26 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | ITAÚ XL SEGUROS CORPORATIVOS S⁄A |
ADVOGADO | : | MARIA HELENA GURGEL PRADO E OUTRO (S) - SP075401 |
RECORRIDO | : | UNITED AIR LINES INC |
ADVOGADOS | : | RICARDO BERNARDI E OUTRO (S) - SP119576 |
BRUNO VINICIUS FERREIRA DA VEIGA E OUTRO (S) - DF033073 |
RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGA. CONTRATO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. INCIDÊNCIA. REGRA DE SOBREDIREITO CONSTITUCIONAL. DESTRUIÇÃO, PERDA OU AVARIA DO BEM TRANSPORTADO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO ESPECIAL DE VALOR. PESO DECLARADO NO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE AÉREO. CRITÉRIO PARA CÁLCULO DA REPARAÇÃO DO DANO. CULPA GRAVE OU DOLO PELO MERO EXTRAVIO. INEXISTÊNCIA.
1. Consumidor, para fins de tutela pelo CDC, é aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. Com efeito, na linha da iterativa jurisprudência do STJ, entre a sociedade empresária que contratou o transporte e a transportadora da mercadoria, há liame meramente mercantil.
2. Por um lado, o art. 1º, alínea 1, da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal) elucida que esse diploma se aplica a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Por outro lado, o Plenário do STF, em precedente julgado sob o rito da repercussão geral, RE 636.331, perfilhou o entendimento de que há uma regra de sobredireito constitucional a impor a prevalência do Diploma transnacional, pois, nos termos do art. 178 da Constituição da Republica, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
3. O art. 22, alínea 3, da Convenção de Montreal estabelece que, no transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago quantia suplementar, se for cabível. Com efeito, o Diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por fazer declaração especial - o que envolve, em regra, pagamento de quantia suplementar.
4. As limitações e tarifações de indenização estabelecidas pela Convenção Internacional estão ancoradas em justificativas relevantes, como: a) indispensabilidade de contratação de seguro, que seria inviabilizada pela inexistência de teto; b) compensação entre, de um lado, a limitação e, do outro, o agravamento do regime de responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa ou mesmo imputação objetiva); c) unificação do direito, quanto aos valores indenizatórios pagos.
5. O art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica tem disposição harmoniosa com o art. 22, alínea 5, da Convenção de Montreal, que estabelece que a limitação indenizatória não se aplicará se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.
6. O extravio da carga é, em todas as hipóteses, o próprio fato gerador da obrigação de indenizar do transportador, não se podendo reconhecer que, sem demonstração de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos, possa ser afastada a aplicação da fórmula convencional, para o cálculo do montante indenizatório.
7. Recurso especial não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente), Marco Buzzi e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECORRENTE | : | ITAÚ XL SEGUROS CORPORATIVOS S⁄A |
ADVOGADO | : | MARIA HELENA GURGEL PRADO E OUTRO (S) - SP075401 |
RECORRIDO | : | UNITED AIR LINES INC |
ADVOGADOS | : | RICARDO BERNARDI E OUTRO (S) - SP119576 |
BRUNO VINICIUS FERREIRA DE VEIGA E OUTRO (S) - DF033073 |
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Itaú XL Seguros Corporativos S.A. ajuizou, em novembro de 2009, "ação regressiva de ressarcimento" em face de United Airlines S.A. Narra que celebrou com a sociedade empresária UPS Transportes (Brasil) S.A., que atuou como estipulante em favor dos proprietários, um contrato de seguro de transporte internacional.
Assevera que a atividade comercial desenvolvida pela segurada consiste em providenciar a contratação dos modais necessários para a viabilização do transporte de carga, normalmente internacional.
Pondera que a cobertura securitária pactuada cobria os riscos de 1 (um) pallet contendo transistor, de propriedade de Atlas Componentes Eletrônicos Ltda., com trajeto iniciando em Los Angeles e tendo por destino final o aeroporto de Guarulhos.
Aponta ser incontroverso que as mercadorias foram recebidas a bordo do avião da ré, em perfeitas condições, e sem quaisquer avarias nas embalagens, todavia, por ocasião da chegada da aeronave, foi constatada a ausência da carga, em vista de extravio.
Argumenta que, atestado o extravio definitivo, promoveu a indenização securitária, no valor de R$ 36.144,80, diretamente a proprietária da carga, sub-rogando-se em todos os direitos e ações, nos termos dos arts. 728 do Código Comercial e 346 e 934 do Código Civil.
Alega incidir o Código de Defesa do Consumidor, e que a responsabilidade do transportador é objetiva, cabendo-lhe reparar integralmente os danos causados em decorrência de não ter prestado os serviços, não havendo falar em limitação da indenização a ser paga, por força da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica.
O Juízo da 9ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial.
Interpôs a autora apelação para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou provimento ao recurso, em decisão assim ementada:
Sobreveio recurso especial da autora, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação aos arts. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica; 744 e 750 do CC.
Alega a recorrente que a decisão impugnada perfilhou o entendimento de que o caso deveria ser solucionado à luz da Convenção de Montreal, estabelecendo o ressarcimento tarifado.
Aduziu que a decisão diverge de precedentes do STJ e de tribunais estaduais, que pagou à segurada o correspondente ao valor da mercadoria extraviada, e ainda que se entenda deva prevalecer a mencionada Convenção, é possível a aplicação do art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que prevê limites de indenização e não se aplica se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos.
Pondera que houve culpa grave, pois a recorrida não logrou êxito em transportar as mecadorias de forma segura, tendo o sinistro decorrido de sua evidente culpa, pois sua atividade é transportar carga de terceiros e, no momento em que se procedeu à conferência da carga, não foi localizado o bem transportado.
Obtempera que as Convenções de Varsóvia e Montreal não têm aplicação ao caso, pois foram concebidas para proteger as companhias aéreas de situações anômalas - como acidentes aéreos -, e não para que tivessem benefício perante os lesados, que receberiam somente uma ínfima indenização, em caso de falta culposa dos transportadores aéreos.
Argumenta que não procede a tese defensiva acerca da ausência de declaração de valores nos conhecimentos de transporte, tendo em vista que a recorrida tinha plena ciência dos itens transportados.
Afirma que o art. 744, parágrafo único, do CC estabelece que os documentos que acompanham o transporte fazem parte do "conhecimento de transporte". Acena que havia faturas comerciais acompanhando tal documento, tanto que as mercadorias foram descritas de forma fiel às informações constantes nas notas fiscais.
Acresce que, mesmo se aplicado o direito comum, o art. 750 do CC prevê ser a responsabilidade do transportador limitada ao valor constante do conhecimento, não podendo prevalecer a indenização tarifada, por isso "[...] improdutiva, ademais, a discussão sobre a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor à espécie" .
Em contrarrazões, afirma a recorrida que: a) a teor da Súmula 284⁄STF, é inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia; b) o acórdão recorrido não afasta a aplicação do CDC, mas apenas aponta para a aplicação do art. 750 do CC; c) não houve demonstração da divergência jurisprudencial; d) aplica-se ao caso a Convenção de Montreal, por ser específica ao transporte aéreo internacional, regulando toda a matéria afeta a transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga; e) o art. 27 da Convenção de Viena dispõe que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado; f) não se aplica o CDC, pois, de acordo com o art. 2º do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; g) por ocasião do extravio da mercadoria, a segurada da recorrente estava realizando atividade de agente de mercadorias exportadas dos Estados Unidos para o Brasil, não podendo ser considerada consumidora final de serviços; h) o valor da indenização não pode suplantar o limite indenizatório previsto na Convenção de Montreal, conforme art. 22, item 3; i) o art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica não se aplica ao caso, pois não há nenhum elemento nos autos por meio do qual se possa concluir pela existência de dolo ou culpa grave, ensejado do sinistro; j) excluída a hipótese de dolo ou culpa grave, o limite indenizatório só não prevalece quando a expedidora efetua uma declaração especial de interesse de entrega no momento do despacho, mediante o pagamento de taxa suplementar; k) consoante consta dos autos, não foi efetuada nenhuma declaração de interesse de entrega, havendo no documento de fl. 49 a sigla N. V. D, que significa "sem valor declarado para o transporte"; l) a segurada optou por pagar frete menor, não cabendo ser indenizada pelo valor integral da mercadoria; m) o limite do valor do conhecimento de transporte, de que trata o art. 750 do CC mencionado pela recorrente, é justamente a declaração de interesse de entrega, de responsabilidade de quem contrata o transporte; n) a seguradora aceitou celebrar contrato de seguro para carga expedida sem declaração especial de interesse de entrega, implicando cobrança de seguro em valor maior pelo tipo de risco assumido; o) na hipótese de se considerar aplicável o CDC, também deve ser mantida a limitação da indenização, pois o art. 51, I, daquele Diploma admite que, nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização pode ser limitada, em situações justificáveis; p) permitir que uma empresa pague por um frete mais barato e obtenha indenização ilimitada implica condescender com o enriquecimento sem causa.
O recurso especial foi admitido.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | ITAÚ XL SEGUROS CORPORATIVOS S⁄A |
ADVOGADO | : | MARIA HELENA GURGEL PRADO E OUTRO (S) - SP075401 |
RECORRIDO | : | UNITED AIR LINES INC |
ADVOGADOS | : | RICARDO BERNARDI E OUTRO (S) - SP119576 |
BRUNO VINICIUS FERREIRA DE VEIGA E OUTRO (S) - DF033073 |
RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGA. CONTRATO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. INCIDÊNCIA. REGRA DE SOBREDIREITO CONSTITUCIONAL. DESTRUIÇÃO, PERDA OU AVARIA DO BEM TRANSPORTADO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO ESPECIAL DE VALOR. PESO DECLARADO NO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE AÉREO. CRITÉRIO PARA CÁLCULO DA REPARAÇÃO DO DANO. CULPA GRAVE OU DOLO PELO MERO EXTRAVIO. INEXISTÊNCIA.
1. Consumidor, para fins de tutela pelo CDC, é aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. Com efeito, na linha da iterativa jurisprudência do STJ, entre a sociedade empresária que contratou o transporte e a transportadora da mercadoria, há liame meramente mercantil.
2. Por um lado, o art. 1º, alínea 1, da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal) elucida que esse diploma se aplica a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Por outro lado, o Plenário do STF, em precedente julgado sob o rito da repercussão geral, RE 636.331, perfilhou o entendimento de que há uma regra de sobredireito constitucional a impor a prevalência do Diploma transnacional, pois, nos termos do art. 178 da Constituição da Republica, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
3. O art. 22, alínea 3, da Convenção de Montreal estabelece que, no transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago quantia suplementar, se for cabível. Com efeito, o Diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por fazer declaração especial - o que envolve, em regra, pagamento de quantia suplementar.
4. As limitações e tarifações de indenização estabelecidas pela Convenção Internacional estão ancoradas em justificativas relevantes, como: a) indispensabilidade de contratação de seguro, que seria inviabilizada pela inexistência de teto; b) compensação entre, de um lado, a limitação e, do outro, o agravamento do regime de responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa ou mesmo imputação objetiva); c) unificação do direito, quanto aos valores indenizatórios pagos.
5. O art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica tem disposição harmoniosa com o art. 22, alínea 5, da Convenção de Montreal, que estabelece que a limitação indenizatória não se aplicará se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.
6. O extravio da carga é, em todas as hipóteses, o próprio fato gerador da obrigação de indenizar do transportador, não se podendo reconhecer que, sem demonstração de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos, possa ser afastada a aplicação da fórmula convencional, para o cálculo do montante indenizatório.
7. Recurso especial não provido.
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. De início, anoto que, no caso, há dissídio notório com a jurisprudência firmada no âmbito do STJ, sendo que a recorrente invoca por paradigma diversas decisões colegiadas das duas turmas de direito privado do STJ - REsp 494.406, AgRg no REsp 147.444, REsp 327.495 e REsp 147.294 -, precedentes que destoam do acórdão recorrido, em que o debate também girou em torno da aplicação do dispositivo da Convenção de Montreal, que limita, em se tratando de transporte aéreo internacional, o valor indenizatório por extravio.
Quanto ao dissídio, confira-se:
A sentença, confirmada pelo acórdão recorrido, anotou:
O acórdão recorrido, por seu turno, dispôs:
Nesse passo, esta Corte já firmou o entendimento de que, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica originária, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam ao segurado (AgInt no AREsp 891.044⁄MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2016, DJe 2⁄2⁄2017).
Como se verifica, a primeira questão em análise possui solução sedimentada na jurisprudência desta Corte Superior. De fato, após alguma oscilação, a jurisprudência do STJ, atualmente, se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante a aplicação da teoria finalista, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC.
Nessa linha, cumpre ressaltar que o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, não havendo, portanto, critério pessoal de definição de tal conceito. O que é relevante, na verdade, é saber se a pessoa, física ou jurídica, é "destinatária final" do produto ou serviço.
A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:
Assim, não será consumidor aquela pessoa que venha a se valer do produto ou serviço como insumo da atividade negocial com fim de lucro, isto é, aquele que continua produzindo, aperfeiçoando ou transformando o bem adquirido a título de incremento da atividade empresária para oferecê-lo a outrem (REsp 541.867⁄BA, Rel. p⁄ Acórdão Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10⁄11⁄2004, DJ 16⁄5⁄2005).
Como consectário lógico, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço.
Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei n. 8.078⁄1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo (REsp 1.195.642⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄11⁄2012, DJe 21⁄11⁄2012).
Dessarte, procede, a meu ver, a tese da recorrida exposta em contrarrazões, acerca de não haver relação de consumo, existindo entre a sociedade empresária que contratou o transporte e a transportadora, ora recorrida, para transporte de mercadoria, liame inequivocamente mercantil, e a "jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável ao contrato de transporte de cargas [...], visto se tratar de relação mercantil" . (AgInt no REsp 1.711.866⁄SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄3⁄2018, DJe 27⁄3⁄2018)
Dessarte, muito embora tenha ficado obscuro se a Corte local perfilhou o entendimento acerca de se tratar ou não de relação de consumo, fato é que a decisão dispõe que "a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela nada altera o seu deslinde" (fl. 245).
4. A segunda questão consiste em saber se a indenização por extravio de carga em transporte aéreo internacional de mercadoria é disciplinada pelo Código Civil ou pelos Código Brasileiro de Aeronáutica e Convenção de Montreal.
4.1. No ponto, registro que, embora exista acesa controvérsia doutrinária acerca da teoria adotada no Brasil para a incorporação de tratados (preponderando a dicotomia entre dualismo versus monismo), fato é que o STF, à luz da Constituição Federal, sufragou entendimento condizente com o dualismo moderado, por ocasião do julgamento, pelo Pleno daquela Corte, da ADI 1.480 MC⁄DF, relator Ministro Celso de Mello.
No mencionado leading case, o STF perfilhou entendimento de que é na Constituição da Republica - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.
Segundo a Corte Suprema, o exame da CF⁄1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais ( CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional ( CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.
O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.
Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, eficácia e autoridade em que se posicionam as leis ordinárias -, entendimento reafirmado recentemente em sede de repercussão geral, como será demonstrado adiante -, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa.
No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade.
O mencionado elucidativo precedente tem a seguinte ementa:
De outra parte, convém anotar que a doutrina especializada de direito internacional privado argutamente pondera que os conflitos [reais ou aparentes] entre normas da legislação interna e normas nacionais de dois ou mais Estados (tratados ou convenções internacionais) não são internacionais, mas sim transnacionais, visto que transcendem a esfera de um Estado, entrando em contato com outras ordens jurídicas.
Com efeito, a missão precípua do direito internacional privado é ser método judicial-auxiliar para a localização da norma substancial (interna ou estrangeira) indicada a resolver a questão concreta sub judice. É ramo que não se limita a resolver conflitos propriamente internacionais, mas entre "normas nacionais de dois ou mais Estados; esse direito é 'internacional' apenas porque resolve conflitos de normas (nacionais) no espaço com conexão internacional (ou seja, resolve conflitos 'internacionais' de leis internas)" , versando "quase que exclusivamente interesses de pessoas privadas, sejam físicas (particulares) ou jurídicas (empresas)" (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 44-45).
4.2. Assim, no caso, o Tribunal de origem, apesar de confirmar a sentença que dispôs que o tema em exame é disciplinado pela Convenção de Montreal, examina a questão à luz das disposições acerca de transporte de coisas do Código Civil, assentando caber aplicação apenas subsidiária da Convenção de Montreal.
Como regra basilar de hermenêutica, no confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico, deve prevalecer a regra excepcional.
Com efeito, conforme a consagrada doutrina de Carlos Maximiliano, as disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o direito comum; por isso, não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente, reduzindo-se à hipótese expressa, sem "que se aplique menos do que a norma admite". (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 69, 184, 191-192).
Nessa toada, dispõe o art. 1º do Código Brasileiro de Aeronáutica que o Direito Aeronáutico é regulado pelos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, por este Código e pela legislação complementar. E o parágrafo 2º esclarece que o CBA se aplica a nacionais e estrangeiros, em todo o território nacional, assim como, no exterior, até onde for admitida a sua extraterritorialidade.
O art. 1º, alínea 1, da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal)- Decreto n. 5.910⁄2006 - elucida que esse diploma "se aplica a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Aplica-se igualmente ao transporte gratuito efetuado em aeronaves, por uma empresa de transporte aéreo".
Nesse mesmo diapasão, o art. 178, caput, da CF estabelece que a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.
5. Evidentemente - é conveniente frisar -, não é função das Cortes de Superposição exercitar atividade normativa primária, mas operar como intérprete que realiza a apreciação exegética sobre regras legais, buscando extrair a norma, que se revela solucionando questões concretas (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 50 ed. Vol.. III. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1.188).
É bastante elucidativo o abalizado escólio de Humberto Theodoro Júnior, assentando que o novo Código de Processo Civil define a autoridade normativa complementar da jurisprudência uniformizadora emanada do STF e do STJ, atribuindo-lhes autoridade para funcionar com força normativa igual à da lei, que a todos obriga e de cujo império não podem fugir os juízes, em suas decisões, a Administração, em seus atos e processos, e os particulares, em sua vida negocial.
Note-se:
O CPC adota um critério formal de identificação das decisões vinculantes. São consideradas vinculantes aquelas que se enquadrarem no rol do art. 927 do CPC⁄2015, como é o caso de feitos julgados no rito da repercussão geral, conforme o inciso III do mencionado dispositivo.
Dessarte, a par do critério hermenêutico da especialidade a conduzir à aplicação da Convenção de Montreal, à luz do art. 178 da CF, o Plenário do STF, em precedente vinculante, julgado sob o rito da repercussão geral, RE 636.331, relator Ministro Gilmar Mendes, perfilhou o entendimento de que há uma regra de sobredireito constitucional a impor a prevalência da norma transnacional, pois, nos termos do art. 178 da Constituição da Republica, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência sobre o CDC.
O precedente tem a seguinte ementa:
Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs:
Arrematando, na ocasião, o Ministro Luis Roberto Barroso, ponderou, in verbis:
Com efeito, e por dever de lealdade intelectual, não se desconhece que, antes do precedente vinculante, notadamente no tocante às relações de consumo, o entendimento que vinha prevalecendo no âmbito desta Corte era diverso, mas se baseava também em argumentos de natureza constitucional, implicitamente afastados pelo STF por ocasião do julgamento, pelo Plenário daquela Casa, do citado RE 636.331. Confira-se apenas alguns dos precedentes anteriores desta Corte:
Dessarte, segundo entendo, mesmo em não se tratando de bagagem - isto é, de um conflito em relação de consumo, tal qual o solucionado no mencionado precedente vinculante da Suprema Corte - estando superados os fundamentos de índole constitucional para afastar a aplicação da Convenção de Montreal - e também o reconhecimento da existência de regra de sobredireito constitucional a prestigiar a observância aos tratados acerca de transporte internacional -, é inequívoco que a questão em debate é disciplinada por esse Diploma transnacional.
Na linha de recente julgado da Terceira Turma, o "Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331⁄RJ, sob o regime da repercussão geral, consolidou o entendimento de que as normas e os tratados internacionais devem ser aplicados às questões envolvendo transporte internacional, seja este de pessoas ou coisas, especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal". (AgInt no REsp 1.711.866⁄SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄3⁄2018, DJe 27⁄3⁄2018)
Assim, muito embora já tenha manifestado em votos entendimento diverso, refletindo com mais profundidade sobre a questão, atento ao precedente vinculante do Plenário do STF e ao caminho tomado pela jurisprudência da Terceira Turma do STJ, revejo meu posicionamento pessoal.
É fora de dúvida - e isso nem mesmo se questiona - que o transportador deve reparar o dano, referente ao extravio de mercadoria. Com efeito, o art. 18, alíneas 1 e 4, da Convenção de Montreal, dispõe que o transportador é responsável pelo dano decorrente da destruição, perda ou avaria da carga, sob a única condição de que o fato que causou o dano haja ocorrido durante o transporte aéreo. Quando dito transporte se efetua durante a execução de contrato de transporte aéreo, para o carregamento, entrega ou o transbordo, todo dano se presumirá, salvo prova em contrário, como resultante de um fato ocorrido durante o transporte aéreo.
O art. 4º, alíneas 1 e 2, da Convenção de Montreal, disciplina que, no transporte de carga, será expedido o conhecimento aéreo. Qualquer outro meio no qual constem as informações relativas ao transporte que deva ser executado poderá substituir a emissão do conhecimento aéreo. Se outros meios forem utilizados, o transportador entregará ao expedidor, se este último o solicitar, um recibo da carga, que permita a identificação da remessa e o acesso à informação registrada por esses outros meios.
O conhecimento de transporte aéreo (ou o recibo de carga) é o instrumento que formaliza a contratação do transporte aéreo de carga, constituindo presunção juris tantum da celebração do contrato, do peso da remessa, da aceitação da carga e das condições de transporte (arts. 5º e 11 da Convenção de Montreal).
Dessarte, o art. 22, alínea 3, da Convenção de Montreal estabelece que no transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Nesse caso, o transportador estará obrigado a pagar uma quantia que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.
Com efeito, a bem da verdade, o Diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por pagar uma quantia suplementar.
É dizer, cabe ao expedidor - como, por exemplo, na relação mercantil, em que as partes são sociedades empresárias que atuam com profissionalismo - aferir o que lhe é mais conveniente e os riscos que deseja assumir, sendo certo que, em optando por pagar frete à luz apenas de critérios gerais, como dimensões das embalagens e pesos, é razoável entender-se que o montante indenizatório deva ser limitado, sob pena de impor-se, por via reflexa, o repasse desses custos a todos os usuários do serviço, gerando iniquidades - v.g., cobrança de frete igual para transporte de bens valiosos (joias, dólar, eletrônicos) e itens de baixo valor agregado (v.g., frutas e revistas), ou mesmo a inviabilização do uso desse modal (transporte aéreo) para diversas mercadorias de valor módico.
Ora, conforme anota a doutrina especializada, os critérios que norteiam a fixação do preço do frete coadunam-se com as práticas comerciais usuais e consensuais entre os contratantes, cuja base de cálculo, via de regra, tem por embasamento o peso bruto da mercadoria, o que, no entanto, não impede o pagamento de tarifa majorada, nas hipóteses, e.g., de transporte de animais vivos, produtos de alta periculosidade ou de grande valor, podendo haver redutor em relação à tarifa normal, nas hipóteses de transporte de bens, como jornais e livros. É usual a cobrança de tarifa suplementar, na hipótese de o expedidor optar pela inserção de valor superior ao patamar-limite da indenização, em sede de declaração especial. (MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade civil no transporte aéreo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 232-233)
Nessa toada, a título meramente ilustrativo e de reforço de argumento, a Lei dos servicos postais (Lei n. 6.538⁄1978) dispõe, no art. 33, § 2º, que, na fixação das tarifas, preços e prêmios "ad valorem", são levados em consideração natureza, âmbito, tratamento e demais condições de prestação dos serviços. Os prêmios "ad valorem" são fixados em função do valor declarado nos objetos postais.
Mutatis mutandis, no tocante ao transporte marítimo internacional, este Colegiado reconheceu a higidez de contratação com cláusula limitativa da responsabilidade (resultante do exercício da opção pelo pagamento de frete reduzido sem menção ao valor da carga), quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da relação jurídica (relação mercantil), assentando que, como de costume, é oferecida ao embarcador a opção de pagar o frete correspondente ao valor declarado da mercadoria ou um frete reduzido, sem menção ao valor da carga a ser transportada. (REsp 1.076.465⁄SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 8⁄10⁄2013, DJe 25⁄11⁄2013)
Dessarte, as limitações e tarifações de indenização estão ancoradas em justificativas relevantes, tais como: a) analogia com o Direito Marítimo; b) necessidade de proteção a uma indústria essencialmente frágil e em processo de afirmação de sua viabilidade econômica; c) reconhecimento de que danos dessa magnitude não devem ser suportados apenas pelas companhias; d) indispensabilidade de contratação de seguro, que seria inviabilizada pela inexistência de teto; e) possibilidade de os próprios usuários do serviço contratarem seguro individual; f) compensação entre, de um lado, a limitação e, do outro, o agravamento do regime de responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa ou mesmo imputação objetiva); g) eliminação de complexos e demorados processos judiciais; h) unificação do Direito, quanto aos valores indenizatórios pagos. (BENJAMIN, Antônio Herman V. O transporte aéreo e o código de defesa do consumidor. Revista de direito do consumidor, n. 26, abril⁄julho, 1998, Revista dos Tribunais, p. 37-38)
De fato, o art. 50 da Convenção de Montreal estabelece que os Estados Partes exigirão de seus transportadores que mantenham seguro adequado, que cubra sua responsabilidade em virtude da presente Convenção. E o art. 281 do Código Brasileiro de Aeronáutica prevê a obrigatoriedade do contrato de seguros para garantir eventual indenização de riscos futuros, inclusive referente à bagagem e à carga.
Nesse passo, é bem de ver que é a indenização "tarifada" que permite a contratação de seguro para o caso específico do transporte aéreo, denominado, no mercado securitário, "GARANTIA R.E.T.A" (Responsabilidade do Explorador e Transportador Aeronáutico).
6. No tocante à invocação, pela recorrente, do art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que estabelece que os limites indenizatórios não se aplicam se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa graves do transportador ou de seus prepostos, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo elucida que, para os efeitos desse artigo, ocorre dolo ou culpa grave quando o transportador ou seus prepostos quiseram o resultado ou assumiram o risco de produzi-lo.
Leciona a doutrina especializada de José da Silva Pacheco acerca desse dispositivo tido por violado, in verbis:
De fato, essa disposição é harmoniosa com o art. 22, alínea 5, da Convenção de Montreal, que estabelece que a limitação indenizatória não se aplicará se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de um preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.
No que diz respeito à gradação, é possível dividir a culpa, conforme o caso, em culpa grave, culpa leve e culpa levíssima. A culpa leve se caracteriza quando o dano poderia ser evitado com um mínimo de diligência, em face do denominado "homem médio". A culpa levíssima é aquela que decorre de uma falta que somente seria evitada com cuidados acima do normal. E, finalmente, a culpa grave é a que mais se aproxima do dolo, caracterizando-se pela falta de cuidados básicos de conduta. (MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco como fundamentos da responsabilidade civil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 12)
Ora, o extravio da carga é, em todas as hipóteses, o próprio fato gerador da obrigação de indenizar do transportador, não se podendo reconhecer que, por si só, caracterize dolo ou culpa grave.
Por um lado, nem mesmo do afirmado pela recorrente se extrai demonstração de que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano.
Por outro lado, a Corte local apurou que não há "falar em culpa grave ou dolo da transportadora, a fim de se afastar a limitação indenizatória, uma vez que os autos não trazem qualquer elementos a fim de comprovar o que se afirma neste sentido" (fls. 246-247).
No caso, a Corte local apurou que a segurada optou por não declarar o valor do bem objeto do contrato de transporte aéreo, assumindo o risco de não se ver ressarcida integralmente pelo valor efetivo dos bens, em caso de extravio ou avaria da mercadoria.
Outrossim, foi também apurado que, no próprio contrato de seguro firmado pela recorrente com a expedidora da mercadoria, consta cobertura adicional para o caso de embarques aéreos sem valor declarado, tendo a própria seguradora assumido - mediante recebimento de prêmio maior - o risco de subrogar-se ao direito tão somente da quantia tarifada, consoante disposto na Convenção de Montreal.
Com efeito, diante desse contexto, penso ser de rigor a manutenção da decisão recorrida, ainda que por fundamento diverso - já que não entendo que a aplicação da Convenção de Montreal deve ser subsidiária -, pois as instâncias ordinárias, na linha do disposto no art. 22 da Convenção de Montreal - que atualizou a de Varsóvia -, já vigente por ocasião dos fatos, fixaram a indenização correspondente a 17 DES (Direitos Especiais de Saque), por cada quilo de mercadoria extraviada.
7. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
Número Registro: 2012⁄0181875-7 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.341.364 ⁄ SP |
PAUTA: 19⁄04⁄2018 | JULGADO: 19⁄04⁄2018 |
RECORRENTE | : | ITAÚ XL SEGUROS CORPORATIVOS S⁄A |
ADVOGADO | : | MARIA HELENA GURGEL PRADO E OUTRO (S) - SP075401 |
RECORRIDO | : | UNITED AIR LINES INC |
ADVOGADOS | : | RICARDO BERNARDI E OUTRO (S) - SP119576 |
BRUNO VINICIUS FERREIRA DE VEIGA E OUTRO (S) - DF033073 |
Documento: 1702888 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 05/06/2018 |