27 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | EDÉSIO MOREIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | LEONARDO CAMILO GARCIA DE LAS BALLONAS CAMPOLINA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | JOAO CARDOSO NETO E OUTRO |
ADVOGADO | : | FERNANDO CÉSAR RAMOS FERREIRA E OUTRO |
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Trata-se de recurso especial interposto por EDÉSIO MOREIRA DA SILVA, com fundamento no art. 105, III, a e c , da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo colendo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, assim ementado:
Os embargos de declaração opostos foram julgados nos termos da seguinte ementa:
Em suas razões recursais, o ora recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts.1599 doCódigo Civil de 19166 e aos arts.1866 e9277 do Novo Código. Sustenta que a redução do valor da reparação dos danos morais de 500 salários mínimos (250 para cada réu) para R$ 13.000,00, para ambos os réus, resulta em quantia irrisória, o que possibilita a revisão do quantum indenizatório nesta via recursal. Afirma, nesse contexto, que "o Tribunal desconsiderou todas as provas produzidas nos autos e circunstâncias que comprovaram a crueldade da agressão, bem como a capacidade econômica dos ofendidos (possuíam à época um Jeep Cherokee e simplesmente aplicou a "tabela", ou seja, se o autor tivesse levado apenas um"tapa na cara"teria direito aos mesmos 50 salários mínimos que lhe foram atribuídos pelo Tribunal, após ser brutalmente e covardemente espancado por dois"pit boys", de situação econômica e financeira abastada, que somente não mataram o autor porque o mesmo foi arrancado de suas mãos. Pois, por tudo que se comprova da instrução processual os mesmos tinham a intenção de matar o autor e inclusive ameaçaram de morte uma das testemunhas " (fl. 432, e-STJ). Requer, ao final, seja restabelecido o valor fixado na r. sentença, a título de danos morais (250 salários mínimos para cada agressor).
Às fls. 508/511, JOAO CARDOSO NETO e OUTRO apresentaram suas contrarrazões, arguindo falta de prequestionamento, bem como inviabilidade de revisão do quantum reparatório na via estreita do recurso especial.
O recurso não foi admitido na origem (fls. 513/514, e-STJ). Por essa razão, o recorrente interpôs agravo de instrumento, o qual foi provido para melhor exame da controvérsia (fl. 519, e-STJ).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | EDÉSIO MOREIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | LEONARDO CAMILO GARCIA DE LAS BALLONAS CAMPOLINA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | JOAO CARDOSO NETO E OUTRO |
ADVOGADO | : | FERNANDO CÉSAR RAMOS FERREIRA E OUTRO |
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
A ação indenizatória, por danos morais, estéticos e materiais, foi ajuizada pelo ora recorrente EDÉSIO MOREIRA DA SILVA contra JOAO CARDOSO NETO e ROBERTO CARLOS DA SILVA.
Relatam as instâncias ordinárias que, em 15 de novembro de 1998, houve acidente de trânsito no qual o veículo do autor da ação indenizatória colidiu com a parte traseira do Jeep Cherokee de um dos réus, JOAO CARDOSO NETO. Nessa ocasião, os réus saíram do veículo e agrediram violentamente o autor, retirando-o à força de seu carro e espancando-o com socos e chutes em várias partes do corpo, além de bater sua cabeça contra uma grade, sendo que os réus ficavam revezando entre quem segurava a vítima e quem a agredia.
Segundo consta dos autos, o ato ocasionou inúmeras lesões no corpo do autor, especialmente em sua face, "tendo o nariz quebrado em três lugares, visíveis cortes no supercílio direito e na base esquerda do nariz, além de grandes hematomas nos olhos " (fl. 319, e-STJ). Ademais, a agressão trouxe sequelas de ordem emocional e psíquica.
O d. Juízo sentenciante não acolheu o pedido de indenização dos danos materiais e estéticos. Os primeiros, porque não provados, e os segundos, porque as cicatrizes deixadas no rosto não poderiam ser caracterizadas como deformidades permanentes, além de a cirurgia plástica ter conseguido solucionar a fratura do nariz, deixando cicatrizes apenas na parte interna da mucosa nasal, não visíveis na face. Reconheceu, porém, a configuração do dano moral, fixando a reparação em 250 salários mínimos para cada um dos agressores, com base nos seguintes fundamentos:
A Corte estadual, no entanto, reformou a r. sentença, nesse ponto, alterando o quantum reparatório para R$ 13.000,00, para os dois réus, com correção monetária a partir desta fixação e juros moratórios da data do evento danoso (Súmula 54/STJ), sob o fundamento de que"o valor arbitrado a título de danos morais deverá ser revisto, de acordo com os parâmetros da 49ª Reunião do Centro de Estudos Jurídicos Juiz Ronaldo Cunha Campos, realizada em 28.8.98, cujas decisões uniformizam e orientam os julgados desta Casa para semelhantes casos. Neste talante, igual valor indenizatório constante da sentença se presta, conforme o caso, para reparar a perda de um ente querido " (fl. 414, e-STJ).
É certo que o magistrado, seguindo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, deve, na fixação do valor da reparação do dano moral, levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, mas não pode perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta do causador do dano no meio social e a gravidade do ato ilícito.
Há casos em que a conduta do agente é dirigida ao fim ilícito de causar dano à vítima, atuando com dolo, o que torna seu comportamento particularmente reprovável. Nessa perspectiva, o arbitramento do dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação.
Com efeito, a reparação punitiva do dano moral deve ser adotada "quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável - dolo ou culpa grave - e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita " ( CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil . 9ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010, p. 99).
Conforme lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA , "na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris , porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material o que pode ser obtido" no fato "de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança. A isso é de acrescer que na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social à vítima " ( Responsabilidade Civil , atualizador Gustavo Tepedino, 10ª ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: GZ, 2012, pp. 413-414).
Atento a essas questões, o eminente Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS fez importantes ponderações, in verbis :
Portanto, não obstante autorizado, em determinadas circunstâncias, o reconhecimento do caráter punitivo do dano moral, não se pode perder de vista, em seu arbitramento, a vedação do enriquecimento sem causa da vítima.
Na hipótese dos autos, os réus espancaram o motorista, autor da ação indenizatória, que colidira com a traseira do carro que ocupavam. Essa reprovável atitude não se justifica pela eventual culpa do autor na ocorrência do acidente de trânsito, tampouco por sua alegada embriaguez - a respeito da qual existe discussão nos autos ( na r. sentença, o d. Juízo a quo desconsiderou o boletim de ocorrência que sugeria a embriaguez do autor, porquanto tal dado não estava embasado em exame que comprovasse se havia, realmente, ingestão de álcool - (fl. 324, e-STJ). Afirmou o Magistrado que o estado desnorteado da vítima decorria, provavelmente, das pancadas violentas na cabeça. O colendo Tribunal de Justiça, de outro lado, concluiu pela lisura do referido boletim de ocorrência e, portanto, pela embriaguez da vítima) . Ao contrário, esse tipo de acidente é comum na vida diária, estando todos suscetíveis ao evento, o que demonstra, ainda mais, a reprovabilidade da atitude extrema, agressiva e perigosa dos réus de, por meio de força física desproporcional e excessiva, buscarem vingar a involuntária ofensa patrimonial sofrida.
Nesse contexto, o montante de R$ 13.000,00, fixado pela colenda Corte a quo , para os dois réus, mostra-se irrisório e incompatível com a gravidade dos fatos narrados e apurados pelas instâncias ordinárias, o que autoriza a intervenção deste Tribunal Superior para a revisão do valor arbitrado a título de danos morais.
Destarte, considerando o comportamento doloso altamente reprovável dos ofensores, deve o valor do dano moral ser arbitrado, em atendimento ao caráter punitivo-pedagógico e compensatório da reparação, no montante de R$ 50.000,00, para cada um dos réus, com a devida incidência de juros moratórios e correção monetária.
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso especial para, majorando os danos morais, condenar cada um dos réus a pagar ao autor o valor de R$ 50.000,00, com a devida incidência de juros moratórios, desde o evento danoso (15/11/1998), de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, quando, então, submeter-se-á à regra contida no art. 406 deste último Diploma, a qual, de acordo com precedente da Corte Especial,
corresponde à Taxa Selic, ressalvando-se que a correção monetária, que incidiria a partir desta data, já está abrangida na Selic, pois é fator que já compõe a referida taxa, além dos ônus sucumbenciais.
É como voto.
Documento: 22011078 | RELATÓRIO E VOTO |