1 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
IMPETRANTE | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA |
ADVOGADO | : | WALMARIA FERNANDES SILVA - DEFENSORA PÚBLICA |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA |
PACIENTE | : | JOSÉ SALVO CUSTÓDIO DOS SANTOS |
MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de JOSÉ SALVO CUSTÓDIO DOS SANTOS, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que denegou a ordem no HC n. 0010132-24.2011.8.05.0000.
Noticiam os autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 306 da Lei n. 9.503/97, tendo sido proposta a suspensão condicional do processo sob as seguintes condições:
a) se abster de comparecer e frequentar bares e lugares que bebidas alcoólicas sejam servidas, bem como de dirigir sob efeito de álcool ou substâncias entorpecentes quaisquer;
b) comparecer em cartório para comunicar eventuais viagens e modificação de endereço, e, bimestralmente, a fim de justificar suas atividades; e
c) entregar a quantia correspondente a um salário mínimo destinada a uma instituição e/ou associação beneficente de Feira de Santana/BA.
Sustenta a impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sob o argumento de que não haveria fundamentação legal idônea para justificar a imposição da prestação pecuniária como condição para o sursis processual.
Observa que a expressão "outras condições" prevista no art. 89 da Lei n. 9099/95 não poderia ser interpretada de maneira que possibilitasse a aplicação de condições mais graves que as contidas no rol do referido dispositivo legal.
Argumenta que a pena pecuniária seria uma sanção penal, sendo necessária a observância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório para sua fixação.
Pondera que o indivíduo flagrado dirigindo sob o efeito de álcool já estaria submetido ao pagamento de multa e de fiança, caso não desejasse permanecer custodiado, não sendo adequado um novo desfalque patrimonial.
Requer, liminarmente e no mérito, que seja declarada nula a condição da suspensão condicional do processo referente ao pagamento de prestação pecuniária.
A liminar foi indeferida às fls. 75/76.
A autoridade apontada como coatora prestou informações à fl. 95.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 105/109, opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, por meio deste habeas corpus originário, impetrado em substituição ao recurso ordinário cabível, busca o impetrante a obtenção da providência jurisdicional que lhe foi negada pelo Tribunal de origem.
Cumpre analisar, preliminarmente, a adequação da via eleita para a manifestação da irresignação do impetrante contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma originária , os habeas corpus impetrados contra ato de tribunal sujeito à sua jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na alínea a do mesmo dispositivo constitucional.
Por outro lado, prevê a alínea a do inciso II do artigo 105 que o Superior Tribunal de Justiça é competente para julgar, mediante recurso ordinário , os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais o pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória.
Do cotejo dos aludidos dispositivos, percebe-se que o Poder Constituinte Originário, prevendo situações distintas envolvendo a tutela do direito de locomoção, atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça competências também diferenciadas, atento à sua peculiar função de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional.
Com efeito, tratando-se de coação ao direito ambulatório do indivíduo atribuível a quaisquer das autoridades elencadas nas alíneas a e c do inciso I do artigo 105, autoriza-se o manejo do writ de forma originária perante esta Corte Superior de Justiça. Em se tratando de coação perpetrada por qualquer outra autoridade, deve-se buscar na legislação pátria a competência originária para analisar o pedido de habeas corpus , em observância às normas atinentes ao devido processo legal.
Entretanto, nas últimas décadas os operadores do direito têm incluído na acepção do termo "coação" a manutenção pelos Tribunais locais ou regionais de atos praticados por juízes que atuam no primeiro grau de jurisdição, ou pelas demais autoridades submetidas às suas jurisdições, quando denegam os habeas corpus originariamente ali impetrados.
Institucionalizou-se o entendimento no sentido de que, mantendo a decisão objurgada, os Tribunais locais encampariam o alegado constrangimento ilegal, passando, então, a figurarem como autoridades coatoras. Tal interpretação passou a comportar o chamado habeas corpus substitutivo do recurso ordinário cabível, que veio a colocar em desuso a referida insurgência expressamente prevista no ordenamento constitucional.
Esta espécie de writ vem sendo utilizado em larga escala, tendo em vista as flagrantes vantagens frente ao recurso ordinário, especialmente pela ausência de maiores formalidades, já que dispensável até mesmo a capacidade postulatória.
Essa prática passou a ser chancelada pelos Tribunais Superiores, principalmente no final da década de 1980 e no decorrer da de 1990, quando a sociedade brasileira se viu ávida pela tutela de direitos que lhe foram tolhidos no período ditatorial.
Nesse diapasão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 109.956/PR, buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e dos artigos 30 a 32 da Lei n. 8.038/90, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário perante aquela Corte em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção.
Tal conclusão evidencia que, na hipótese, insurgindo-se o impetrante contra acórdão do Tribunal de origem que denegou a ordem pleiteada no prévio writ , mostra-se incabível o manejo do habeas corpus originário, já que não configurada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, razão pela qual não merece conhecimento.
Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício.
Na espécie, pretende-se, em síntese, o reconhecimento da nulidade do item III da proposta de suspensão condicional do processo - prestação pecuniária.
Da análise dos autos, verifica-se que o paciente, preso em flagrante em 1.7.2010, foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 306 da Lei n.º 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), porque conduzia veículo automotor, em via pública, em estado de embriaguez, expondo a dano potencial a incolumidade pública, pois, submetido a teste por policiais militares, constatou-se a concentração de álcool por litro de sangue de 1,28 mg/L (fl. 42).
Em audiência realizada em 13.6.2011, o Ministério Público Estadual, com fundamento no art. 89, caput , da Lei n.º 9.099/95, propôs a suspensão condicional do processo, pelo período de 2 (dois) anos, mediante o cumprimento das seguintes condições (fl. 43):
O paciente, consultado sobre a aceitação da proposta ministerial citada, manifestou total aquiescência (fl. 43).
No entanto, impetrou prévio writ visando à declaração de nulidade do item III da proposta de suspensão condicional do processo.
A Corte impetrada, no julgamento do habeas corpus , manteve a prestação pecuniária como uma das condições para a suspensão condicional do processo, pelos fundamentos a seguir aduzidos (fls. 59/61):
Compulsando os autos, entendo que razão não assiste à impetrante.
Com efeito, esta é a redação do art. 89, caput , da Lei n.º 9.099/95, que disciplina o tema em análise:
O 1.º do aludido dispositivo legal, por sua vez, determina que, aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, mediante o cumprimento das seguintes condições, quais sejam:
Conforme visto, a Lei dos Juizados Especiais Criminais - Lei n.º 9.099/95 -, além das condições obrigatórias previstas nos incisos do 1.º do art. 89, faculta a imposição, pelo magistrado, de outras condições para a obtenção da benesse em comento, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, em estrita observância aos princípios da adequação e da proporcionalidade.
E, na hipótese que se apresenta, não há como se acoimar de ilegal a decisão que entendeu devida a condição relativa à prestação pecuniária, nem do acórdão objurgado no ponto em que a manteve, tendo em vista que a obrigação de fazer imposta ao paciente - relativa ao pagamento de um salário mínimo a instituição e/ou associação beneficente -, nos moldes em que determinada, constitui legítima condição que pode ser proposta pelo Ministério Público e ser fixada pelo magistrado, nos termos do art. 89, 2.º, da mencionada lei federal.
Sobre essa questão, leciona JULIO FABBRINI MIRABETE:
Nesse sentido, os seguintes julgados da Quinta Turma deste Superior Tribunal :
Não se desconhece a existência de entendimento contrário, proferido no julgamento do HC n.º 108.650/PR, assim ementado:
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, recentemente, nos autos do HC n.º 108.103, confirmou a legalidade da decisão desta Corte que, ao dar provimento a Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, restabeleceu prestação pecuniária fixada como condição do sursis processual. Eis a ementa do acórdão:
Conforme destacado pelo Ministro Gilmar Mendes no citado habeas corpus , "o Plenário desta Suprema Corte, nos autos do Inquérito n. 2721, em decisão unânime, homologou proposta de transação penal em que se determinou a doação de cestas básicas e resmas de papel braile à determinada instituição social". O acórdão do citado inquérito recebeu a seguinte ementa:
Ademais, a despeito de discorrer sobre o desproporcional desfalque patrimonial (fl. 13), levando-se em consideração o pagamento de um salário mínimo somado ao valor da fiança pago para se livrar solto e da multa administrativa, o impetrante não demonstrou, em momento algum, qualquer fator impeditivo ao cumprimento pelo paciente das condições estabelecidas no acordo com o qual anuiu sem qualquer ressalva mormente no que diz respeito à obrigação pecuniária ora questionada.
E ainda, não se pode olvidar que a suspensão condicional do processo se trata de um instituto de política criminal, benéfico ao acusado, que visa a evitar a sua sujeição a um processo penal, cuja aceitação da proposta depende eminentemente da sua livre vontade, o qual, caso discorde dos seus termos, poderá recusá-la, situação em que o processo retomaria o seu curso normal, dando-se início à instrução probatória e ao respectivo julgamento, observado o devido processo legal.
Por fim, ressalte-se que as exigências propostas pelo Ministério Público - e, consequentemente, estabelecidas pelo juiz singular - não possuem caráter de pena, pois não envolvem nenhuma medida penal. Na realidade, trata-se de meras condições, com natureza jurídica diversa, de cunho pedagógico, ainda que utilizados alguns institutos afetos às sanções penais alternativas à prisão, representando, outrossim, restrições de suma relevância para o sucesso da suspensão condicional do processo.
Não se deparando, portanto, com flagrante ilegalidade no ato apontado como coator, não se conhece do habeas corpus substitutivo.
É o voto.
Documento: 24981148 | RELATÓRIO E VOTO |