão recorrido.
É que a lei não exige que efetivamente o preposto esteja em pleno exercício do trabalho, bastando que o fato ocorra "em razão dele".
Vale dizer, tanto em casos regidos pelo Código Civil de 1916 quanto nos regidos pelo Código Civil de 2002, responde o empregador pelo ato ilícito do preposto se este, embora não estando efetivamente no exercício do labor que lhe foi confiado ou mesmo fora do horário de trabalho, vale-se das circunstâncias propiciadas pelo trabalho para agir, se de tais circunstâncias resultou facilitação ou auxílio, ainda que de forma incidental, local ou cronológica, à ação do empregado .
Era assim antes e agora o legislador buscou esclarecer essa orientação no art. 932, inciso III, do CC/2002.
Esse é o magistério, mais uma vez, de Sérgio Cavalieri Filho acerca da fórmula aberta utilizada no direito pátrio - "por ocasião dele" (CC/16) ou "em razão dele" (CC/2002):
A Terceira Turma tem precedente na mesma direção:
No caso concreto, o acidente que ceifou a vida do esposo e pai dos autores ocorreu em razão do serviço prestado pelo preposto dos ora recorridos.
Consta dos autos que o sítio de propriedade dos recorridos foi confiado a Antônio Carlos Lopes para a prestação de serviços de caseiro. No local encontrava-se a máquina retro-escavadeira que Antônio conduzia por ocasião do acidente, muito embora contra as ordens de seus patrões, o que, segundo o acórdão recorrido, era prática costumeira, porquanto o mencionado caseiro usava a máquina "como se veículo de passeio fosse" (fl. 397).
Porém, o condutor da retro-escavadeira somente a ela teve acesso em razão do serviço de caseiro prestado aos recorridos, como o próprio acórdão confirma ao asseverar que o funcionário:
Na mesma linha afirma o voto condutor que o caseiro era "a pessoa plenamente responsável pela guarda do imóvel, bem como, dos bens que nele havia, na ausência dos patrões", realidade reforçada pela assertiva da sentença segundo a qual ao caseiro era permitido que "de vez em quando" fizesse a máquina funcionar, embora lhe fosse proibida sua remoção (fl. 293).
A partir dessa moldura fática, mostra-se indubitável que o condutor da retro-escavadeira valeu-se de sua posição de caseiro para a prática da conduta descrita nos autos, ficando estabelecido o liame funcional entre o trabalho exercido e o dano gerado a que faz menção o art. 1.521, inciso III, do Código Civil de 1916 (art. 932, inciso III, CC/2002).
De igual modo, é incontroverso o agir culposo do preposto dos recorridos, o qual, por negligência e imprudência, embriagado, conduziu a vítima na concha da máquina retro-escavadeira da qual veio a cair e ser atropelada.
Portanto, ficando demonstrado o liame entre o trabalho realizado pelo preposto e o dano gerado, assim também a conduta culposa deste, inafastável se mostra a responsabilidade civil do empregador.
5. Embora seja suficiente à reforma do acórdão recorrido o reconhecimento da responsabilidade do empregador por ato do preposto, como dito alhures, o caso ora analisado enquadra-se também na responsabilidade do proprietário de veículo automotor, por danos gerados por quem lho tomou de forma consentida.
Essa é a maciça jurisprudência da Casa:
Daí já se vislumbra que o acórdão recorrido, com a devida venia, aplicou mal a teoria da guarda da coisa. É que a guarda, segundo os ensinamentos civilistas clássicos, é imputada a quem tem o comando intelectual da coisa, não obstante não ostentar o comando material ou mesmo na hipótese de a coisa estar sob a detenção de outrem.
Esse é o magistério de Cavalieri Filho, na linha do entendimento de Caio Mário da Silva Pereira:
Nessa linha de raciocínio, somente pela culpa exclusiva da vítima, equiparável a fortuito externo, o guardião da coisa se isentaria da responsabilidade pela guarda, circunstância não verificada no caso, pois o preposto agiu de forma negligente e imprudente, mesmo porque a máquina retro-escavadeira é veículo quando colocada em via de trânsito (arts. 1º e 96 do CTB), devendo sujeitar-se a todas as regras aplicáveis ao tráfego comum de veículos.
Com efeito, também por esse viés estaria configurada a responsabilidade civil dos recorridos, proprietários do veículo e do sítio.
6. Não obstante a culpa grave do condutor da máquina retro-escavadeira, há de ser considerada também a culpa da vítima, que aceitou carona na concha da mencionada máquina, mesmo estando ambos, condutor e ela própria, a vítima, embriagados, conforme ficou comprovado no laudo de necropsia.
Assim, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, em razão do reconhecimento da culpa concorrente, a indenização a ser fixada deve ser reduzida a patamares abaixo do que normalmente se pratica.
Comumente, a parentes de primeiro grau e cônjuge de vítimas falecidas, fixa-se indenização por danos morais no valor equivalente a 500 (quinhentos) salários mínimos.
Porém, em razão da concorrência de culpas, as quais, repita-se, foram ambas muito graves, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Quanto ao pensionamento mensal, as instâncias ordinárias não reconheceram a percepção pelo de cujus de salário superior ao mínimo, razão pela qual deve ser essa a base de cálculo para a indenização pelos danos materiais experimentados pela família.
Presume-se que 1/3 do salário do trabalhador de baixa renda, como é o caso dos autos, seja gasto para o sustento próprio, sendo os 2/3 restantes destinados à manutenção da família. Em razão da concorrência de culpas, o pensionamento mensal deve ser fixado em 1/3 do salário mínimo vigente à época de cada pagamento, sendo devido desde o evento danoso.
Quanto ao termo final de pensionamento, a jurisprudência da Casa tem, paulatinamente, abandonado a presunção de que a vítima viveria até os 65 (sessenta e cinco) anos de idade, em vista a notória elevação da expectativa de vida do brasileiro.
Assim ficou estabelecido no REsp 164.824/RS, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 6/5/1999:
No mesmo sentido é o REsp 705.859/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2005, DJ 21/03/2005 p. 404.
Tem-se, de regra, adotado tabela de expectativa de vida elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - para se estimar o tempo de sobrevida a partir de determinada idade, a qual pode ser obtida no endereço eletrônico http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2006/masculino.pdf.
Nesse sentido, confira-se, a título de exemplo, o REsp 268265/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2002, DJ 17/06/2002 p. 268, e mais recentemente o REsp 503.046/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMAO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009.
No caso ora em exame, o de cujus faleceu aos 47 (quarenta e sete) anos de idade e, segundo a tabela elaborada pelo IBGE, a expectativa de sobrevida de indivíduos dessa faixa-etária é de cerca de 28 (vinte e oito) anos, totalizando 75 (setenta e cinco) anos de idade.
Porém, no caso concreto - e acolhendo as ponderações do voto-vista, o pensionamento mensal devido (1/3 do salário mínimo) deve ser pago até a data em que o falecido completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, porque foi esse o pedido deduzido na inicial.
No particular, quanto às parcelas vencidas e as que se vencerem sem o adimplemento, os juros moratórios e a correção monetária fluirão a partir da data em que deveria ocorrer cada pagamento, devendo também ser constituído capital para a garantia do adimplemento da pensão, nos termos da Súmula n. 313 e art. 475-Q do Código de Processo Civil.
7. Quanto aos juros moratórios e à correção monetária incidentes sobre a indenização por danos morais, há uma inconsistência interna na jurisprudência do STJ, segundo penso, e que deve ser resolvida.
De um lado, nos termos da Súmula n. 54, "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual", entendimento que foi mantido pela Segunda Seção para indenizações por danos morais, por ocasião do julgamento do REsp. n. 1.132.866/SP, Rel. para acórdão Ministro Sidnei Beneti.
Por outro lado, a Súmula n. 362 dispõe que "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento", ou seja, a partir de um março temporal diverso dos juros moratórios incidentes em condenações desse jaez.
Ocorre que a Corte Especial, órgão no qual foram aprovados ambos os verbetes, possui jurisprudência a proclamar o entendimento de que os juros moratórios em condenações vencidas a partir da vigência do Código Civil de 2002 devem observar a taxa SELIC, cuja incidência - nos termos do entendimento então sufragado - pressupõe a não cumulação com a correção monetária, porquanto tal encargo estaria embutido na SELIC.
Refiro-me ao acórdão de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, cuja ementa ora se transcreve:
A aplicação da SELIC isoladamente, sem cumulação com correção monetária, ficou bem explicitada por ocasião do julgamento dos embargos de declaração ao acórdão antes mencionado.
Nos termos do voto condutor, a Corte Especial entendeu que:
O precedente, inclusive, está sendo replicado no âmbito dos demais órgãos julgadores (REsp 951.521/MA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 11/05/2011; REsp 1139997/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 23/02/2011; REsp 933.067/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 17/12/2010; EDcl no REsp 1077077/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJe 05/06/2009.
Ou seja, se a SELIC embute juros moratórios e correção monetária em sua composição, sua incidência acarreta a fluência simultânea desses encargos.
Assim, para as causas cujo arbitramento da indenização ocorreu antes da vigência do Código Civil de 2002, não há problema a ser resolvido, porquanto incidia 0,5% a.m. de juros moratórios desde o evento danoso (Súmula n. 54), mais a correção monetária a partir do arbitramento (Súmula n. 362).
No caso de dívidas vencidas depois da vigência do Código Civil de 2002, pelo precedente citado da Corte Especial (EREsp 727842/SP), na indenização deve incidir a SELIC isoladamente, sem a contagem de nova correção monetária, e é essa a solução que se propõe, por ora, até que a Corte Especial solidifique o entendimento acerca da aplicação da SELIC, harmonizando-se as Súmulas n. 54 e 362.
8. Diante do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para julgar procedente o pedido deduzido na inicial e:
a) condenar os recorridos a pagar aos autores pensão mensal no valor equivalente a 1/3 do salário mínimo, devida desde o evento danoso até a data em que o falecido completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, com juros e correção monetária incidentes a partir da data em que deveria ocorrer cada pagamento, devendo também ser constituído capital para a garantia do adimplemento da pensão, nos termos da Súmula n. 313;
b) condenar os recorridos a pagar aos autores indenização por danos morais no valor de R$(vinte mil reais), montante no qual incidirão juros moratórios de 0,5% a.m. do evento danoso (Súmula n. 54) até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, e a partir daí a SELIC.
c) condenar os recorridos nas custas processuais e honorários advocatícios, estes à razão de 15% sobre o valor da condenação, nos termos do que dispõe o art. 20, 3º, do CPC.
É como voto.
Documento: 19931801 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |