3 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
IMPETRANTE | : | EDUARDO DE VILHENA TOLEDO E OUTROS |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO |
PACIENTE | : | PAULO ROBERTO KRUG |
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de PAULO ROBERTO KRUG, apontando como autoridade coatora a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação Criminal n. 2004.70.00.015045-5).
Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado, além do pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 4º, caput , da Lei 7.492/1986.
Irresignados, defesa e acusação apelaram, tendo a Corte de origem julgado parcialmente prejudicado o recurso do réu, desprovendo-o no restante, e dado provimento ao apelo do Ministério Público para condenar o paciente à pena de 6 (seis) anos, 3 (três) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 44 (quarenta e quatro) dias-multa, como incurso nos artigos 4º, 16 e 22 da Lei 7.492/1986.
Sustentam os impetrantes que o paciente seria vítima de constrangimento ilegal, sob o argumento de que não poderia ter sido condenado pelo cometimento do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, uma vez que o tipo penal previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986 seria restrito às instituições formal e legalmente autorizadas pelo Banco Central a funcionar no sistema financeiro.
Aduzem que se teria imputado ao paciente a conduta de fazer funcionar instituição financeira clandestina, comportamento que não se enquadraria no tipo previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986, que pressuporia a existência de instituição financeira regularmente constituída, que atua dentro do Sistema Financeiro Nacional e sob a fiscalização do Banco Central do Brasil.
Alegam que para os casos de operação de instituições financeiras de fato se teria o crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/1986, que seria suficiente para proteger a competência legal atribuída ao Banco Central do Brasil no sentido de autorizar o funcionamento das instituições financeiras.
Argumentam que esta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 897.656/PR, em caso semelhante ao versado nos presentes autos, teria considerado que os tipos dos artigos 4º e 16 da Lei 7.492/1986 seriam incompatíveis entre si, não tendo admitido a condenação pelo crime de gestão fraudulenta de quem operou instituição financeira sem autorização para funcionar no Brasil.
Requerem a concessão da ordem para que o paciente seja absolvido do crime previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986, ante a aventada atipicidade de sua conduta.
Prestadas as informações (e-STJ fl. 90), o Ministério Público Federal, em parecer de fls. 99/130, manifestou-se pela denegação da ordem.
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com este habeas corpus pretende-se, em síntese, a absolvição do paciente no tocante ao delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, ante a alegada atipicidade da conduta a ele imputada.
Segundo consta dos autos, o paciente e outra corré foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos artigos 4º, 16 e 22 da Lei 7.492/1986, extraindo-se da peça acusatória os seguintes trechos:
Sobreveio sentença na qual o paciente restou condenado à pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado, além do pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 4º, caput , da Lei 7.492/1986, tendo o magistrado singular considerado que o referido ilícito teria absorvido os dispostos nos artigos 16 e 22 do mencionado diploma legal.
Irresignados, defesa e acusação apelaram, tendo a Corte de origem julgado parcialmente prejudicado o recurso do réu, desprovendo-o no restante, e dado provimento ao apelo do Ministério Público para condenar o paciente à pena de 6 (seis) anos, 3 (três) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 44 (quarenta e quatro) dias-multa, como incurso nos artigos 4º, 16 e 22 da Lei 7.492/1986, em continuidade delitiva.
Eis a ementa do acórdão:
Contra tal julgado foram opostos embargos de declaração, que foram acolhidos apenas para corrigir erro material na pena definitiva imposta ao acusado.
Ainda inconformada, a defesa interpôs recurso especial, ao qual foi negado seguimento (e-STJ fls. 121/124), decisão que foi mantida em sede de agravo regimental (e-STJ fls. 125/129) e embargos de declaração, estando pendentes de análise por esta Corte Superior de Justiça os aclaratórios opostos contra o agravo interno apresentado em face do indeferimento liminar do recurso extraordinário interposto pelo réu, consoante extrato de movimentação processual obtido junto à página eletrônica deste Sodalício.
Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração não merece acolhida.
Inicialmente, cumpre assinalar que não se desconhece a existência de julgados da Sexta Turma deste colendo Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais o crime previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986 pressuporia a existência de instituição financeira autorizada, não se caracterizando quando se cuida de empresa ou pessoa não habilitadas a atuar legalmente, hipótese em que incidiria o tipo disposto no artigo 16 do mesmo diploma legal (vide HC 197.569/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, j. 18.10.2011, DJe 17.11.2011 e REsp 897.656/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 11.12.2008, DJe 19.12.2008).
Contudo, não obstante os fundamentos declinados nos referidos precedentes, tem-se que esta não é a melhor compreensão acerca da abrangência do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira.
O crime previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986 encontra-se assim redigido:
Da leitura do tipo penal em exame, extrai-se que ele visa a tutelar a credibilidade do mercado financeiro e a proteger o investidor, punindo quem administra, gerencia ou dirige instituição financeira mediante fraude, vale dizer, com má-fé, ardil, abuso de confiança, entre outros.
Cumpre, então, analisar o conceito de instituição financeira para a caracterização do ilícito em comento.
Para tanto, deve-se recorrer à própria Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional que, em seu artigo 1º, enumera as entidades e pessoas que são consideradas instituições financeiras para fins de sua incidência.
Confira-se:
Como se pode verificar da definição legal de instituição financeira, esta não se restringe às regulares, abrangendo, também, todas as pessoas jurídicas e físicas que captem ou administrem seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recursos de terceiros, ainda que sem autorização do Banco Central do Brasil.
Conquanto não sejam totalmente desprovidas de fundamento as críticas à abrangência do conceito de instituição financeira contido no artigo 1º da Lei 7.492/1986, não se pode olvidar que o referido diploma legal tem por finalidade proteger o Sistema Financeiro Nacional em sentido amplo, vale dizer, não apenas a política financeira do Estado, mas também a ordem econômica, a saúde das instituições financeiras, o patrimônio dos investidores, a administração e a fé públicas.
E, para alcançar este mister, o legislador ordinário entendeu ser necessário adotar uma compreensão dilatada dos entes e pessoas que podem ser considerados instituições financeiras para efeitos de aplicação da Lei 7.492/1986, a qual, por óbvio, não pode ser ignorada pelo intérprete.
Assim, tendo a própria legislação de regência estabelecido as características de uma instituição financeira para efeitos de aplicação da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, não se pode excluir de seu âmbito de incidência as pessoas físicas ou as sociedades de fato que operam sem a autorização do Banco Central do Brasil, as quais, como visto, estão inseridas no conceito contido no artigo 1º da Lei 7.492/1986.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci esclarece que "por vezes, para evitar interpretações divergentes e conferir maior abrangência a um termo ou expressão, a lei penal promove conceituações que, em regra, estão fora do seu âmbito de atuação ", contexto no qual se insere o artigo 1º da Lei 7.492/1986, que fixou um "conceito amplo de instituição financeira" (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1080).
O mencionado autor prossegue, aduzindo que:
E, quanto às instituições financeiras por equiparação, notadamente a pessoa natural a elas assemelhadas, Nucci esclarece que a norma penal "busca atingir os denominados"fantasmas","testas de ferro","homens de palha","laranjas"", pessoas com "estreita ligação com os delinqüentes do"colarinho branco"" (Op. cit., p. 1081).
No caso dos autos, tendo o acórdão condenatório consignado que "dentro do estruturado esquema de operações ilegais de câmbio paralelo basicamente relacionadas através da Fênix Turismo, mediante a utilização de diversos esquemas fraudulentos, foram realizadas transações que acabaram por gerar movimentações financeiras de bilhões, ocasionando prejuízos de considerável monta ao Sistema Financeiro Nacional " (fl. 69), não há que se falar em atipicidade da conduta, uma vez que ela se subsume, perfeitamente, ao tipo constante do artigo 4º da Lei 7.492/1986.
Quanto ao ponto, é imperioso destacar que doutrina e jurisprudência têm admitido a equiparação dos chamados doleiros às instituições financeiras para que seja aplicada a Lei 7.492/1986.
Nesse sentido, José Paulo Baltazar Junior esclarece que os doleiros "são equiparados às instituições financeiras, com fundamento no inciso IIdo parágrafo único do art. 1º da Lei 7.492/86, bem como pela dimensão que têm as transferências de valores à margem do sistema oficial, levadas a efeito por doleiros, motivo pelo qual devem ser consideradas instituições financeiras, tanto em caso de pessoa física, também chamada de blequeiro, blequista ou cambista (TRF4, AC 20017103001826-0/RS, Élcio Pinheiro de Castro, 8ª T., u., 25.5.05), quanto de "pessoas jurídicas de realizam operações de câmbio"(STJ, RHC 9281/PR, Dipp, 5ª &., u., 13.9.00) " (Crimes Federais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2012, p. 391).
O mencionado autor prossegue, afirmando que o delito previsto no artigo 4º da Lei 7.492/1986 "tanto poderá ocorrer em instituição financeira regular, autorizada, quanto naquela que funciona sem autorização, caso em que haverá concurso formal com o delito do art. 16 ", sendo que a "interpretação contrária, ao argumento de que o art. 4º está dirigido somente a instituições regulares, acaba por deixar aquele que atua irregularmente em situação privilegiada " (Op. cit., p. 406).
Na mesma ordem de ideias, colhe-se o seguinte julgado deste Superior Tribunal de Justiça, em que não se acatou o pleito de trancamento da ação penal quanto ao crime de gestão fraudulenta, sob o argumento de que os pacientes atuariam sem a devida autorização do Banco Central do Brasil:
Em idêntico sentido, há recente precedente do Supremo Tribunal Federal:
(HC 93368, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe-163 DIVULG 24-08-2011 PUBLIC 25-08-2011 EMENT VOL-02573-01 PP-00030 - grifo do Relator.)
Em arremate, deve-se frisar que não são incompatíveis os crimes previstos nos artigos 4º e 16 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Isso porque no delito de gestão fraudulenta, disposto no artigo 4º da Lei 7.492/1986, pune-se quem gerencia instituição financeira de forma enganosa, com má-fé e com a intenção de ludibriar, dando aparência de legalidade a negócios ou transações que são, na verdade, ilícitas.
Por outro lado, ao coibir a operação de instituição financeira sem a devida autorização, a norma penal incriminadora disposta no artigo 16 do diploma legal em exame objetiva sancionar aquele que deixa de observar as formalidades exigidas pelo Banco Central do Brasil para que possa iniciar ou continuar suas atividades. Ve-se, assim, que os tipos penais em questão não são, de modo algum, incompatíveis entre si, pois enquanto o artigo 4º da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional diz respeito à má gestão da instituição financeira, o artigo 16 trata do seu funcionamento irregular, sendo que qualquer interpretação em sentido contrário terminaria por privilegiar aquele que gerencia fraudulentamente instituição financeira irregular, estimulando a proliferação de entes e pessoas que atuam sem a devida autorização do órgão competente.
Sobre o ponto, José Paulo Baltazar Junior explicita que"somente há crime se a gestão fraudulenta se dá em instituição financeira , nos termos em que conceituada pelo art. 1º da LCSFN ", não se exigindo, porém,"que se trate de instituição financeira regular, autorizada a funcionar, podendo haver concurso material com o crime do art. 16 se a instituição financeira não é autorizada ", pois "afirmar o contrário teria como consequência admitir que o administrador da instituição geria de forma fraudulenta poderia deixar de renovar ou mesmo solicitar o cancelamento da autorização para poder ficar sujeito a pena de 1 a 4 anos de reclusão, prevista no art. 16, afastando aquela de 3 a 12 anos de reclusão, prevista no art. 4º " (Op. cit., p. 405).
Esta também tem sido a compreensão adotada pela egrégia Quinta Turma deste Sodalício:
Inexiste, portanto, qualquer constrangimento ilegal a ser reparado por esta Corte Superior de Justiça, não merecendo reparos as conclusões da autoridade apontada como coatora.
Ante o exposto, denega-se a ordem.
É o voto.
Documento: 25374020 | RELATÓRIO E VOTO |