18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | FRANCISCO GIRVANDO FERREIRA DE OLIVEIRA (PRESO) |
ADVOGADO | : | FRANCISCO AIRTON DA SILVA |
RECORRIDO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ |
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por FRANCISCO GIRVANDO FERREIRA DE OLIVEIRA contra acórdão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que denegou a ordem no Writ nº XXXXX-74.2013.8.06.0000, afastando a alegação de excesso de prazo na instrução criminal e mantendo, por conseguinte, a segregação cautelar do recorrente nos autos da ação penal a que responde pela prática dos delitos previstos nos arts. 121, § 2º, incisos I e IV, e 129, ambos do Código Penal.
Sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ao argumento de que encontra-se preso desde 12-1-2012 sem que se tenha encerrado a instrução criminal da primeira fase da ação penal, a ponto de restar configurado excesso de prazo na segregação, o que denotaria violação ao postulado constitucional da razoável duração do processo.
Defende que não teria sido apresentada fundamentação idônea para a manutenção da custódia antecipada, reputando desnecessária a constrição, visto que ausentes os requisitos e fundamentos autorizadores da prisão preventiva elencados no art. 312 do CPP, ressaltando que não haveria nos autos principais testemunha visual do ocorrido, nem qualquer prova indicando-o como o autor dos delitos em exame.
Argumenta que a gravidade abstrata do delito e a presunção de periculosidade não seriam motivações hábeis a sustentar a imposição da medida extrema.
Observa que não restou demonstrada nos autos a sua pretensão de atrapalhar a investigação criminal e a escorreita coleta de provas, nada indicando que, solto, venha a atentar contra a ordem pública, atrapalhar a conveniência da instrução processual ou se furtar à aplicação da lei penal.
Assevera que as qualificadoras somente poderiam ser consideradas na condenação, para fins de aplicação da pena, e não para presumir a sua periculosidade, que é primário, de bons antecedentes, com residência fixa e profissão lícita, predicados que lhe permitiriam responder ao feito em liberdade.
Requer o provimento do recurso, para que possa responder ao processo em liberdade até o trânsito em julgado da decisão final, expedindo-se o competente alvará de soltura em seu favor.
Contrarrazoado, os autos ascenderam a este Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que o Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do recurso, com a recomendação de que a autoridade coatora imprima celeridade ao feito.
Informações prestadas, noticiando que em 12-2-2014 o recorrente foi pronunciado como incurso nas penas do art. 121, § 2º, incisos I e IV, c⁄c art. 132, todos do Código Penal, em concurso material, tendo o advogado de defesa recorrido da decisão e o órgão ministerial apresentado as contrarrazões, encontrando-se os autos, na época, prontos para serem remetidos à Corte Estadual para apreciação do inconformismo (fls. 538-539).
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Dos elementos que instruem os autos infere-se que o recorrente foi denunciado pela prática dos delitos previstos no art. 121, § 2º, incisos I e IV, c⁄c art. 129 e art. 69, todos do Código penal, porque em 5-12-2010, em tese por motivo torpe e mediante recurso que dificultou ou impediu a defesa da vítima, em companhia de indivíduo ainda não identificado, desferiu disparos de arma de fogo contra João Cassimiro Lima, conhecido como "João Cassote", causando-lhe a morte, bem como contra Luis Carlos Araújo Freitas, que estava na garupa da motocicleta da vítima fatal, lesionando-o no antebraço esquerdo (fls. 22-30).
Em 12-1-2012 foi decretada a prisão temporária do acusado pelo prazo de 30 (trinta) dias (fls. 310-316), tendo o Juízo Singular, em 16-2-2012, recebido a denúncia, oportunidade em que, acolhendo representação do Ministério Público feita na exordial acusatória, decretou a prisão preventiva do recorrente porquanto a entendeu imprescindível para o fim de resguardar a ordem pública, diante da gravidade do delito e da necessidade de se evitar a reiteração delitiva.
Destacou o togado que "o acusado teria cometido ainda outro delito de homicídio, sendo então reconhecido pela própria vítima que, antes de morrer, revelou o nome de seu algoz àqueles com quem ainda teve tempo de se comunicar" (fls. 358), e que, "realizada busca e apreensão na casa do acusado, a polícia ali localizou, em computador de propriedade do réu, as fotografias que estão às fls. 41⁄53 dos autos de nº XXXXX-79.2012.8.06.0160, apensos a estes, fortemente indicativas de que o acusado seja pessoa dedicada à prática de delitos" (fls. 359).
Designada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas seis testemunhas de acusação em 18-4-2012, sendo expedidas cartas precatórias para as comarcas de Limoeiro do Norte⁄CE, Nova Russas⁄CE e Canindé⁄CE, para oitiva de outras testemunhas (fls. 538-539).
Formulado pedido de revogação da prisão preventiva, este restou indeferido em 27-7-2012, destacando-se na ocasião a presença de indícios suficientes da autoria e de provas da materialidade delitiva, sendo a segregação antecipada imprescindível para a garantia da ordem pública, tendo em vista que da certidão de antecedentes acostadas aos autos, verifica-se que "o acusado teve várias passagens pela Justiça" (fls. 387), tratando-se "de uma pessoa absolutamente acostumada à reiteração delituosa" (fls. 387), somando-se a isso o fato "de o crime ter sido cometido com requintes de "profissionalismo"" (fls. 387), e que, "livre o acusado, voltaria, sem sombra de dúvidas, a cometer os seus delitos, continuando a apreender e deixar em estado de alerta a população local", pois, "afinal de contas, esta não foi a primeira vez que se envolveu-se em crimes" (fls. 388).
Em audiência de continuação de instrução, realizada em 29-8-2012, procedeu-se o interrogatório do recorrente, tendo o Ministério Público requerido a oitiva de mais duas testemunhas, o que foi deferido, sendo designada nova data para a realização do ato (fls. 538-539).
O órgão ministerial, em 19-12-2012, juntou relatório policial com o termo de depoimento pessoal de Tomé Almeida Carneiro, sendo que com base nessa documentação foi designada audiência para oitiva da referida pessoa, que só foi localizada em agosto de 2012, tendo o Ministério Público, com base no depoimento colhido, requerido vista dos autos para aditamento da denúncia (fls. 539).
Com vista dos autos, a representante do Parquet emitiu parecer dizendo que não entendeu necessária mais nenhuma diligência, ao tempo que requereu que a defesa fosse intimada para se manifestar sobre o último depoimento colhido, a qual, intimada, manteve-se inerte (fls. 539).
Inconformada, a defesa ingressou com remédio constitucional perante o Tribunal de origem que, entendendo suficiente e fundamentada a decisão de primeiro grau, denegou a ordem, ao argumento de que a manutenção da prisão do recorrente seria devida para a garantia da ordem pública, diante do "modus operandi da atuação do paciente, que teria lesionado uma vítima e executado a outra a disparos de arma de fogo", e, ao que parece, "motivado por um acerto de contas em função de dívida relativa à venda de crack" (fls. 449).
O Órgão Colegiado mencionou que o acusado "teria a fama de causar temor na população de Santa Quitéria-CE, devido ao seu comportamento violento e envolvimento com o tráfico de drogas", e que o Juízo singular havia informado que o recorrente "teria sido um dos idealizadores de uma rebelião na cadeia pública daquela municipalidade, motivo pelo qual foi transferido para a Casa de Privação Provisória de Liberdade - CPPL de Caucaia-CE" (fls. 449), circunstâncias que indicariam "a elevada periculosidade do paciente" (fls. 450).
Ademais, pontuou-se a "presença de indícios concretos de reiteração criminosa, tendo em vista que o paciente responde a outras ações penais pelo crime de homicídio" (fls. 450).
A Corte Estadual afastou, ainda, a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, forte no contido na Súmula 52 deste STJ, diante do encerramento da fase de colheita de provas, mencionando ainda que "a ação penal de origem conta com grande quantidade de testemunhas, sendo a prova do fato difícil e intricada" (fls. 454) e "necessária a expedição de várias cartas precatórias durante a instrução processual" (fls. 454), anotando, por fim, que "diante da descoberta de novos fatos, o Ministério Público ainda teve de fazer aditamento à denúncia" (fls. 454), contribuindo, portanto, para o aumento da complexidade do feito.
Das informações prestadas pelo magistrado singular e de consulta processual realizada na página eletrônica do Tribunal de origem (http:⁄⁄www.tjce.jus.br), verifica-se que, encerrada a fase do judicium accusationis, em 23-7-2013, o recorrente foi pronunciado para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incurso nas penas do art. 121, § 2º, incisos I e IV, e art. 132, c⁄c art. 69, todos do Código Penal, ocasião em que se manteve a sua segregação cautelar, pelos seguintes fundamentos:
Contra a mencionada decisão, a defesa interpôs recurso em sentido escrito, o qual se encontra em processamento.
Esclarecidos esses fatos, inicialmente, inicialmente, no tocante à alegada ausência de provas suficientes para a decretação da preventiva, cumpre registrar que, para tanto, não se exige prova concludente, apenas indícios suficiente que, ao que consta, se fazem presentes, tanto que o recorrente foi pronunciado.
Em relação ao alegado excesso de prazo, não há ilegalidade a ser reparada, uma vez que, como bem asseverado pela Corte Estadual, está encerrada a primeira fase do processo afeto ao Júri - judicium accusationis - já tendo inclusive sido prolatada pronúncia (fls. 550-554), atraindo o entendimento firmado no Enunciado n.º 21 da Súmula desta Corte Superior, que possui o seguinte teor: "Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução".
Colaciona-se, a propósito, o seguinte precedente:
Na mesma esteira:
No que tange aos fundamentos da segregação cautelar, verifica-se que a custódia encontra-se devidamente justificada e mostra-se necessária especialmente para a garantia da ordem pública, em razão da periculosidade acentuada do recorrente, dadas as graves circunstâncias em que ocorreram os fatos criminosos e os motivos que em tese os determinaram, evitando inclusive, com a medida, que continue a delinquir, merecendo destaque que a prisão foi mantida também em sede de pronúncia.
Como orienta a doutrina, a prisão preventiva pode ser ordenada "para fins externos à instrumentalidade, associada à proteção imediata, não do processo em curso, mas do conjunto de pessoas que se há de entender como sociedade. [...] A modalidade de prisão, para cumprimento desta última finalidade, seria a prisão para garantia da ordem pública", "quando se tutelará, não o processo, mas o risco de novas lesões ou reiteração criminosa", deduzidos, a princípio, da natureza e gravidade do crime cometido e da personalidade do agente (Comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência, Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012).
Na espécie, FRANCISCO GIRVANDO FERREIRA DE OLIVEIRA, também conhecido como "Vandinho", é acusado e foi pronunciado pela prática de homicídio qualificado, cometido em tese por motivo fútil e mediante recurso que dificultou ou impediu a defesa da vítima, bem como de perigo para a vida ou saúde de outrem, por ter, em companhia de indivíduo ainda não identificado, desferido disparos de arma de fogo contra João Cassimiro Lima, causando-lhe a morte, bem como contra Luis Carlos Araújo Freitas, que estava na garupa da motocicleta da vítima fatal, atingindo-o no antebraço esquerdo.
Narra a denúncia que as vítimas retornavam de um "baile funk" em uma motocicleta quando, ao adentrar em uma estrada, perceberam que estavam sendo seguidas por outra moto, ocasião em que o recorrente, que estava na garupa, ordenou a ambos que parassem no local, e, ao não ser atendido, desferiu disparo de arma de fogo contra os seus ocupantes, vindo a atingir Luis Carlos no antebraço, até que o veículo se desgovernou.
Da inicial acusatória infere-se que o recorrente, então, desceu da motocicleta com a arma de fogo na mão e ordenou que Luis Carlos se retirasse do local, pois João Cassimiro era quem seria o seu alvo.
A motivação, segundo consta da denúncia, admitida na pronúncia, teria sido vingança, "oriunda do fato de que a vítima devia-lhe importância em dinheiro pelo comércio de tráfico de drogas", tendo a esposa do ofendido esclarecido que "João Cassote traficava crack em Santa Quitéria e que enquanto estava recolhida na cadeia pública desta cidade por tráfico de drogas, recebeu a visita de seu marido, que confidenciou à mulher que havia pego com a pessoa conhecida por Vandinho a quantia de 20g de crack para vender, no valor de R$ 200,00 e que dessa divida havia pago a Vandinho somente RS 100,00, ficando devendo mais R$ 100,00 ao mesmo" (fls. 24).
Ademais, consta dos autos que, realizada busca e apreensão na casa do acusado, os milicianos localizaram no computador do recorrente, fotografias indicativas de que seria pessoa dedicada à prática de delitos, pois:
Assim, as circunstâncias em que se deram os crimes e os motivos que em tese os determinaram - de forma premeditada, em concurso de agentes, com frieza e violência e em tese motivado por vingança relacionada ao tráfico de entorpecentes, em que a vítima foi alvejada pelas costas -, associados ao fato de que o recorrente possuía em seu computador fotografias indicativas de apologia ao crime, bem evidenciam a sua periculosidade efetiva e a gravidade concreta dos delitos cometidos, mostrando que a prisão é mesmo devida para o fim de acautelar-se o meio social.
Evidente, na espécie, a maior reprovabilidade da conduta que lhe é assestada, mormente quando há notícias nos autos do temor que causa na comunidade em que vive, devido ao seu comportamento violento e envolvimento no comércio de drogas, fatores a mais a autorizar a medida extrema.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por seu turno, é pacífica no sentido de que: "Sempre que a maneira da perpetração do delito revelar de pronto a extrema periculosidade do agente, abre-se ao decreto prisional a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública" (HC 94330 ⁄ SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Julgamento: 20⁄03⁄2012 Órgão Julgador: Segunda Turma, DJe-078 DIVULG 20-04-2012 PUBLIC 23-04-2012), especialmente quando há risco concreto de reiteração, como ocorre na espécie, diante da personalidade do agente, voltada ao cometimento de crimes.
Nesse mesmo norte, tem-se:
De nosso Tribunal, nesse sentido, tem-se:
Como observado, a segregação cautelar mostra-se imprescindível, ainda, para se evitar a reiteração delitiva, uma vez que, conforme destacado pelo Juízo Singular e pelo acórdão objurgado, o recorrente responde a outras ações penais pelo crime de homicídio, tendo a denúncia destacado que, após os delitos sub examine, o acusado "praticara novo crime de homicídio, desta vez contra a vítima identificada por Carlinhos, com o qual mantivera entrevero e por conta de tal fato o executara sumariamente, em símile modus operandi do crime praticado, em desfavor de João Cassote" (fls. 25), em que "mais uma vez, o acusado e um comparsa, em sua moto perseguiram o vitimado e o executaram com quatro tiros de revólver" (fls. 26).
Tais circunstâncias são fatores a mais a justificar a preservação da preventiva na espécie, pois revelam a propensão à prática de crimes graves, concretizando a conclusão pela sua efetiva periculosidade social e inviabilizando a pretendida liberdade, pois patente a real possibilidade de que, solto, volte a cometer infrações penais, inclusive de mesma natureza.
Segundo a doutrina de JULIO FABBRINI MIRABETE: "Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinquente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida" (Código de Processo Penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 803).
Confira-se, a propósito, o seguinte precedente desta Corte Superior de Justiça:
Por fim, merece destaque que, segundo o acórdão, o Magistrado singular informou que o recorrente teria sido um dos idealizadores de uma rebelião na cadeia pública daquela municipalidade, o que levou à sua transferência para a Casa de Privação Provisória de Liberdade - CPPL - localizada em Caucaia⁄CE (fls. 499).
Ora, nos termos da jurisprudência desta Quinta Turma, o risco de fuga do distrito da culpa, comprovadamente demonstrado nos autos, seria motivo a mais para justificar a preservação da segregação cautelar para assegurar a conveniência da instrução criminal - que no caso de processos afetos ao Júri divide-se em duas etapas, judicium accusationis, já concluído, e judicium causae, em processamento - e para garantir a aplicação da lei penal.
Confira-se, a propósito, o seguinte julgado:
Nesse contexto, inviável acoimar-se de ilegal o acórdão quando manteve a prisão preventiva do recorrente, pois a sua real periculosidade, revelada pelas circunstâncias em que praticados os delitos e seus motivos, além da vida pregressa do réu, do efetivo risco de evasão e do temor causado no meio social onde vive, justificam a continuidade da constrição, especialmente quando assim permaneceu durante toda a primeira fase do processo afeto ao Júri.
Veja-se, nesse norte:
Dessa forma, demonstrados os pressupostos e motivos autorizadores da custódia cautelar, elencados no art. 312 do CPP, não se vislumbra constrangimento ilegal a ser reparado por este Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
É o voto.
Documento: XXXXX | RELATÓRIO E VOTO |