Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
- 2º Grau
Publicado por Superior Tribunal de Justiça
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
T6 - SEXTA TURMA
Publicação
DJe 08/09/2009
Julgamento
13 de Agosto de 2009
Relator
Ministro OG FERNANDES
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Relatório e Voto
HABEAS CORPUS Nº 120.353 - SP (2008/0248789-7)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de David Sean Maritz contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que negou provimento ao agravo regimental ali interposto, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ART. 44 DA LEI DE ENTORPECENTES. INCONSTITUCIONALIDADE. LEI EM TESE. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA. REVISAO. COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Sob o argumento da suposta inconstitucionalidade do art. 44 da Lei de Entorpecentes, pretende o agravante obter em favor do paciente o benefício da substituição da pena corporal por penas alternativas.
2. A via estreita do writ não admite impetração contra lei em tese. Precedente do E. STF.
3. Eventuais ilegalidades ou abuso de poder apenas podem ser reconhecidos quando demonstrados de plano e de forma inequívoca, o que não ocorreu neste feito.
4. Considerando que sobre a sentença de primeiro grau já se operou a coisa julgada, e ausentes quaisquer vícios de ilegalidade ou abuso de poder então invocados neste writ, a reprimenda imposta ao paciente não reúne condições ser revista por esta E. Corte.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
Depreende-se dos autos que, em 17.5.07 , o paciente foi preso em flagrante e posteriormente denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 33, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06. Ao final da instrução, sobreveio sentença condenando-o às penas de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, e 390 (trezentos e noventa) dias-multa.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, afirmando que a vedação prevista no art. 44 da nova Lei de Entorpecentes fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, da proporcionalidade e da razoabilidade.
A impetração não foi conhecida, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito. Foi interposto, então, agravo regimental a que se negou provimento.
Daí o presente writ onde o impetrante alega, em resumo, que:
o Estado, atuando no âmbito da jurisdição, acaba por lesar a liberdade de locomoção do indivíduo, ao lhe negar a substituição da pena corporal por restritivas de direitos;
o paciente é primário, ostenta bons antecedentes, não faz do crime seu meio de vida e nem integra organização criminosa, tanto que beneficiado pela causa especial de redução de pena prevista no art. 33, 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu grau máximo.
Requer seja admitida a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mediante declaração incidental de inconstitucionalidade da norma do 4º do art. 33, c/c o art. 44, ambos da Nova Lei de Entorpecentes.
Informações prestadas à fl. 47.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot, opinou pela denegação da ordem (fls. 55/57).
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 120.353 - SP (2008/0248789-7)
VOTO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): De início, tenha-se que o crime atribuído ao paciente foi praticado em 17.5.07 , quando já em vigor a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
A questão cinge-se a determinar se é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a despeito da redação do art. 33, 4º, e art. 44, do mencionado diploma.
Eis o teor dos dispositivos:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)
4º Nos delitos definidos no caput e no 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos , desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos .
Tenho por relevante a argumentação do impetrante, notadamente no que diz respeito à alegação de que a proibição à substituição viola os princípios da dignidade da pessoa humana, individualização da pena, assim também o da proporcionalidade.
Tais princípios relembrando Ronald Dworkin e Robert Alexy constituem verdadeiras normas jurídicas , aqui, de status constitucional e aplicação imediata (art. 5º, 1º, CF), garantias fundamentais insuscetíveis, é cediço, de supressão por emenda (art. 60, 4º, IV, CF).
É do texto da Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana ;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
Com efeito, conforme destacado no voto proferido pelo Ministro Nilson Naves, esta Sexta Turma vinha proclamando, ainda na vigência da antiga redação do 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, e, antes mesmo da declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que a vedação à progressão de regime aos crimes hediondos e equiparados não impedia a aplicação do benefício da substituição de pena.
Observem-se os precedentes:
POLÍTICA CRIMINAL. PENA DE PRISÃO (LIMITAÇAO AOS CASOS DE RECONHECIDA NECESSIDADE). TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇAO DA PENA (POSSIBILIDADE). ART. 44 DO CÓD. PENAL.
1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere.
2. A disciplina da Lei nº 8.072/90 e o disposto no Cód. Penal (art. 44) não são incompatíveis.
3. Em se tratando de delinqüente sem periculosidade, não há falar em óbice à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
4. Recurso especial improvido.
(REsp nº 702.500/BA , Relator o Ministro Nilson Naves, DJ de 10/4/2006)
PENAL E PROCESSUAL. ENTORPECENTES. TRÁFICO. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DA ASSOCIAÇAO EVENTUAL. ART. 18, INCISO III, LEI 6.368/76. IMPOSSIBILIDADE. DILAÇAO PROBATÓRIA. SUBSTITUIÇAO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE APENAS PARA O TERCEIRO PACIENTE, QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 44 DO CP. CRIME HEDIONDO. PROGRESSAO DE REGIME. PERMISSAO. INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇAO LEGAL. ORDEM CONCEDIDA.
O habeas corpus é ação constitucional destinada a proteger o direito deambulatório do cidadão, quando experimenta ameaça ou efetiva coação ilegal ou por abuso de poder.
Marcado por cognição sumária e rito célere, não comporta o exame de questões que, para seu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, posto que tal proceder é peculiar ao processo de conhecimento.
Alegações tendentes à declaração de afastamento da majorante da associação eventual desborda da via eleita, porque exige aprofundado exame de fatos e provas.
É aplicável o art. 44 do Código Penal aos crimes hediondos e equiparados, visto que não há impedimento legal, nem incompatibilidade com a Lei 8.072/90 no tocante ao cumprimento do regime integralmente fechado; não obstante, apenas se preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.
A vedação à execução progressiva da pena, nos moldes no que dispõe a Lei 8.072/90, é discriminatória e, por isso, violadora dos princípios constitucionais da legalidade, da individualização, da isonomia e da humanidade da pena.
Ordem CONCEDIDA tão somente para substituir a pena privativa de liberdade do paciente RICARDO DE MEDEIROS GACCIONE e afastar a proibição quanto à progressão de regime dos outros pacientes.
(HC nº 41.939/SP , Relator o Ministro Paulo Medina, DJ de 6/2/2006)
Aliando-me, portanto, às ponderadas razões do voto proferido pelo Ministro Nilson Naves, acolho a arguição de inconstitucionalidade da vedação à substituição de pena contida no 4º do art.333 e no art.444 da Lei nº11.3433/06, submetendo, nos termos do art.2000 do Regimento Interno deste Tribunal e art.4800 e seguintes doCódigo de Processo Civill, o incidente à apreciação da Corte Especial.
É como voto.
Documento: 6058863 | RELATÓRIO E VOTO |