27 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
ADVOGADO | : | PAULO MELO DE ALMEIDA BARROS E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | JOSÉ EUFLÁVIO HORÁCIO |
ADVOGADO | : | MARCOS DOS ANJOS PIRES BEZERRA E OUTRO (S) |
Trata-se de recurso especial, interposto pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/PB.
Ação: de reparação por danos materiais e compensação por danos morais, ajuizada por JOSÉ EUFLÁVIO HORÁCIO, em face da recorrente, em virtude da ocorrência de saques indevidos de numerário depositado em sua conta poupança.
Sentença: julgou improcedente o pedido. Nas razões de decidir, foi afastada a inversão do ônus da prova requerida pela recorrente (e-STJ Fl. 92).
Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, para condenar a recorrente ao pagamento de R$(quatro mil, oitocentos e setenta e sete reais e vinte e quatro centavos) a título de reparação por danos materiais e de R$(dois mil reais) para compensar os danos morais sofridos. Confira-se a ementa:
O acórdão recorrido inverteu o ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, pois seria extremamente difícil, ou mesmo impossível, que o apelante fizesse prova de que não realizou pessoalmente o mencionado saque, não autorizou que terceiro o realizasse ou, ainda, não foi negligente ou desidiosa quanto ao sigilo da senha de seu cartão magnético; note-se que se trata de prova de fato negativo, cuja dificuldade de produção tem levado a doutrina a intitulá-la de prova diabólica (e-STJ Fl. 117).
Recurso especial: alega violação dos seguintes dispositivos legais:
(i) arts.3333, I, doCPCC; 6º, VIII, doCDCC; e dissídio jurisprudencial, pois não se inverte o ônus da prova nas hipóteses em que se discute a realização de saques não autorizados em conta bancária;
(ii) art.1866 doCC/022 e dissídio jurisprudencial, porque em caso de saques efetuados em conta poupança, supostamente por terceiros, como a titular da conta possui o cartão e a senha, a ele compete a guarda dos mesmos, não se podendo responsabilizar a instituição financeira pelos saques (e-STJ Fl. 167).
Prévio juízo de admissibilidade: não apresentadas as contrarrazões ao recurso especial (e-STJ Fl. 229), esse foi admitido (e-STJ Fl. 230).
É o relatório.
RELATORA | : | MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
ADVOGADO | : | PAULO MELO DE ALMEIDA BARROS E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | JOSÉ EUFLÁVIO HORÁCIO |
ADVOGADO | : | MARCOS DOS ANJOS PIRES BEZERRA E OUTRO (S) |
Cinge-se a lide a determinar: (i) o cabimento ou não da inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, em ações que se discute a realização de saques indevidos de numerário depositado em conta bancária; (ii) se a recorrente deve responder objetivamente pelos danos sofridos pelo recorrido.
I - Da inversão do ônus da prova (violação do art. 333, I, do CPC, e 6º, VIII, do CDC, e dissídio jurisprudencial).
Inicialmente, é necessário destacar que a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor constituem requisitos alternativos e não cumulativos para a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC.
Com efeito, o texto legal, com vistas a garantir o pleno exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece que a inversão do ônus da prova será deferida quando a alegação apresentada pelo consumidor for verossímil, ou, por outro lado, quando for constatada a sua hipossuficiência.
Essa conclusão é obtida mediante a simples leitura do aludido dispositivo, do qual a transcrição se faz oportuna:
Registre-se, ainda, que a hipossuficiência a que faz remissão o referido inciso VIII deve ser analisada não apenas sob o prisma econômico e social, mas, sobretudo, quanto ao aspecto da produção de prova técnica.
Considerando as próprias regras ordinárias de experiências mencionadas no CDC, conclui-se que a chamada hipossuficiência técnica do consumidor nas hipóteses de ações que versem sobre a realização de saques não autorizados em contas bancárias dificilmente poderá ser afastada, tendo em vista, principalmente, o total desconhecimento, por parte do cidadão médio, dos mecanismos de segurança utilizados pela instituição financeira no controle de seus procedimentos e ainda das possíveis formas de superação dessas barreiras a eventuais fraudes.
A propósito, registre-se que a 3ª Turma/STJ, ao se deparar com situações análogas à dos autos, já reconheceu a possibilidade de inversão do ônus da prova, conforme demonstram os seguintes julgados:
Assim, mantém-se a inversão do ônus da prova na espécie.
II - Da responsabilidade objetiva da recorrente (violação do art. 186 do CC/02, e dissídio jurisprudencial).
A fundamentação do recurso especial, quanto ao ponto, busca esteio em possível excludente de responsabilidade do banco-recorrente advinda ou da inexistência do defeito citado os saques teriam sido realizados por um dos correntistas ou alguém a quem tivessem confiado o cartão magnético e a senha , ou da culpa exclusiva dos correntistas-recorridos desídia na guarda do cartão magnético e da senha (art. 14, 3º, I e II, do CDC).
A questão central resume-se em definir se o sistema de segurança nas transações bancárias por meio de cartão eletrônico é tão eficaz como quer fazer crer a recorrente, a ponto de construir presunção iure et iure de que, se ocorreu débito não pretendido pelo recorrido, esse se deu por culpa exclusiva desse ou de terceiro.
A questão põe em universos, aparentemente antagônicos, preceitos que em nome do desenvolvimento social, importa que andem juntas: o resguardo e proteção ao consumidor e a implementação de novas tecnologias na prestação de serviços.
Volvendo a assertiva de que o sistema utilizado pela instituição financeira na hipótese em comento, baseado no uso de cartão magnético mediante senha pessoal seria insuscetível de violação análise acurada do assunto demonstra a fragilidade da argumentação.
Por primeiro, a utilização do cartão magnético é procedimento instituído pelo banco para movimentação de conta corrente de seus clientes, não por motivo altruísta, mas buscando equiparação concorrencial e agilização de seus procedimentos operacionais;
Por segundo - todo o sistema voltado para a operacionalização do procedimento, bem assim, a segurança desse, é de responsabilidade da instituição bancária, sobre os quais, não detém o consumidor nenhuma forma de participação ou monitoramento.
Por terceiro, é falaciosa a tese de que apenas com o uso de cartão magnético e aporte de senha pessoal é possível se fazer retiradas em conta corrente. A tese não passa de dogma que não resiste a singelo perpassar de olhos sobre a crescente descoberta de fraudes e golpes contra correntistas e instituições financeiras, fato admitido, inclusive, pela própria entidade representativa deste segmento, como se observa de excerto extraído do site da Febraban Federação Brasileira de Bancos:
Sob esse prisma, impõe-se reconhecer que:
a) o sistema é suscetível de falhas que, se ocorrerem, podem dar azo a enormes prejuízos para o consumidor;
b) tratando-se de sistema próprio das instituições financeiras e geridos pelas mesmas, ocorrendo retirada indevida de numerário da conta corrente do cliente, não se vislumbra nenhuma possibilidade deste ilidir a "presunção de culpa" que deseja construir a instituição bancária.
Contudo, não se pode desqualificar a estrutura cuidadosamente criada para agilizar as operações bancárias, com evidentes vantagens também para o consumidor, sob a isolada afirmação de consumidores dos serviços bancários de que não efetuaram saques em sua conta corrente.
A solução para o aparente paradoxo, em consonância com a harmonização dos interesses dos consumidores e dos fornecedores frente ao desenvolvimento tecnológico e à busca do desejável equilíbrio nas relações de consumo (art. 4º, III, do CDC), impõe que o produtor da tecnologia usualmente o fornecedor produza também (se não existirem) mecanismos de verificação e controle do processo, hábeis a comprovar que as operações foram realizadas pelo consumidor ou sob as ordens desse.
Dessa forma, mesmo que não se aplicasse a inversão do ônus da prova, a redação do art. 14, caput , do CDC, tomada isoladamente, também seria meio hígido para afirmar que compete ao fornecedor a produção de prova capaz de confrontar a tese do consumidor. Nesse sentido:
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial, mas NEGO-LHE PROVIMENTO.
É o voto.
Documento: 10647697 | RELATÓRIO E VOTO |