11 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | CLÉBER RENATO BORIN FERRO |
ADVOGADO | : | CARLOS EDUARDO BARAUNA FERREIRA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | RUBENS VENTURA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FELIPE CAZUO AZUMA E OUTRO (S) |
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Tem-se recurso especial em ação de reparação por danos materiais e morais ajuizada pelos ora recorridos RUBENS VENTURA, CLARICE APARECIDA DOS SANTOS VENTURA, MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA e MARÇO AURÉLIO DOS SANTOS VENTURA, em razão do homicídio doloso qualificado (CP, art. 121, 2º, II e IV) cometido pelo recorrente CLÉBER RENATO BORIN FERRO contra MODESTO VENTURA NETO, filho e irmão dos autores, respectivamente, e, ainda, em face de tentativa de homicídio contra o autor MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA.
Narram os autos que, em 21 de abril de 2003, inconformado com o namoro entre sua irmã e a vítima, dado que cultivavam, as vítimas e o réu, inimizade desde a infância, o ora recorrente, por motivo fútil, e usando de surpresa que impossibilitou qualquer defesa, aproximando-se pelas costas, desferiu tiros de revólver na vítima fatal, atingindo as costas e a cabeça do ofendido. Na sequência, tentou, ainda, o réu matar o irmão da primeira vítima, MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA, também autor, desferindo três disparos de arma de fogo sem, contudo, alvejá-lo. No desfecho dessas ações, desferiu o agressor um tiro no rosto de sua própria irmã.
Os autores comprovaram o trânsito em julgado da decisão penal condenatória pelos crimes de homicídio duplamente qualificado contra MODESTO VENTURA NETO, com pena de quatorze anos de reclusão, e tentativa de homicídio contra MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA, cuja pena foi de quatro anos de reclusão (fls. 191/200 e 255/256).
Na ação de reparação, a r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o requerido ao pagamento de danos morais pelos atos ilícitos perpetrados, fixando a importância de 300 (trezentos) salários mínimos para cada um dos genitores da vítima, 200 (duzentos) salários mínimos ao autor MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA e 150 (cento e cinquenta) salários mínimos ao autor MARÇO AURÉLIO DOS SANTOS VENTURA. Em relação aos danos materiais, a indenização ficou prejudicada por ausência de prova suficiente quanto ao ponto.
A decisão monocrática estabeleceu, ainda, que, a partir do trânsito em julgado, não havendo quitação do débito em quinze dias, ficaria automaticamente determinada a incidência de multa de 10%, nos termos do art. 475-J do CPC (fls. 279/294).
Interposta apelação pelo réu e apelação adesiva pelos autores, o eg. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por unanimidade de votos, negou provimento aos recursos, em acórdão assim ementado:
CLÉBER RENATO BORIN FERRO interpõe, então, recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, sustentando violação aos arts.1866,9277 e9444 doCódigo Civill/2002;1288,1311,3300,3333,4600 e4755 doCPCC, bem como aos arts.5ºº, V, X e LXXV, e377,6ºº, daConstituição Federall, além de dissídio jurisprudencial.
Aduz não objetivar o reexame de provas, mas sim sua correta valoração. Para tanto, com base nos mencionados dispositivos do Código Civil, sustenta ser imperioso o reconhecimento da concorrência de culpas.
Defende a necessidade da minoração do quantum indenizatório ao patamar total de 200 (duzentos) salários mínimos, por considerar configurado o enriquecimento indevido dos autores, trazendo aos autos dois julgados deste Tribunal para a comprovação da alegada divergência.
Por fim, sustenta ofensa ao art. 475-J do CPC quanto à parte do acórdão recorrido que determinou a incidência automática da multa de 10% pelo não cumprimento da sentença.
Sem contrarrazões (fl. 598), o recurso foi admitido (fls. 599/601) e encaminhado a esta Corte.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO RAUL ARAÚJO |
RECORRENTE | : | CLÉBER RENATO BORIN FERRO |
ADVOGADO | : | CARLOS EDUARDO BARAUNA FERREIRA E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | RUBENS VENTURA E OUTROS |
ADVOGADO | : | FELIPE CAZUO AZUMA E OUTRO (S) |
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): De início, fica afastado o exame dos dispositivos constitucionais invocados pelo recorrente, por ser incabível a apreciação de matéria constitucional em sede de recurso especial, sob pena de usurpação da competência do eg. Supremo Tribunal Federal, nos termos do que dispõe o art. 102, III, da Magna Carta.
Quanto aos arts. 128, 131, 330, 333 e 460 do CPC, tidos por violados, o recorrente apenas os menciona na petição recursal, não tecendo uma linha sequer acerca da matéria disciplinada pelos dispositivos, o que atrai, no ponto, o disposto na Súmula 284 do Pretório Excelso.
No tocante às alegações do recorrente acerca da concorrência de culpas, trata-se de matéria imprópria à discussão nesta oportunidade, já que envolve o reexame de provas.
É certo que a condenação criminal do réu não exclui, necessariamente, a possibilidade de verificação da concorrência de culpa, no juízo cível, na medida em que apenas a autoria e a materialidade do fato fazem coisa julgada no cível (art. 935 do Código Civil de 2002). Confira-se o seguinte precedente:
Entretanto, não há como, nesta oportunidade, chegar-se ao objetivo almejado pelo recorrente sem adentrar a seara probatória, o que encontra óbice na vedação inserida na Súmula77/STJ.
Portanto, o exame da controvérsia limita-se ao montante reparatório, fixado pelas instâncias de origem em 950 (novecentos e cinquenta) salários mínimos (300 para cada um dos genitores da vítima; 200 ao autor MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA e 150 ao autor MARÇO AURÉLIO DOS SANTOS VENTURA) e à aplicação da regra do art.475-JJ doCPCC.
O ponto específico, acerca do valor fixado a título indenizatório, foi atacado no recurso especial com base na letra c do permissivo constitucional. Foram colacionados apenas dois julgados, o Agravo de Instrumento 1.144.692/RS e o Recurso Especial 686.486/RJ.
A primeira decisão apontada como paradigma foi proferida monocraticamente (fls. 556/560), o que é inservível para a comprovação da divergência, e onde nem sequer foi discutido o valor da indenização.
O segundo precedente indicado tem premissas fáticas totalmente diferentes daquelas dos presentes autos. A começar porque, no paradigma, a sentença no juízo criminal foi absolutória e, ainda mais, no recurso especial foi discutida a condenação de terceiros responsáveis no âmbito cível, no caso, um banco e uma empresa de vigilância.
Não há, portanto, como se entender configurada a divergência jurisprudencial.
Ainda que assim não fosse, ressalte-se que, no caso, o quantum fixado na origem não se mostra exorbitante. A respeito da questão, salientou o em. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR :" A intromissão do Superior Tribunal de Justiça na revisão do dano moral somente deve ocorrer em casos em que a razoabilidade for abandonada, denotando um valor indenizatório abusivo, a ponto de implicar enriquecimento indevido, ou irrisório, a ponto de tornar inócua a compensação pela ofensa efetivamente causada "(REsp 879.460/AC, Quarta Turma, DJe de 26.4.2010).
No caso, destacou o col. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul:
Confira-se, ainda, o que afirma a bem lançada sentença:
Com base nesse suporte fático, as instâncias de origem condenaram a parte ré ao pagamento da reparação por danos morais no valor de 950 (novecentos e cinquenta) salários mínimos (300 para cada um dos genitores da vítima; 200 ao autor MARÇO ANTÔNIO DOS SANTOS VENTURA e 150 ao autor MARÇO AURÉLIO DOS SANTOS VENTURA).
Entendo razoável o montante fixado, que não destoa da proporcionalidade e da razoabilidade, tampouco dos critérios adotados pela jurisprudência deste Tribunal Superior.
Foram consideradas as circunstâncias do caso concreto, sopesadas a gravidade do ato ilícito e do dano causado, as condições econômicas das partes envolvidas e o grau de reprovabilidade da conduta, não se mostrando necessária nova adequação da verba indenizatória, na via estreita do recurso especial.
Anotem-se os seguintes precedentes:
Na hipótese, a conduta do agente foi dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, atuando com dolo, o que torna seu comportamento particularmente reprovável. Nessa perspectiva, o arbitramento do dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação.
Com efeito, a reparação punitiva do dano moral deve ser adotada"quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável - dolo ou culpa grave - e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita "( CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil . 9ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010, p. 99).
Conforme lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA ," na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris , porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material o que pode ser obtido "no fato" de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança. A isso é de acrescer que na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social à vítima "( Responsabilidade Civil , atualizador Gustavo Tepedino, 10ª ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: GZ, 2012, pp. 413-414).
Não há, assim, excepcionalidade capaz de ensejar a revisão do valor da reparação do dano moral por esta Corte de Justiça.
Contudo, como no presente recurso especial tem-se pedido abrangente de correção e redução de alegada exorbitância do valor fixado na instância ordinária a título de reparação do dano moral, cabe o afastamento da indevida indexação ao salário mínimo vigente na época do efetivo pagamento (CF, art. 7º, IV, parte final).
É necessário, então, um reparo apenas quanto à impossibilidade de utilização do salário mínimo como indexador para atualização do quantum devido (REsp 1.069.794/PR, Quinta Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ , DJe de 3/4/2012; REsp 1.245.527/SP, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI , DJe de 24/2/2012; AgRg no Ag 1.364.497/SP, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI BENETI , DJe de 30/3/2011).
Assim, o valor da reparação a título de danos morais, fixada no julgamento da apelação cível (em 25 de maio de 2011) em 950 salários mínimos, deve ser desindexado. Para tanto, toma-se em conta que, à época, o salário mínimo correspondia a R$ 545,00 (Lei 12.382/11), totalizando a indenização, então, R$(quinhentos e dezessete mil, setecentos e cinquenta reais), valor a ser acrescido de correção monetária (a partir dessa fixação) e de juros moratórios, estes desde o evento danoso (data do crime, em 21 de abril de 2003), conforme a Súmula 54 desta Corte.
Por fim, tem razão o recorrente no ponto relativo à violação do art. 475-J do CPC.
Com efeito, a partir do julgamento do REsp 940.274/MS, do qual foi Relator para acórdão o em. Ministro JOAO OTÁVIO DE NORONHA , a eg. Corte Especial, na sessão do dia 7 de abril de 2010 (acórdão publicado no DJe de 31.5.2010), firmou orientação de que, embora não seja necessária a intimação pessoal do devedor para pagamento espontâneo do débito, não pode ser dispensada, por outro lado, sua intimação por intermédio de seu advogado. Isso, porque"o cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática", não se podendo considerar que o termo inicial do prazo de quinze (15) dias, previsto no art. 475-J do CPC, para pagamento do montante condenatório, sob pena de multa de dez por cento (10%), inicie-se já a partir do trânsito em julgado da decisão."Dessa forma, concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exeqüendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência de multa no percentual de dez por cento sobre o montante da condenação (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil seguinte à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado, na Imprensa Oficial ."
Pelo exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para: I) afastar a utilização do salário mínimo como fator de indexação do valor reparatório dos danos morais; II) fixar o valor da reparação dos danos morais em R$(quinhentos e dezessete mil, setecentos e cinquenta reais), correspondente a 950 salários mínimos na época da condenação (em 25 de maio de 2011), com o correspondente rateio entre os promoventes, valor a ser acrescido de correção monetária (a partir do julgamento da apelação cível, em 25 de maio de 2011) e de juros moratórios, estes desde o evento danoso (data do crime, em 21 de abril de 2003), conforme a Súmula 54 desta Corte, submetendo-se à regra contida no art. 406 do Código Civil, a qual, de acordo com precedente da Corte Especial, corresponde à Taxa SELIC, salientando-se que a correção monetária, que incidiria a partir da fixação do valor no julgamento da apelação cível (em 25 de maio de 2011), já está abrangida na Selic, pois é fator que compõe a referida taxa; III) afastar a multa aplicada automaticamente com base no art. 475-J do CPC, a qual somente poderá ter lugar após a prévia intimação do devedor, pessoalmente ou por intermédio de seu advogado, para o pagamento do montante indenizatório, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Documento: XXXXX | RELATÓRIO E VOTO |