25 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC |
ADVOGADO | : | PAULO FERREIRA PACINI E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | VIANA ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS S/C LTDA |
ADVOGADO | : | ROBERTO ALMEIDA DA SILVA E OUTRO (S) |
ASSIST.LIT | : | ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE DEFESA DA ECOLOGIA, CIDADANIA E DO CONSUMIDOR - ABRADEC |
ADVOGADO | : | MÁRCIA SANTOS BATISTA E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor em face de Viana Administradora de Consórcios Ltda, figurando como assistente a ABRACED Associação Brasileira de Defesa da Ecologia, Cidadania e do Consumidor, visando obter a rescisão dos contratos de consorciados da ré e a condenação da empresa a devolver, com correção monetária, as quantias pagas por todos os consumidores desistentes ou excluídos do consórcio. Afirma que a requerida recusa-se a devolver as parcelas quitadas pelos consorciados , com juros e correção monetária, não obstante o término do grupo.
A sentença julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por entender que não estava caracterizado o direito individual homogêneo e, portanto, incabível a ação civil pública (fls. 39/41).
O IDEC apelou (fls. 49/65). O Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso e reconheceu a legitimidade da autora.
Após o retorno dos autos à instância de origem, a sentença acolheu o pedido, sob o argumento de que é a abusiva a cláusula que prevê a impossibilidade de devolução das importâncias pagas ao consórcio quando o consumidor se retira ou é excluído do plano. Condenou a requerida à devolução das importâncias recebidas de todos os consorciados desistentes, que foram excluídos ou não dos grupos, com a devida correção monetária e juros legais, reduzindo-se a taxa administrativa, seguros, multa e juros de mora, 30 dias após a última assembléia de cada grupo.
A empresa ré apelou (fls. 243/259). O Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao recurso, em acórdão que restou assim ementado:
Opostos embargos de declaração por ambas as partes (fls. 316/318 e 320/324), foram rejeitados (fls. 330/302)
O IDEC interpôs recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando, em síntese, violação aos arts.955 e1033, III, doCDCC, pois a obrigação da empresa ré de devolver as quantias desembolsadas pelos consorciados desistentes e excluídos, conforme fixado pelo acórdão, se faz presente tanto nos contratos novos (posteriores a 1993) quanto naqueles celebrados sob a égide da Portaria nº1900/89.
No ponto central da insurgência, afirma o recorrente:
Contrarrazões às fls. 365/370.
Admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fls. 385/388), subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou, em parecer de fls. 397/403, pelo não conhecimento do recurso.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC |
ADVOGADO | : | PAULO FERREIRA PACINI E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | VIANA ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS S/C LTDA |
ADVOGADO | : | ROBERTO ALMEIDA DA SILVA E OUTRO (S) |
ASSIST.LIT | : | ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE DEFESA DA ECOLOGIA, CIDADANIA E DO CONSUMIDOR - ABRADEC |
ADVOGADO | : | MÁRCIA SANTOS BATISTA E OUTRO (S) |
EMENTA
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. A questão central em debate diz respeito à limitação imposta pelo Tribunal a quo , ao estabelecer que a condenação da ré a devolver os valores vertidos pelos consorciados excluídos ou desistentes, somente se aplicar aos contratos celebrados sob a égide da Portaria nº 190/89, do ministério da Fazenda.
A Portaria nº 190/89, em seu art. 53.2, estabelecia:
3. Primeiramente, cabe ressaltar que não prospera a alegada ausência de prequestionamento da matéria aventada em contrarrazões, porquanto o acórdão recorrido decidiu a questão da limitação dos efeitos da sentença aos contratos regidos pela Portaria n. 190/89, consoante acima mencionado.
Em sede de embargos de declaração, instado para fim de prequestionamento, o Tribunal a quo debateu amplamente a questão (fls. 330/331).
Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal. A falta do prequestionamento explícito, ao contrário do alegado pelo recorrido, não prejudica o exame do recurso especial, uma vez que a jurisprudência desta Corte é uníssona em admitir o prequestionamento implícito.
Nesse sentido os seguintes julgados: AgRg no REsp 937.382/GO , Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 04.12.2007, DJ 17.12.2007 p. 169; AgRg no Ag 829.222/MG , Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 27.11.2007, DJ 10.12.2007 p. 377; Resp 769.249/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13.02.2007, DJ 12.03.2007 p. 203; EREsp 155621/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/06/1999, DJ 13/09/1999 p. 37).
4. Nesse passo, tenho que o Tribunal de origem, ao limitar a responsabilidade do réu aos danos causados apenas nos contratos firmados sob a égide da Portaria nº 190/89, malferiu os arts. 95 e 103, CDC, assim redigidos:
De fato, na inicial da ação civil pública, o IDEC descreve situação em que um de seus associados foi excluído do consórcio e não recebeu qualquer valor à título de devolução das parcelas pagas. Informa, ainda, que a prática atingia também os consorciados desistentes que, ou não recebiam os valores a que faziam jus, ou o recebiam sem a devida correção monetária e juros, apesar de aguardarem o término do grupo. Sustenta, ademais, que o contrato de adesão utilizado pela empresa ré possui cláusula estipulando que a devolução das quantias pagas dar-se-á, "em caso de desistência ou exclusão, sem correção monetária e juros", o que"demonstra claramente a sua intenção de praticar enriquecimento ilícito". Por fim, a associação requereu a rescisão dos contratos que possuíam a referida cláusula e a condenação genérica da empresa a devolver os valores pagos pelo consorciados desistentes e excluídos, acrescidos de correção monetária e juros legais.
O Tribunal de origem, por sua vez, afirmou que:
Nos embargos de declaração, o Tribunal esclarece:
Verifica-se, por conseguinte, que o"thema decidendo"na ação civil pública não se restringe à invalidade da cláusula que previa a devolução dos valores pagos sem correção monetária e juros, conforme determinado pela Portaria nº 190/89, mas vai além, pois o autor descreve também prática ilegal mediante a qual a empresa se negava a devolver qualquer valor.
Contudo, o Tribunal de origem restringiu a análise da questão ao não pagamento dos juros e da correção monetária das parcelas a serem devolvidas, no período em que vigia a Portaria nº 190/89, a despeito desse ponto não constar na inicial.
Em outras palavras, a nova regulamentação dos consórcios, estipulada pelo Banco Central, embora tenha revogado a Portaria nº 190/89, inserindo a obrigação de que a devolução dos valores fosse realizada com correção monetária e excluindo dos novos contratos a cláusula abusiva que os tornava inválidos, não foi capaz de alterar a prática da empresa de se recusar a devolver as quantias desembolsadas pela consumidores desistentes ou excluídos.
5. Sendo assim, persiste a obrigação da empresa em devolver as quantias desembolsadas pela consumidores desistentes ou excluídos, seja nos contratos firmados enquanto vigorava a Portaria 190/89, seja nos contrato firmados posteriormente. Restringir esse direito a determinado período, ao arrepio do que foi pretendido na inicial, implica violação dos arts. 95 e 103 do CDC, pois trata de maneira diferente situações idênticas. Tenha sido o contrato firmado sob a égide da Portaria nº 190/89 ou após sua revogação, a prática impugnada, qual seja, não devolução dos valores pagos por consorciados desistentes ou excluídos, e os danos decorrentes dela são os mesmos.
Com efeito, a condenação genérica visa apenas identificar a lesão a direito e os danos causados por esta, conforme realizado pela sentença à fl. 233. Posteriormente, em liquidação de sentença, é que se verificará o dano efetivamente sofrido por cada vitima, ou seja, se a empresa devolveu o valor nominal pago, sem a devida atualização, ou se não realizou o pagamento de qualquer quantia.
Essa é a posição da doutrina balizada:
6. Por fim destaca-se que o conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional pressupõe a demonstração analítica da alegada divergência. Para tanto, faz-se necessário a transcrição dos trechos que configurem o dissenso, mencionando as circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.
No presente caso, embora tenha o recurso sido apresentado com fundamento na referida alínea, nada que possa demonstrar qualquer divergência jurisprudencial foi alegado. Assim, ausente a demonstração analítica do eventual dissenso, há flagrante deficiência nas razões recursais, incidindo, analogamente, o verbete sumular 284 do STF que dispõe ser "inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".
7. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, lhe dou provimento, a fim de estender os efeitos da sentença aos contratos firmados após a revogação da Portaria nº 190/89.
Documento: 5468735 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |