6 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | VISA DO BRASIL EMPREENDIMENTOS LTDA |
ADVOGADA | : | CARLA RODRIGUES DA CUNHA LOBO E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | ITAÚ PERSONNALITÉ ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS LTDA |
ADVOGADO | : | ALESSANDRA DE FARIA FERNANDES E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | MÁRCIO EDUARDO SETTE FORTES DE ALMEIDA |
ADVOGADO | : | SIRLEY ABERO SOARES NOBLE |
Recurso especial interposto pela VISA DO BRASIL EMPREENDIMENTOS LTDA, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/RJ.
Ação: de compensação por danos morais, ajuizada por MÁRCIO EDUARDO SETTE FORTES DE ALMEIDA, em face da recorrente, do BANCO ITAÚ S/A e do ITAÚ PERSONNALITÉ ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS LTDA. Alega que pretendeu pagar despesas de hospedagem no exterior, valendo-se de seu cartão de crédito. A autorização para o pagamento foi indevidamente negada por falta de saldo. Afirma que tentou resolver o problema junto ao Banco Itaú Personalité e à recorrente, mas não obteve êxito. Requereu a compensação pelos danos morais sofridos, cujo valor deve ser arbitrado em Juízo.
Sentença: rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva da recorrente e julgou procedente o pedido do autor, para condenar o recorrente e a administradora do cartão de crédito, solidariamente, ao pagamento de R$ _TTREP_167 (quinze mil e seiscentos reais) a título de compensação por danos morais.
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente e deu parcial provimento às apelações interpostas pelos recorridos, para reconhecer a legitimidade passiva do Banco Itaú e determinar a incidência dos juros moratórios de 0,5 % ao mês até a entrada em vigor do CC/02 e, a partir dessa data, de 1% ao mês. Confira-se a ementa:
Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados.
Recurso especial: alega a recorrente dissídio jurisprudencial e violação aos seguintes dispositivos legais:
a) arts. 515 e 535, II, do CPC, porque houve negativa de prestação jurisdicional;
b) arts. 14 do CDC, 3º e 267, VI, do CPC, ante a sua ilegitimidade passiva;
c) art. 159 do CC/16, pois houve culpa exclusiva de terceiro e não foi demonstrado o dano moral;
d) arts. 927 e 944 do CC/02, porque o valor fixado a titulo de compensação por danos morais (R$- quinze mil e seiscentos reais) é excessivo, motivo pelo qual deve ser reduzido.
Prévio juízo de admissibilidade: não apresentadas as contrarrazões ao recurso especial, foi-lhe negado seguimento (fls. 522/525).
Interposto agravo de instrumento pela recorrente, esta Relatora deu-lhe provimento e determinou a subida do presente recurso especial.
É o relatório.
RELATORA | : | MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE | : | VISA DO BRASIL EMPREENDIMENTOS LTDA |
ADVOGADA | : | CARLA RODRIGUES DA CUNHA LOBO E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | ITAÚ PERSONNALITÉ ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS LTDA |
ADVOGADO | : | ALESSANDRA DE FARIA FERNANDES E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | MÁRCIO EDUARDO SETTE FORTES DE ALMEIDA |
ADVOGADO | : | SIRLEY ABERO SOARES NOBLE |
Cinge-se a controvérsia apresentada no presente recurso especial em determinar se: i) houve negativa de prestação jurisdicional pelo TJ/RJ, em virtude da suposta existência de omissão no acórdão recorrido; ii) é parte legítima para figurar no pólo passivo a empresa que cede sua "bandeira"/marca para exploração da atividade de cartão de crédito, quando há vício na prestação do serviço; iii) houve culpa exclusiva de terceiro e configuração de danos morais; e iv) o valor fixado a título de compensação por danos morais é exorbitante.
I - Da suposta existência de omissão no acórdão recorrido.
Afirma a recorrente que o acórdão recorrido é omisso, pois, não obstante a interposição dos embargos de declaração, não foram apreciadas as questões referentes à sua ilegitimidade passiva, ausência de pressupostos para a configuração da responsabilidade civil, culpa exclusiva de terceiro, inexistência de solidariedade passiva e inadequada fixação do valor compensatório.
Contudo, não se verifica qualquer vício no acórdão em relação aos fundamentos nele declinados, mas mero inconformismo da recorrente à matéria que diz respeito ao mérito do julgado, e que não dá azo ao reconhecimento da violação aos arts. 515 e 535 do CPC. II - Da legitimidade passiva da recorrente (arts. 14 do CDC, 3º e 267, VI, do CPC e dissídio jurisprudencial).
Inicialmente, cumpre ressaltar que incidem as normas do CDC à relação jurídica estabelecida entre as partes, nos termos dos arts. 2º e 3º, 2º, do CDC.
Alega a recorrente que não é parte legítima para figurar no polo passivo da presente ação de compensação por danos morais, porque (i) não administra cartões de crédito; (ii) não é parte no contrato firmado entre as partes; e (iii) não procedeu ao bloqueio do cartão.
Assim como ocorre com o fornecimento de produtos, os fornecedores de serviços podem se organizar em uma verdadeira cadeia de fornecimento. São notórias as cadeias de distribuição de produtos, onde há fabricantes, distribuidores e varejistas, que, atuando de forma organizada, concebem, produzem e comercializam um determinado bem da vida. Nada exclui a possibilidade de o fornecimento de serviços dar-se de maneira semelhante, ou seja, com a adoção de modernos meios de gestão empresarial, que permitam repartição de tarefas e a adoção de diversos outros modos de associação, onde, através de esforços conjugados, fornecedores coloquem serviços à disposição de consumidores.
Nesse sentido, é certo que a relação jurídica de consumo se estabelece entre dois polos distintos. De um lado, estão os consumidores, ou pessoas a eles equiparadas; no outro polo podem figurar um único fornecedor ou até mesmo uma multiplicidade de fornecedores que, por qualquer forma de organização empresarial, integrem determinada cadeia de prestação de serviços ou de produção.
Na hipótese concreta, há uma verdadeira cadeia de fornecimento de serviços. Há clara colaboração entre a instituição financeira, a administradora do cartão de crédito e a "bandeira" Visa , que fornecem serviços conjuntamente e de forma coordenada.
Independente de manter relação contratual com o autor, não administrar cartões de crédito e não proceder ao bloqueio do cartão, as "bandeiras", de que são exemplos Visa, Mastercard e American Express , concedem o uso de sua marca para a efetivação de serviços, em razão da credibilidade no mercado em que atuam, o que atrai consumidores e gera lucro.
Por onde quer que se veja a questão, deve-se concluir que há estreita cooperação entre a instituição financeira, a administradora do cartão de crédito e a "bandeira", pois só assim a prestação do serviço se torna viável.
O art. 14 do CDC estabelece verdadeira regra de responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços e por esta razão que as "bandeiras" de cartão de crédito respondem pelos danos decorrentes da má prestação do serviço. Confira-se a este respeito as lições de doutrina:
Ora, havendo culpa da administradora do cartão de crédito e uma clara cadeia de fornecimento na qual se inclui a Visa , esta só poderia ilidir sua responsabilidade se demonstrasse, nos termos do art. 14, 3º, do CDC, a inexistência de defeito no serviço, a culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor, bem como eventual quebra do nexo causal. Entretanto, nenhuma dessas circunstâncias excludentes de responsabilidade foi reconhecida pelas instâncias ordinárias.
A solução é, por outro lado, absolutamente consentânea com as premissas adotadas pelo CDC para a matéria. Privilegia-se o acesso da vítima à reparação do dano, com o reconhecimento da solidariedade entre os agentes que compõem a cadeia de fornecimento de serviços.
Ressalte-se que os limites da responsabilidade contratual existentes entre os fornecedores do serviço não podem ser oponíveis ao consumidor.
Com efeito, poderá a recorrente, se for o caso, resguardar direito regressivo perante os demais integrantes da cadeia de fornecedores.
III - Da culpa exclusiva de terceiro (art. 159 do CC/16).
No que se refere à excludente de responsabilidade relacionada à culpa exclusiva de terceiro, sustenta a recorrente que eventual dano causado ao consumidor é de ser imputado ao hotel em que se hospedou no exterior, pois a este incumbe a utilização correta do aparelho para pagamento de conta com cartão de crédito.
Sobre tal tese, assim se manifestou o acórdão recorrido:
Sustenta a recorrente que tal posicionamento não pode prosperar, porque (...) se o bloqueio do cartão do Recorrido, procedido pela co-ré Itaú Personalité, teve como causa direta e necessária o procedimento inadequado da funcionária do hotel francês ao operar o cartão, resta evidente que os danos que o Recorrido alega ter sofrido ocorreram diretamente desse fato, e não do bloqueio propriamente dito (fls. 474). Conclui que o responsável pelo dano só poderia o hotel que realizou o procedimento de forma incorreta.
Entretanto, a irresignação a respeito da existência de culpa exclusiva de terceiro não merece prosperar, pois o hotel, após a constatação do equívoco verificado nas pré-autorizações para o pagamento das despesas, procedeu ao encaminhamento de "fax" e ao contato telefônico, informando o ocorrido.
Assim, inexistindo culpa exclusiva de terceiro, não há que se falar em ausência de responsabilização das prestadoras de serviços.
IV - Da configuração do dano moral (art. 159 do CC/16 e dissídio jurisprudencial).
Alega a recorrente que não se demonstrou quaisquer danos morais sofridos pelo autor, mas apenas meros dissabores decorrentes do cotidiano, razão pela qual não é cabível a compensação por danos morais.
Contudo, o TJ/RJ entendeu ser cabível a reparação por danos morais, conforme o seguinte trecho:
Verifica-se, portanto, que o acórdão recorrido, no que dez respeito à existência de danos morais, assentou-se em fundamentos cujo exame demandaria a incursão no campo fático-probatório dos autos, o que não é possível na via especial, por incidência da Súmula77/STJ. V - Do valor arbitrado a título de compensação por danos morais (arts. 927 e 944 do CC/02 e dissídio jurisprudencial).
Alega a recorrente que o valor arbitrado (R$ 16.500,00 - dezesseis mil e quinhentos reais), a titulo de reparação por danos morais, revela-se elevado, merecendo, portanto, a devida redução.
O STJ tem afastado o óbice de sua Súmula 7 somente naquelas hipóteses em que o valor fixado como compensação dos danos morais revela-se irrisório ou exagerado, de forma a não atender os critérios que balizam o seu arbitramento, a saber, assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.
Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259.816/RJ , 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).
Esta é justamente a hipótese dos presentes autos. O recorrido sujeitou-se a constrangimentos indevidos em país estrangeiro, requereu solução para o problema, e não foi atendido.
Mantém-se, portanto, a condenação imposta aos réus no valor de R$ 16.500,00 (dezesseis mil e quinhentos reais) a título de compensação por danos morais, pois não se vislumbra qualquer exagero na sua fixação.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO.
É como voto.
Documento: 5458356 | RELATÓRIO E VOTO |