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- 2º Grau
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Inteiro Teor
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | BANCO PONTUAL S/A |
ADVOGADOS | : | ADRIANO FERRIANI E OUTRO (S) |
ALEXANDRE JAMAL BATISTA E OUTRO (S) | ||
CLARA MOREIRA AZZONI E OUTRO (S) | ||
RECORRIDO | : | INDUSTRIAS TEXTIS AZIZ NADER S A E OUTRO |
ADVOGADO | : | PEDRO ROTTA E OUTRO (S) |
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇAO DE CONTRATO DIRECIONADA CONTRA "AVALISTAS" DO TÍTULO EXECUTIVO. AVAL APOSTO FORA DE TÍTULO DE CRÉDITO. EXEGESE DO ART. 85 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 112 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). RECONHECIMENTO DA SITUAÇAO DE COOBRIGADO NA AVENÇA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇAO QUE PRIVILEGIA A INTENÇAO DOS CONTRATANTES, A BOA-FÉ OBJETIVA E OS USOS E COSTUMES .
1. A principiologia adotada no art. 85 do CC/16 - no que foi reafirmada de modo mais eloquente pelo art. 112, do CC/02 - visa conciliar eventuais discrepâncias entre os dois elementos formativos da declaração de vontade, quais sejam, o objetivo - consubstanciado na literalidade externada -, e o subjetivo - consubstanciado na internalidade da vontade manifestada, ou seja, na intenção do agente.
2. No caso concreto, é incontroverso que o ora recorrido assinou o contrato de mútuo como "avalista-interveniente". Porém, o próprio acórdão recorrido reconheceu que, no corpo do contrato, "o agravado Abdo Aziz Nader assumiu a condição de coobrigado interveniente avalista, nos termos da cláusula 8.7 dos contratos firmados pelas partes, objeto da execução" (fl. 127), o que evidencia, deveras, que a manifestação de vontade consubstanciada na literalidade da expressão "avalista" não correspondeu à intenção dos contratantes, cujo conteúdo era, decerto, ampliar as garantias de solvência da dívida, com a inclusão do sócio da devedora como coobrigado.
3. Assim, a despeito de figurar no contrato como "avalista-interveniente", o sócio da sociedade devedora pode ser considerado coobrigado se assim evidenciar o teor da avença, conclusão que privilegia, a um só tempo, a boa-fé objetiva e a intenção externada pelas partes por ocasião da celebração.
4. Ademais, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme os usos e costumes (art. 113, CC/02), e se mostra comum a prática de os sócios assumirem a posição de garantes pessoais das obrigações da sociedade da qual fazem parte (por aval ou por fiança), de modo que a interpretação pleiteada pelo ora recorrente não se distancia - ao contrário, aproxima-se - do que normalmente ocorre no tráfego bancário.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Março Buzzi.
Brasília (DF), 17 de maio de 2012 (Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
Relator
RECORRENTE | : | BANCO PONTUAL S/A |
ADVOGADOS | : | ADRIANO FERRIANI E OUTRO (S) |
ALEXANDRE JAMAL BATISTA E OUTRO (S) | ||
CLARA MOREIRA AZZONI E OUTRO (S) | ||
RECORRIDO | : | INDUSTRIAS TEXTIS AZIZ NADER S A E OUTRO |
ADVOGADO | : | PEDRO ROTTA E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Indústrias Têxteis Aziz Nader S/A e Abdo Aziz Nader ajuizaram embargos à execução proposta pelo Banco Pontual S/A, em liquidação extrajudicial, suscitando diversas preliminares e, no mérito, invocando disparidade na relação contratual e afirmando que a dívida, no valor de R$ 2.923.607,16 (dois milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e sete reais e dezesseis centavos), em 31.3.2002, já estaria paga.
Em decisão de saneamento do feito, o Juízo excluiu o segundo executado da relação processual:
O TJSP negou provimento ao agravo interposto contra a decisão acima parcialmente transcrita, nos termos da ementa a seguir:
Os embargos de declaração opostos (fls. 134-138) foram rejeitados (fls. 142-146).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no qual se alegou, além de dissídio, ofensa ao art. 85 do Código Civil de 1916, arts. 112 e 422 do atual Código Civil e art. 585, inciso II, do CPC.
Sustenta a recorrente não se poder conferir valor literal às declarações de vontade, de modo que, muito embora tenha o recorrido figurado como "avalista" no contrato objeto da execução, deve ser considerado como devedor solidário, porque isso é o que emanou de sua declaração de vontade.
O acórdão confrontado como paradigma da divergência é o REsp. n. 200.421/ES, Quarta Turma, rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 15.8.2000.
Contra-arrazoado (fls. 194-203), o especial foi admitido (fls. 205-206).
Em consulta à página do TJSP, constata-se que os embargos à execução foram parcialmente acolhidos para efeito de ajuste de valores, houve recurso de apelação e especial e, atualmente, a execução prossegue como provisória, sem a efetiva satisfação do crédito.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | BANCO PONTUAL S/A |
ADVOGADOS | : | ADRIANO FERRIANI E OUTRO (S) |
ALEXANDRE JAMAL BATISTA E OUTRO (S) | ||
CLARA MOREIRA AZZONI E OUTRO (S) | ||
RECORRIDO | : | INDUSTRIAS TEXTIS AZIZ NADER S A E OUTRO |
ADVOGADO | : | PEDRO ROTTA E OUTRO (S) |
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇAO DE CONTRATO DIRECIONADA CONTRA "AVALISTAS" DO TÍTULO EXECUTIVO. AVAL APOSTO FORA DE TÍTULO DE CRÉDITO. EXEGESE DO ART. 85 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 112 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). RECONHECIMENTO DA SITUAÇAO DE COOBRIGADO NA AVENÇA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇAO QUE PRIVILEGIA A INTENÇAO DOS CONTRATANTES, A BOA-FÉ OBJETIVA E OS USOS E COSTUMES .
1. A principiologia adotada no art. 85 do CC/16 - no que foi reafirmada de modo mais eloquente pelo art. 112, do CC/02 - visa conciliar eventuais discrepâncias entre os dois elementos formativos da declaração de vontade, quais sejam, o objetivo - consubstanciado na literalidade externada -, e o subjetivo - consubstanciado na internalidade da vontade manifestada, ou seja, na intenção do agente.
2. No caso concreto, é incontroverso que o ora recorrido assinou o contrato de mútuo como "avalista-interveniente". Porém, o próprio acórdão recorrido reconheceu que, no corpo do contrato, "o agravado Abdo Aziz Nader assumiu a condição de coobrigado interveniente avalista, nos termos da cláusula 8.7 dos contratos firmados pelas partes, objeto da execução" (fl. 127), o que evidencia, deveras, que a manifestação de vontade consubstanciada na literalidade da expressão "avalista" não correspondeu à intenção dos contratantes, cujo conteúdo era, decerto, ampliar as garantias de solvência da dívida, com a inclusão do sócio da devedora como coobrigado.
3. Assim, a despeito de figurar no contrato como "avalista-interveniente", o sócio da sociedade devedora pode ser considerado coobrigado se assim evidenciar o teor da avença, conclusão que privilegia, a um só tempo, a boa-fé objetiva e a intenção externada pelas partes por ocasião da celebração.
4. Ademais, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme os usos e costumes (art. 113, CC/02), e se mostra comum a prática de os sócios assumirem a posição de garantes pessoais das obrigações da sociedade da qual fazem parte (por aval ou por fiança), de modo que a interpretação pleiteada pelo ora recorrente não se distancia - ao contrário, aproxima-se - do que normalmente ocorre no tráfego bancário.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. O dissídio apontado ancora-se em precedente desta Corte formado no REsp. n. 200.421/ES, Quarta Turma, rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 15.8.2000, cuja ementa é a seguinte:
Não obstante o esforço argumentativo da recorrente, o acórdão paradigma ostenta particularidade que o faz se distanciar do caso em apreço, uma vez que, nos termos do relatório - fato que é também evidenciado pela ementa -, o antigo precedente da Quarta Turma tratou da "responsabilidade do avalista de cambial vinculada a contrato, que subscreve também o referido instrumento".
A bem da verdade, a tese acolhida pelo precedente citado é a mesma expressa na Súmula n. 26/STJ, segundo a qual "o avalista do título de crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário".
No caso em apreço, não há - ou não se faz menção - a título de crédito vinculado aos contratos que aparelharam a execução, tendo sido esse exatamente o fundamento no qual se estribou o acórdão recorrido para manter a declaração de ilegitimidade passiva do sócio interveniente do contrato.
Assim, não há similitude fática entre o acórdão recorrido e o precedente colacionado como paradigma.
3. Porém, a moldura fática entregue a esta Corte permite a exata compreensão da controvérsia e a formulação de solução diversa da que chegou o acórdão ora hostilizado, afigurando-se-me presente a vulneração do art. 85 do Código Civil de 1916 (equivalente, em essência, ao art. 112 do Código Civil de 2002).
O mencionado dispositivo possui a seguinte redação:
3.1. A principiologia adotada no art. 85 do CC/16 - no que foi reafirmada, de modo mais eloquente, pelo art. 112 do CC/02 -, visa conciliar eventuais discrepâncias entre os dois elementos formativos da declaração de vontade, quais sejam, o objetivo - consubstanciado na literalidade externada -, e o subjetivo - consubstanciado na internalidade da vontade manifestada, ou seja, na intenção do agente.
Nesse linha, o art. 85 do CC/16, embora manifeste predileção à intenção do agente, não afasta o elemento externo da vontade, conclusão extraída da fórmula "mais" - e não exclusivamente - "à sua intenção".
Verdade é que, se a investigação pura e simples da vontade interior do agente confere insegurança jurídica ao tráfego negocial - pois a documentação escrita da vontade é a garantia dos contratantes -, a leitura unicamente da literalidade da manifestação de vontade pode conduzir a injustiças.
Daí por que o Código Civil de 2002 - mais técnico e explícito que o anterior -, não se apegou nem à vontade psíquica do agente, nem à literalidade da manifestação, mas à intenção consubstanciada nas declarações, verbis :
Com efeito, o intérprete deve partir das declarações externadas para alcançar, na medida do possível, a manifestação efetivamente desejada, sem conferir relevância, dessa forma, à vontade omitida na declaração.
Essa é a sempre valiosa doutrina de Pontes de Miranda:
3.2. No caso concreto, é incontroverso que o ora recorrido assinou o contrato de mútuo como "avalista-interveniente", circunstância que levou o acórdão ora impugnado, mantendo a sentença, a rejeitar a legitimidade passiva para a execução da dívida, uma vez que, como é de cursivo conhecimento, aval é instituto eminentemente cambiário, não produzindo efeitos fora do título de crédito ou título cambiariforme.
Nessa mesma linha, afirmei como relator do REsp. n. 707.979/MG, que "o aval é instrumento exclusivamente de direito cambiário, não subsistindo fora do título de crédito ou cambiariforme ou, ainda, em folha anexa a este (art. 31 da Lei Uniforme)".
Porém, o próprio acórdão recorrido reconheceu que, no corpo do contrato, "o agravado Abdo Aziz Nader assumiu a condição de coobrigado interveniente avalista, nos termos da cláusula 8.7 dos contratos firmados pelas partes, objeto da execução" (fl. 127), o que evidencia, deveras, que a manifestação de vontade consubstanciada na literalidade da expressão "avalista" não correspondeu à intenção dos contratantes, cujo conteúdo era ampliar as garantias de solvência da dívida, com a inclusão do sócio da devedora como coobrigado.
A mencionada cláusula contratual é transcrita nas razões do recurso especial - e não impugnada pela parte adversária - nos seguintes termos:
Assim, a meu juízo, a despeito de figurar no contrato como "avalista-interveniente", o sócio da sociedade devedora pode ser considerado coobrigado, se assim evidenciar o teor da avença, conclusão que privilegia, a um só tempo, a boa-fé objetiva e a intenção externada pelas partes por ocasião da celebração.
Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:
No mencionado precedente, o ilustre Relator cita lição de Serpa Lopes, a qual, em razão da pertinência, adoto-a de igual maneira:
3.3. Por outro lado, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme os usos e costumes (art. 113, CC/02), e se mostra comum a prática de os sócios assumirem a posição de garantes pessoais das obrigações da sociedade da qual fazem parte (por aval ou por fiança), de modo que a interpretação pleiteada pelo ora recorrente não se distancia - ao contrário, aproxima-se - do que normalmente ocorre no tráfego bancário.
4. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e dou-lhe provimento para manter o ora recorrido no polo passivo da execução.
É como voto.
Número Registro: 2007/0293112-0 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.013.976 / SP |
PAUTA: 17/05/2012 | JULGADO: 17/05/2012 |
RECORRENTE | : | BANCO PONTUAL S/A |
ADVOGADOS | : | ADRIANO FERRIANI E OUTRO (S) |
ALEXANDRE JAMAL BATISTA E OUTRO (S) | ||
CLARA MOREIRA AZZONI E OUTRO (S) | ||
RECORRIDO | : | INDUSTRIAS TEXTIS AZIZ NADER S A E OUTRO |
ADVOGADO | : | PEDRO ROTTA E OUTRO (S) |
Documento: 1148714 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 29/05/2012 |