28 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | INTEGRADA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL |
ADVOGADOS | : | ILMO TRISTÃO BARBOSA - PR006883 |
MACIEL TRISTÃO BARBOSA - PR014945 | ||
ISAIAS JUNIOR TRISTÃO BARBOSA - PR043295 | ||
RECORRIDO | : | VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E OUTRO |
ADVOGADO | : | OSCAR BARBOSA BUENO - PR007404 |
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA.
1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5º, XXVI). Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei nº 8.009⁄90, CPC⁄1973 e CPC⁄2015.
2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família.
3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família.
4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.
5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência ( NCPC, art. 375).
6. O próprio microssistema de direito agrário ( Estatuto da Terra; Lei 8.629⁄1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.
7. Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural.
8. Recurso especial não provido.
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA
Presidente
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECORRENTE | : | INTEGRADA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL |
ADVOGADOS | : | ILMO TRISTÃO BARBOSA - PR006883 |
MACIEL TRISTÃO BARBOSA - PR014945 | ||
ISAIAS JUNIOR TRISTÃO BARBOSA - PR043295 | ||
RECORRIDO | : | VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E OUTRO |
ADVOGADO | : | OSCAR BARBOSA BUENO - PR007404 |
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Integrada Cooperativa Agroindustrial ajuizou execução de título extrajudicial em face de Valdemar Ferreira de Lima e outros, no valor de R$ 10.735,10, tendo efetuado a penhora de imóvel rural de propriedade dos réus, situado na Comarca de Goioerê-PR, oportunidade em que apresentaram incidente de impenhorabilidade, por se tratar de pequena propriedade rural.
O magistrado de piso, apesar de afastar a alegação de impenhorabilidade - por inexistir prova de que a parte ideal seja o único imóvel pertencente ao casal -, determinou a retificação do termo de constrição, reduzindo a penhora para 0,5555 alqueires, equivalente a 1⁄18 da propriedade, mais precisamente, parte ideal pertencente aos executados (fls. 25-28).
Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça local deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
Irresignada, a Cooperativa interpõe recurso especial, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, por vulneração ao art. 649, VIII, do CPC⁄1973.
Aduz que não existem provas de que a propriedade constrita se trata de pequena propriedade rural trabalhada pela família, sendo ônus do executado, ora recorrido, o dever de comprovar os requisitos da impenhorabilidade do bem.
Sustenta que é necessário o atendimento de dois requisitos para fins de impenhorabilidade da pequena propriedade rural: a) dimensão inferior a 4 módulos fiscais, que reconhece ter sido devidamente demonstrado nos autos; e b) ser trabalhada pela família, que, na hipótese, não teria sido comprovado. Apesar disso, o acórdão recorrido acabou entendendo se tratar de presunção "juris tantum".
Não foram apresentadas contrarrazões ao especial (fl. 142).
O recurso recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 144-145), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fl. 166).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | INTEGRADA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL |
ADVOGADOS | : | ILMO TRISTÃO BARBOSA - PR006883 |
MACIEL TRISTÃO BARBOSA - PR014945 | ||
ISAIAS JUNIOR TRISTÃO BARBOSA - PR043295 | ||
RECORRIDO | : | VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E OUTRO |
ADVOGADO | : | OSCAR BARBOSA BUENO - PR007404 |
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA.
1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5º, XXVI). Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei nº 8.009⁄90, CPC⁄1973 e CPC⁄2015.
2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família.
3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família.
4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.
5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência ( NCPC, art. 375).
6. O próprio microssistema de direito agrário ( Estatuto da Terra; Lei 8.629⁄1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.
7. Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural.
8. Recurso especial não provido.
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A principal questão está em definir a quem pertence o ônus da prova em relação aos requisitos da pequena propriedade rural, para fins de impenhorabilidade.
O acórdão recorrido entendeu haver presunção juris tantum em favor do pequeno produtor, verbis:
3. Impende notar que não há discussão, no especial, em relação à natureza da dívida exequenda e eventual exceção legal correspondente a esta, nem sobre a existência de outros bens do casal, ou, ainda, se o imóvel comporta divisão.
De outra parte, o acórdão recorrido bem fixou e avaliou, na hipótese, os requisitos aptos a ensejar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, assim também a efetiva demonstração do desempenho da atividade produtiva pela entidade familiar. Extraem-se esses dados perfeitamente da moldura fática delineada pelo acórdão impugnado.
Assim, o que se discute, no presente caso, repita-se, é definir quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural.
4. A Constituição da Republica, em seu artigo 6º, encartou a moradia no bojo dos direitos sociais, alçando-a à qualidade de direito fundamental, já que se trata de capítulo inserto no Título II da Carta Magna, intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais".
O constituinte originário exteriorizou a preocupação com a proteção desse direito fundamental à dignidade da pessoa humana em diversos outros dispositivos, tais como o art. 23, IX, no qual estabelece como dever do Estado, nas suas três esferas, a promoção de programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; bem assim o art. 7º, IV, em que o direito à moradia é inserto como necessidade básica dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.
Nesse contexto, exsurgiram algumas normas protetivas, como a Lei n. 8.009⁄1990, cujo art. 1º estabelece que "o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei".
O mencionado diploma institui a proteção legal do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para a vida digna, apesar de se ter que a referida impenhorabilidade não é absoluta, notadamente com relação as regras de exceção previstas pela lei de regência, conforme definido no REsp 1.363.368⁄MS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 12⁄11⁄2014, DJe 21⁄11⁄2014.
5. Nesse passo, com relação à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, a proteção ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5º, XXVI).
A Lei 8.009⁄90, por sua vez, também tratou da questão, dispondo que "quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural".
No âmbito do regramento processual pátrio ( CPC⁄1973, art. 649, VIII; e CPC⁄2015, art. 833, VIII), previu expressamente, entre os bens absolutamente impenhoráveis, "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família".
A finalidade do instituto foi o de garantir e proteger um patrimônio mínimo necessário à obtenção, à manutenção e à sobrevivência da família, tendo força para afastar, inclusive, eventual hipoteca, nos termos da jurisprudência da Casa:
Com efeito, verifica-se que a Quarta Turma já havia reconhecido que a exceção quanto à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, nos termos da redação existente à época no inciso X do art. 649 do CPC, que ressalvava expressamente "a hipoteca para fins de financiamento agropecuário", não fora recepcionada pela Carta Política de 1988 e acabou sendo, posteriormente, revogada pela Lei n. 8.009⁄90 (art. 4º § 2º):
6. Nessa ordem de ideias, exige a norma constitucional e a infralegal dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família.
6.1. No tocante às dimensões, para os efeitos da norma, o imóvel rural é tido como prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial (Lei nº 8.629⁄93, art. 4º, I), sendo a pequena propriedade aquele imóvel rural "de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais" (art. 4º, II).
Nesse sentido:
O módulo rural, previsto no Estatuto da Terra (art. 4º, III), foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel rural, sobre o qual se exerce a posse trabalhada, possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros (art. 4º, II).
É bem verdade, ademais, que, consoante decidido pela colenda Segunda Turma, o atributo da impenhorabilidade restringe-se à dimensão da área regionalmente definida como módulo rural:
No ponto, como reforço a essa ideia, em importante precedente, a Quarta Turma reconheceu, numa interpretação teleológica, para fins de usucapião especial de imóvel rural, que "estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize" (REsp 1.040.296⁄ES, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 02⁄06⁄2015, DJe 14⁄08⁄2015).
No tocante a esse elemento, como dito, não há discussão nos autos, tendo o recorrente, inclusive, afirmado que "realmente, o imóvel constritado possui dimensões inferior a 4 módulos rurais, sendo que, nesse sentido, mostra-se escorreito o v. acórdão recorrido" (fl. 128).
6.2. Como segundo requisito, exige a norma que a propriedade seja trabalhada pela família, haja vista que a sua finalidade foi justamente a de garantir os meios de o agricultor gerar a sua subsistência e seu desenvolvimento, protegendo, ao fim e ao cabo, a dignidade destas pessoas com especial vulnerabilidade.
Nesse sentido
Como se percebe, o próprio Estatuto da Terra vincula o módulo rural à propriedade familiar (art. 4º, III), ao conceituá-la como o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros"(inciso II), dispondo, como imóvel rural, aquele que"se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial"(art. 4º, I).
Dessarte, tem-se que tanto a norma constitucional, como a processual, assim como o microssistema agrário, fazem conexão entre a dimensão e a destinação do imóvel, presumindo que este, em determinada localidade com aquela mínima dimensão, será voltado à exploração familiar do pequeno produtor.
7. Diante deste cenário, surge a temática recursal, com o escopo de definir quem tem o ônus de provar tais requisitos, notadamente com relação ao fato de a propriedade ser trabalhada pela família.
O STJ pacificou o entendimento, com relação ao ônus da prova e ao bem de família, que"cabe ao devedor o ônus da prova do preenchimento dos requisitos necessários, para enquadramento do imóvel penhorado na proteção concedida pela Lei n. 8.009⁄90 ao bem de família, quando sua configuração não se acha, de pronto, plenamente caracterizada nos autos"(REsp 282.354⁄MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14⁄12⁄2000, DJ 19⁄03⁄2001)
E ainda:
Esta Quarta Turma, em recente julgado, também definiu que, para fins de proteção do bem de família previsto na Lei n. 8.009⁄90, basta o início de prova de que o imóvel é voltado para a família, sendo, depois disso, encargo do credor eventual descaracterização.
Nesse sentido:
Em relação especificamente à pequena propriedade rural, a Terceira Turma reconheceu a indispensabilidade da prova de que a área é trabalhada pela família -"para declarar a impenhorabilidade com fundamento no art. 649, X do CPC, necessária a comprovação de exploração familiar com fim de garantir a subsistência"(REsp 492.934⁄PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 18⁄10⁄2004) - e, com relação ao ônus, entendeu que o encargo da prova da impenhorabilidade seria do produtor rural, por se tratar de dever processual daquele que faz a alegação:
Todavia, penso que a tal interpretação merece melhor reflexão, notadamente por se tratar de proteção constitucional advinda justamente da vulnerabilidade e da hipossuficiência do pequeno produtor rural.
Deveras, o bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família.
A norma visa proteger famílias de pequenos agricultores, sabidamente menos favorecidas, que vivem basicamente do que produzem em suas propriedades rurais. Por outro lado, verifica-se também existir o"interesse social em manter a família presa à propriedade rural. Quanto mais famílias, maior o desenvolvimento agropecuário do país"(BONAVIDES, Paulo. Comentários à constituição federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 151).
Dessarte, para além da proteção familiar e da produtividade da terra, evita-se a ocorrência de grandes êxodos rurais, com aumento do déficit habitacional e avanço da urbanização de forma desordenada, contribuindo, assim, tanto para a política agrária como para a política de habitação urbana.
8. Nessa ordem de ideias, realmente, parece que o acórdão ora recorrido conferiu a melhor interpretação com relação à regra de procedimento a ser adotada.
De fato, para fins de hermenêutica, sempre se deve ter em mente que a impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável, sendo princípio de ordem pública, com escopo de proteção da entidade familiar, à luz do direito fundamental à moradia.
A regra é a impenhorabilidade, devendo suas exceções serem interpretadas restritivamente, haja vista que a norma é voltada para a proteção da família e não do patrimônio do devedor.
Confiram-se:
Partindo dessa premissa, penso que, assim como ocorre na proteção do imóvel urbano, deve ser ônus do executado - agricultor - apenas a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.
No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, a melhor exegese parece ser a de conferir uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência ( NCPC, art. 375).
Isto porque o próprio microssistema de direito agrário ( Estatuto da Terra; Lei 8.629⁄1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.
Ademais, não é razoável se exigir um minus do proprietário urbano (que tem proteção legal) - na qual basta o início de prova de que o imóvel é voltado para a residência -, em relação ao proprietário rural, hipossuficiente e vulnerável (com proteção constitucional), que, além da prova da pequena propriedade rural, teria um plus a demonstrar, ainda, que esta é trabalhada pela família.
Aliás, a Lei n. 8.009⁄90 estendeu os efeitos da impenhorabilidade ao imóvel residencial rural, nos termos da previsão do § 2º do art. 4º, conforme destaca a doutrina especializada:
Anoto que os requisitos exigidos pela lei para a comprovação da propriedade rural, para efeito da proteção legal, continuam hígidos: i) pequena propriedade rural; e ii) área trabalhada pela família. No entanto, o ônus do executado é apenas quanto ao primeiro elemento, presumindo-se com relação ao segundo (admitindo-se, por conseguinte, prova em contrário).
Transfere-se, desta feita, ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural, que afasta, v.g, eventual hipoteca relacionada ao bem (REsp 684.648⁄RS, Rel. Min. Raul Araújo) e que muitos defendem ser hipótese de impenhorabilidade absoluta.
Aliás, não se pode olvidar que a impenhorabilidade em questão, conforme assinalou o il. Min. Ruy Rosado, "é uma proteção que a lei estende ao produtor rural, para garantir ao pequeno proprietário a manutenção das condições mínimas de sobrevivência e oportunidade para o trabalho produtivo" e, por isso, a norma protetiva deve ser interpretada em seu favor.
O acórdão foi assim ementado:
Por fim e não menos importante, o Supremo Tribunal Federal, visando conferir a maior efetividade possível à proteção do imóvel rural - desapropriação de média propriedade rural -, reconheceu ser ônus do exequente a comprovação de que o produtor rural teria outro domínio rural, haja vista que os executados já haviam demonstrado que as dimensões do imóvel eram reduzidas a ponto de impossibilitar a expropriação:
( MS 21919, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22⁄09⁄1994, DJ 06-06-1997 PP-24872 EMENT VOL-01872-02 PP-00321)
Em seu voto, o il. Min. Relator destacou que:
9. Ante o exposto,nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
Número Registro: 2013⁄0222740-5 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.408.152 ⁄ PR |
PAUTA: 01⁄12⁄2016 | JULGADO: 01⁄12⁄2016 |
RECORRENTE | : | INTEGRADA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL |
ADVOGADOS | : | ILMO TRISTÃO BARBOSA - PR006883 |
MACIEL TRISTÃO BARBOSA - PR014945 | ||
ISAIAS JUNIOR TRISTÃO BARBOSA - PR043295 | ||
RECORRIDO | : | VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E OUTRO |
ADVOGADO | : | OSCAR BARBOSA BUENO - PR007404 |
Documento: 1559613 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 02/02/2017 |