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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO GURGEL DE FARIA |
AGRAVANTE | : | FAZENDA NACIONAL |
ADVOGADO | : | PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL - PR000000O |
AGRAVADO | : | TRANSPORTE DINAMICO EXPRESS LTDA |
ADVOGADO | : | CRISTINA FERNANDES VEIZAGAS E OUTRO (S) - MS005131 |
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina (Presidente) e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator.
MINISTRO GURGEL DE FARIA
Relator
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Trata-se de agravo da FAZENDA NACIONAL contra decisão de inadmissão de recurso especial, o qual fora interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cuja ementa é a seguinte (e-STJ fl. 163):
No especial, a Fazenda alega violação dos arts. 458, 480, 481 e 535 do CPC⁄1973, dos arts. 94, 95 e 105, X, do DL n. 37⁄1966, dos arts. 23, IV e parágrafo único, 25 e 27 do DL n. 1.455⁄1976 e dos arts. 123 e 136 do CTN, por entender ser adequada a aplicação da pena de perdimento na hipótese de o importador ter em depósito mercadorias estrangeiras sem a documentação comprobatória de importação regular, desinfluente a existência de boa-fé. Em síntese, defende: "ainda que se pondere a suposta boa-fé da impetrante, que admitiu expressamente a ilegalidade da importação, tal atitude não tem o condão de afastar o dispositivo legal vigente, no caso, o art. 105, X, do DL 37⁄66, porque a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva, independe da intenção do agente e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato" (e-STJ fl. 194).
Sem contrarrazões, o recurso não foi admitido por se entender inexistente violação do art. 535 do CPC⁄1973 e porque encontraria óbice na Súmula 7 do STJ, fundamentos com os quais não concorda a agravante.
Sem apresentação de contraminuta por parte da TRANSPORTE DINAMICO EXPRESS LTDA.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do agravo.
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Deve-se consignar, de início, que, conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado n. 2).
Registro, desde logo, que julgarei este agravo conjuntamente com o recurso especial, conforme autorização do art. 1.042, § 5º, do CPC⁄2015.
O recurso especial que se quer admitido se origina em mandado de segurança impetrado, aos 03⁄04⁄2001, contra ato do Chefe da Inspetoria da Receita Federal em Cáceres⁄MT, por meio do qual TRANSPORTES DINÂMICO EXPRESS LTDA objetiva assegurar a liberação de mercadorias apreendidas, às quais o fisco quer aplicar a pena de perdimento.
Na causa de pedir, narrou-se que mercadorias, destinadas à Bolívia, "encontravam-se descarregadas do veículo transportador indicado no Manifesto Internacional de Cargas Rodoviária e Declaração de Trânsito Aduaneiro - MIC⁄DTA [...] no evento do procedimento fiscal aduaneiro, não houve a intenção de elisão pertinente à renúncia fiscal dos tributos suspensos por inerência de ter suas saídas não tributáveis para o exterior [...] isto pelo fato de não existirem tais infrações, portanto, não foi e não estão caracterizadas as alegações de prejuízos para o erário público [...] destaque-se, ainda, que o transporte das referidas mercadorias desde o seu local de origem para entrega até o ponto combinado e contratado na fronteira, mas antes da divisa aduaneira do País limítrofe, ou seja, na Avenida São Luiz, n. 528, Cáceres⁄Mt, onde está estabelecida a filial do transportador TRANSPORTES RODOVAL LTDA, que foi contratada para executar a operação à ordem da fabricante, exportadora VICUNHA NORDESTE S⁄A - INDÚSTRIA TEXTIL, daí que sendo o local da entrega de destino das citadas mercadorias no procedimento do despacho e desembaraço aduaneiro, conforme demonstram o conhecimento e manifesto [...] a partir da entrega das mercadorias pelo transportador nacional, a impetrante foi contratada para prestar os serviços e proceder ao transporte internacional dos produtos até o local de destino final - República de Bolívia - e entrega das referidas mercadorias ao importador, uma vez que a mesma é detentora e habilitada a efetuar o transporte de mercadorias em operações em trânsito aduaneiro, conforme Registro Cadastral de Habilitação de Empresas de Transporte Rodoviário Internacional de Cargas - RETRIC" (e-STJ fls. 6⁄10).
No primeiro grau, a segurança fora concedida, com os seguintes fundamentos (e-STJ fls. 111 et seq):
Essa sentença fora mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por ocasião do julgamento da remessa necessária e da apelação da FN. Vejamos o teor do voto condutor do acórdão a quo, no que interessa (e-STJ fls. 159⁄163):
A Fazenda, então, opôs embargos de declaração, pedindo integração quanto à não aplicação da teoria do fato consumado e quanto à natureza de responsabilidade objetiva das normas aduaneiras que determinam a aplicação da pena de perdimento (fls. 167⁄176). Entretanto, o recurso integrativo fora rejeitado sem qualquer acréscimo à fundamentação do acórdão embargado (e-STJ fls. 179⁄183).
Pois bem.
Não há violação dos arts. 458 e 535 do CPC⁄1973 quando o Tribunal de origem se manifesta de forma clara, coerente e fundamentada sobre as teses relevantes à solução do litígio, como no caso em análise, em que, inclusive, houve manifestação expressa sobre os motivos pelos quais não foram acolhidas as teses sustentadas pela Fazenda Nacional.
A propósito, com relação à questão, secundária, da não aplicação da teoria do fato consumado, embora as razões do recurso especial não indiquem qual dispositivo legal estaria sendo violado pelo órgão julgador a quo, nem sequer apontem precedente judicial referente a caso semelhante, importa mencionar, desde logo, que, em razão de, em tese, ser possível a conversão da pena de perdimento em multa, quando não mais possível a apreensão das mercadorias (§ 3º do art. 23 do Decreto-Lei n. 1.455⁄1976), não há mesmo falar em fato consumado nem em superveniente perda do interesse de agir.
Não obstante, esse entendimento não é suficiente ao acolhimento da pretensão fazendária, como adiante se explicitará, mormente porque o Tribunal de origem, embora tenha feito a anotação da referida teoria, julgou o mérito da pretensão mandamental.
Com relação à tese de que as normas aduaneiras tratam de responsabilidade objetiva, não sendo, assim, relevante à atuação do fisco a real intenção do agente, verifica-se que os fundamentos da decisão agravada não servem à inadmissão do especial, pois o delineamento fático-probatório contido no acórdão a quo, o qual revela a boa-fé do transportador, é suficiente à análise da pretensão da FN, sendo desnecessário o reexame de fatos e provas.
Isso considerado, vejamos.
À luz do art. 94 do DL n. 37⁄1966, "constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los" (caput), sendo que, "salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato" (§ 2º).
A responsabilidade pela infração, nos termos do art. 95, I e II, do DL n. 37⁄1966, pode ser atribuída, conjunta ou isoladamente, a: i) "quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática, ou dela se beneficie"; e ii) "o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes".
A aplicação da pena de perdimento, conforme disposições do art. 105, I, do DL n. 37⁄1966, c⁄c o art. 23, IV, DL n. 1.455⁄1976, e no que interessa ao caso dos autos, dá-se no caso de dano ao erário, "em operação de carga ou já carregada, em qualquer veículo ou dele descarregada ou em descarga, sem ordem, despacho ou licença, por escrito da autoridade aduaneira ou não cumprimento de outra formalidade especial estabelecida em texto normativo".
O que se anota é suficiente à conclusão de que a intenção do agente, a que se refere o § 2º do art. 94 do DL n. 37⁄1966, apta a atrair a responsabilidade pela infração correlata, é irrelevante somente quando o ato praticado oportuniza, efetivamente, o dano ao erário.
Essa conclusão deriva da interpretação sistemática dos incisos do art. 23 do DL n. 1.455⁄1976 e do art. 105 do DL n. 37⁄1966, os quais elencam situações em que a autoridade fiscal se depara com fatos com alta probabilidade de revelarem a intenção ilícita daqueles que praticam os atos descritos, como, por exemplo, descaminho, contrabando e sonegação fiscal.
Referidos artigos, portanto, veiculam presunção de dano ao erário por procedimento contrário ao exigido pela fiscalização, que, se não oportunamente infirmada, pode ensejar a aplicação da perda de perdimento.
Isso porque, por não se tratar de comprovado dano efetivo ao erário, mas da presunção de sua ocorrência, por eventual desconformidade à sistemática de fiscalização, tal presunção pode ser ilidida pelo administrado, daí porque ele tem o direito de manejar defesa administrativa tendente a demonstrar a licitude de sua operação. É que, em tese, as condutas previstas pelo legislador podem não ter sido praticadas com finalidade ilícita, daí porque o reconhecimento do direito de tentar afastar a presunção de ilicitude.
Aliás, não se pode ignorar que o próprio Decreto-Lei n. 1.455⁄1976, no art. 27, estabelece a necessidade de apuração do fato por meio de processo fiscal, competindo à autoridade julgadora determinar a espécie e quantidade de pena, caso entenda pela prática do ilícito (art. 97 do DL n. 37⁄1966).
Não se deve permitir, então, que a pena de perdimento possa ser aplicada sem oportunizar ao agente a apresentação de defesa quanto à regularidade do negócio realizado, à luz do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, segundo os quais, respectivamente, "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
A observância ao princípio da proporcionalidade, portanto, é imanente à aplicação da pena pela autoridade aduaneira, visto que a autoridade julgadora não pode-se afastar desse princípio por ocasião do julgamento administrativo.
A propósito, convém lembrar dos comandos insertos nos incisos do art. 2º da Lei n. 9.784⁄1999, totalmente aplicáveis aos procedimentos aduaneiros, dentre os quais merecem ser ressaltados: VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Nesse contexto, sem oportunizar a apresentação de justificativa que possa afastar a presunção de prejuízo à fiscalização aduaneira e⁄ou de efetivo dano ao erário, a ser exercida em regular apuração em processo administrativo, revela-se desproporcional a aplicação da pena de perdimento, "em operação de carga ou já carregada, em qualquer veículo ou dele descarregada ou em descarga, sem ordem, despacho ou licença, por escrito da autoridade aduaneira ou não cumprimento de outra formalidade especial estabelecida em texto normativo" (art. 105, I, do DL n. 37⁄1966).
Nessa hipótese, pois, não há falar em responsabilidade objetiva, razão pela qual o recurso especial da Fazenda Nacional não pode ser provido.
A respeito, mutatis mutandis, esta Corte Superior tem entendido pela necessidade de má-fé e de efetivo dano ao erário para a aplicação da pena de perdimento; vide:
Estabelecido o entendimento supra, na hipótese dos autos, tem-se por não razoável a aplicação da pena de perdimento, pois constatada, em juízo, a inexistência da intenção de prejudicar a fiscalização e⁄ou de ocasionar dano ao erário.
Conquanto os arts. 480 e 481 do CPC⁄1973 não tenham sido prequestionados no âmbito do Tribunal de Justiça, em razão de, neste recurso especial, ter-se procedido à interpretação de norma legal em sentido diverso daquele defendido pela Fazenda Nacional, deve-se destacar que a interpretação da lei, quando não lhe retira a eficácia, não implica em declaração de inconstitucionalidade.
Respeitadas as devidas peculiaridades, oportuno citar o em. Ministro Castro Meira: "a interpretação extensiva e sistemática da norma infraconstitucional em nada se identifica com a declaração de inconstitucionalidade ou com o afastamento de sua incidência" (AgRg no Ag 1424283⁄PA, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 05⁄03⁄2012).
Sobre o tema, dentre outros, vide: AgInt no REsp 1432052⁄RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 06⁄10⁄2016; EDcl no AgRg no RMS 30.070⁄RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 11⁄12⁄2015; AgRg no REsp 1131959⁄RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 12⁄08⁄2015; AgRg no REsp 1231072⁄RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 14⁄05⁄2012.
Ante o exposto, conhecido o agravo, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
É como voto.
Número Registro: 2014⁄0270798-5 | PROCESSO ELETRÔNICO | AREsp 600.655 ⁄ MT |
PAUTA: 15⁄12⁄2016 | JULGADO: 15⁄12⁄2016 |
AGRAVANTE | : | FAZENDA NACIONAL |
ADVOGADO | : | PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL - PR000000O |
AGRAVADO | : | TRANSPORTE DINAMICO EXPRESS LTDA |
ADVOGADO | : | CRISTINA FERNANDES VEIZAGAS E OUTRO (S) - MS005131 |
Documento: 1566199 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 17/02/2017 |