26 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | DENISE DYBAS DIAS |
ADVOGADOS | : | APARECIDO JOSÉ DA SILVA E OUTRO (S) |
JANAINA CHUEIRY DE OLIVEIRA | ||
RECORRIDO | : | HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO |
ADVOGADO | : | DOUGLAS DOS SANTOS E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS SANTA CRUZ S/C LTDA E OUTRO |
ADVOGADO | : | CHARLES ERVIN DREHMER E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Denise Dybas Dias ajuizou demanda objetivando indenização por danos materiais e morais, ao argumento de que, em 4/2/2003, contratara os serviços do Laboratório de Análises Clínicas Santa Cruz, pagando-o com cheque de R$ 24,00. Entretanto, foi surpreendida com a compensação do título no valor de R$ 2.004,00, tendo sido obrigada a solicitar o pagamento adiantado de suas férias para cobertura do saldo devedor gerado em sua conta corrente (fls. 4-11).
Sobreveio sentença de improcedência do pedido, porquanto a sofisticação da adulteração elidiria a responsabilidade do estabelecimento bancário, bem como a adulteração não poderia ser atribuída ao Laboratório, o qual não cometera nenhum ato ilícito ao colocar o título em circulação (fls. 237-240).
O Tribunal estadual negou provimento aos recursos, em acórdão assim ementado (fls. 303-315):
1. Os títulos de crédito possuem ampla negociabilidade cambial, podendo ser transmitidos para terceiros desconhecidos, sem qualquer vedação.
2. Inexistindo culpa do banco, mas dolo de terceiro, há a isenção de responsabilidade da instituição financeira, em conformidade com o artigo 14, 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.
3 - Mantêm-se os honorários advocatícios em R$ 600,00 (seiscentos reais), vez que se trata de ação ajuizada em agosto de 2004, sobre matéria que não se revelou complexa, estando condizente, portanto, com o trabalho realizado, além de atender aos requisitos das alíneas a a, b e c, do 3º, do artigo 20 do CPC.
Nas razões do recurso especial interposto com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional, foi alegado dissídio jurisprudencial e violação dos arts. 333, II, do CPC e 6º, VIII, do CDC.
Sustentou o recorrente, em suma: a) a necessidade de realização da prova pericial para comprovação da sofisticação da adulteração do cheque, o que deveria ficar a cargo do Banco, em virtude da inversão do ônus da prova; b) a elisão da responsabilidade da instituição financeira somente se daria na hipótese de culpa exclusiva do correntista, nos termos da Súmula 28 do STF, e não na de culpa exclusiva de terceiro (fls. 318-326).
Foram oferecidas contrarrazões ao recurso (fls. 347-351), admitido pela instância ordinária (fls. 365-367).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | DENISE DYBAS DIAS |
ADVOGADOS | : | APARECIDO JOSÉ DA SILVA E OUTRO (S) |
JANAINA CHUEIRY DE OLIVEIRA | ||
RECORRIDO | : | HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO |
ADVOGADO | : | DOUGLAS DOS SANTOS E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS SANTA CRUZ S/C LTDA E OUTRO |
ADVOGADO | : | CHARLES ERVIN DREHMER E OUTRO (S) |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROVA PERICIAL. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CHEQUE COM ADULTERAÇAO SOFISTICADA. FALSO HÁBIL. CASO FORTUITO INTERNO. CARACTERIZAÇAO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇAO FINANCEIRA. DANOS MATERIAIS E MORAIS INDENIZÁVEIS.
1. A finalidade da prova é o convencimento do juiz, sendo este o seu direto e principal destinatário. Por isso que, sempre que constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento, assiste-lhe o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, sendo forçoso concluir que o seu livre convencimento é a bússola norteadora da necessidade ou não de produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide (art. 330, I, do CPC). Precedentes.
2. No que tange ao "falso hábil", assim entendido aquele cuja falsidade é perceptível "somente com aparelhos especializados de grafotécnica, por meio de gramafenia em que se detectem, e.g. , morfogêneses gráficas, inclinações axiais, dinamismos gráficos (pressão e velocidade), pontos de ataque e remate, valores angulares e curvilíneos" (ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários . Campinas: Editora Servanda, 2005, v.1, p. 284), abrem-se três possibilidades: (i) a inexistência de culpa do correntista; (ii) culpa exclusiva do cliente; (iii) culpa concorrente.
3. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno." (REsp 1.199.782/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado pela Segunda Seção, em 24/08/2011 sob o rito previsto no art. 543-C do CPC, DJe 12/09/2011)
4. No caso, não há se afastar a responsabilidade objetiva da instituição financeira quando inexistente culpa do correntista, por se tratar de caso fortuito interno, assistindo à recorrente o direito à indenização por danos materiais e morais.
5. Recurso especial provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. Cinge-se a controvérsia, para apurar responsabilidade do Banco em relação a cheque adulterado de correntista, a dois pontos: a) necessidade de realização da prova pericial - a cargo da instituição financeira -, tendente a demonstrar a sofisticação da adulteração do cheque; b) a responsabilidade civil do banco pelo pagamento de cheque objeto de sofisticada adulteração.
Insta ressaltar que a responsabilidade do Laboratório foi afastada pela instância ordinária, não tendo sido impugnado esse tópico nas razões do recurso especial.
3. Analiso o primeiro ponto.
Com efeito, é cediço que a finalidade da prova é o convencimento do juiz, sendo este o seu direto e principal destinatário.
Na profícua lição de Vicente Greco Filho, "no processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja: convencer o juiz".
Sob esse enfoque, o juiz tem inclusive o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, desprezando a produção de provas, ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento, sendo certo que o seu livre convencimento é a bússola norteadora da necessidade ou não de produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide.
O art. 330, inciso I, do CPC permite ao magistrado desprezar a produção de provas quando constatar que a questão é unicamente de direito ou que os documentos acostados aos autos são suficientes para nortear seu convencimento.
No caso em tela, o Tribunal a quo consignou a desnecessidade da realização da prova pericial, porquanto possível a certificação de que a adulteração não fora feita de modo grosseiro, bem como assentou que a inversão de prova, em relação consumerista, fica ao alvedrio do magistrado, não se tratando de medida automática (fls. 312-313):
Dessarte, tendo assim concluído a instância de origem, rever tal entendimento importa a necessidade de revolvimento de matéria fático-probatória, insindicável ao STJ na estreita via do recurso especial, ante o óbice erigido pela súmula 07 do STJ.
No mesmo sentido, confiram-se julgados deste Tribunal Superior:
Impende registrar que o entendimento do Tribunal de origem no sentido de que a inversão do ônus da prova não é automática, ficando a critério do Juízo, é corroborado por esta Corte, consoante se dessume do precedente abaixo:
4. Examina-se a questão relativa à impossibilidade de exclusão da responsabilidade civil da instituição financeira em razão da sofisticação na adulteração de cheque.
O parágrafo único do art. 39 da Lei 7.357/1985 preconiza que "o banco sacado responde pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou alterado, salvo dolo ou culpa do correntista, do endossante ou do beneficiário , dos quais poderá o sacado, no todo ou em parte, reaver o que pagou".
Com efeito, tal dispositivo sinaliza para a responsabilidade objetiva dos bancos pelo pagamento de cheque alterado - a qual somente é elidida pela culpa exclusiva do próprio correntista, do endossante ou do beneficiário -, sem fazer nenhuma menção quanto à qualidade dessa adulteração.
No que tange ao "falso hábil", assim entendido aquele cuja falsidade é perceptível "somente com aparelhos especializados de grafotécnica, por meio de gramafenia em que se detectem, e.g. , morfogêneses gráficas, inclinações axiais, dinamismos gráficos (pressão e velocidade), pontos de ataque e remate, valores angulares e curvilíneos" (ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários . Campinas: Editora Servanda, 2005, v.1, p. 284), abrem-se três possibilidades: (i) a inexistência de culpa do correntista; (ii) culpa exclusiva do cliente; (iii) culpa concorrente.
4.1. Na primeira hipótese, o banco procede ao pagamento do cheque habilmente falsificado sem que o correntista tenha qualquer parcela de culpa no evento danoso, como, por exemplo, no caso de lesão ao cliente por fraudes praticadas por terceiros.
A responsabilidade objetiva da instituição financeira decorre, evidentemente, de uma violação ao dever contratualmente assumido de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Foi esse o posicionamento albergado por esta Corte Superior por ocasião do julgamento do REsp 1.199.782/PR pela Segunda Seção em 24/08/2011, sob o rito previsto no art. 543-C do CPC, cuja ementa segue adiante:
Àquela ocasião, ficou decidido que, no tocante à culpa exclusiva de terceiros, somente é considerada apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor a espécie do gênero fortuito externo , ou seja, aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, sendo absolutamente estranho ao produto ou serviço.
Ao revés, o caso fortuito interno , conquanto também possa ser caracterizado pela imprevisibilidade e inevitabilidade, decorre do próprio risco do empreendimento, não excluindo, portanto, a responsabilidade do fornecedor por fazer parte de sua atividade.
Dessarte, a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento, atraindo, portanto, a responsabilidade objetiva do estabelecimento bancário.
Visa-se com isso evitar que:
Dessarte, ocorrendo algum desses fatos do serviço , há responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao consumidor direto.
Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que - reitera-se - somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo:
4.2. A segunda hipótese - culpa exclusiva do correntista - situa-se no extremo oposto, ou seja, tão só a conduta do cliente é a causa eficiente da ocorrência do dano, como, por exemplo, a falsificação do cheque pelo próprio correntista ou por terceiro a seu mando.
Por óbvio, a responsabilidade do estabelecimento bancário é excluída, nos termos do art. 39, da Lei 7.357/1985, combinado com o art. 14, 3º, II, do CDC, cabendo à Casa Bancária o ônus da prova de culpa exclusiva.
4.3. Configura-se a terceira hipótese quando a conduta do cliente reveste a condição de concausa da existência do evento danoso, influindo na qualificação e na quantificação da responsabilidade civil da instituição financeira, o que rende ensejo à compensação, nos termos do art. 39 da Lei 7.357/1985, sendo certo que também cabe ao banco alegar e provar a concorrência de culpa.
Nesses casos, a responsabilidade do banco não é afastada, mas tão somente reduzida a sua extensão.
É nesse sentido que deve ser interpretada hodiernamente a Súmula 28 do STF ao referir-se à culpa exclusiva do cliente - apta a elidir a responsabilidade objetiva do banco -, e à culpa concorrente - que dá azo à redução da indenização.
Isso porque, ainda que o conteúdo da referida Súmula do Pretório Excelso esboçasse nuanças de responsabilidade objetiva, entendia-se à época - nos idos da década de 60 - que a culpa concorrente do cliente possibilitava o afastamento da responsabilidade bancária.
Nesse sentido foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato em relação a cheque falsificado:" em princípio, o Banco é responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade, se provar culpa grave do correntista "(RE 8740, Relator (a): Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 18/11/1949).
Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo, por apresentação de cheque falsificado, ainda que de forma hábil, não se verifica pela mera concorrência de culpa do correntista, a qual, consoante já expendido, apenas tem o condão de reduzir a extensão da responsabilidade do estabelecimento bancário.
Nessa esteira, o seguinte precedente:
5. Quanto ao caso dos autos, conquanto encartado na primeira hipótese - inexistência de culpa do correntista -, ensejando a responsabilidade objetiva da instituição financeira, o Tribunal a quo afastou-a, consignando que (fls. 309-311):
Verifica-se, assim, que a instância ordinária considerou a sofisticação da adulteração como fato apto a afastar a responsabilidade do estabelecimento bancário, impondo ao correntista o ônus de arcar com o prejuízo a que não deu causa.
A Corte Estadual, portanto, entendeu que apenas o falso grosseiro é indene de dúvidas quanto à responsabilidade dos bancos, o que denota entendimento dissonante da jurisprudência desta Corte, merecendo reforma o acórdão recorrido.
Assim, tendo sido efetivamente comprovada a falsificação do cheque por terceiro e o prejuízo da correntista, ora recorrente, assiste-lhe o direito à percepção de indenização por danos materiais e morais.
Dessarte, quanto aos danos materiais, entendo pela condenação do recorrido à devolução da quantia sacada, corrigida desde a data do pagamento do cheque e com a incidência de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação.
Quanto aos danos morais, a jurisprudência tem entendido, em casos similares, que o abalo moral é in re ipsa e que é possível a fixação de indenização em até 50 (cinquenta) salários mínimos.
Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 971.113/SP, Rel. Ministro JOAO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/2010; AgRg no Ag 889.010/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008.
No caso presente, a recorrente viu-se compelida a requerer o adiantamento de suas férias para cobrir o saldo devedor no banco, tendo sofrido sérios abalos nas suas finanças, o que não me parece um aborrecimento corriqueiro.
Outrossim, a fixação do valor indenizatório deve guardar proporcionalidade com a condição econômica dos envolvidos e a gravidade da ofensa, razão pela qual entendo razoável o arbitramento de indenização por danos morais no patamar de R$ 25.000,00 (cerca de 37 salários mínimos), com correção monetária a partir desta data (Súmula n. 362) e juros moratórios desde a citação.
Com valores próximos, confiram-se os seguintes precedentes:
7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para condenar o recorrido ao pagamento de indenização por danos materiais e por danos morais, consoante os critérios acima explicitados. A cargo da ré, custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em 15% sobre o valor da condenação (art. 20, 3º, do CPC).
É o voto.
Documento: 27732497 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |