18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SC 2018/XXXXX-6 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.230 - SC (2018/XXXXX-6)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RECORRIDO : MOISES CARLOS GERBER
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição da República, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local.
Segundo consta dos autos, o Juízo da Vara de Execuções Criminais negou livramento condicional ao recorrido em razão da reincidência específica em delitos de natureza hedionda e equiparados, uma vez que possui uma condenação por tráfico de drogas privilegiado e outra por tráfico de drogas simples.
Ao agravo em execução da defesa o Tribunal de origem deu provimento para afastar a alegada natureza hedionda por equiparação do tráfico privilegiado, para superar o óbice de reincidência específica e para determinar que o Juízo das execuções criminais analise os demais requisitos para a concessão do benefício (e-STJ fls. 40/41).
Daí este recurso especial, no qual o Parquet alegou, além de dissídio jurisprudencial, violação do art. 44, caput, e parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, sustentando, em suma, que "o tráfico de drogas, seja ele na forma simples ou privilegiada, permanece sendo tráfico de drogas tipificado no artigo 33 da Lei de Drogas e está plenamente hábil a ensejar a reincidência específica" (e-STJ fl. 63).
Requereu, assim, "seja afastada a possibilidade de concessão do livramento condicional a réu reincidente específico no crime de tráfico de entorpecentes" (e-STJ fl. 69).
Contrarrazões apresentadas (e-STJ fls. 84/92).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso (e-STJ fls. 112/118).
Superior Tribunal de Justiça
É, em síntese, o relatório. Decido.
O Tribunal de origem afastou a natureza hedionda do tráfico privilegiado
e, por conseguinte, superou o obstáculo da reincidência específica para a concessão do
livramento condicional, consoante estes fundamentos (e-STJ fls. 35/41):
Ultrapassada tal quaestio, infere-se dos autos em Primeiro Grau -PEC n. XXXXX-78.2011.8.24.0023 (fls. 112/114) - que o reeducando foi condenado definitivamente às penas que, somadas, importam em 06 (seis) anos e 11 (onze) meses de reclusão, das quais a primeira, 1 (um) ano e 08 (oito) meses, é relativa ao crime tipificado no art. 33, caput, c/c § 4º da Lei n. 11.343/06 (PEC - 023.11.035232-0), e a segunda, 05 (cinco) anos e 03 (três) meses, pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (PEC - 023.11.001247-2).
Dito isso, com relação à hediondez ou não do delito de tráfico de drogas privilegiado, desnecessário grandes digressões, uma vez que o C. Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, de forma incidental, no julgamento do Habeas Corpus n. 118.533, do Mato Grosso do Sul, sufragou o entendimento, ratificado posteriormente pelo C. Superior Tribunal de Justiça e seguido, inclusive, por esta Egrégia Corte, segundo o qual "o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos" (STF, HC n. 118.533/MS, Relatora: Min.ª Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 23/06/2016).
[...]
Logo, não mais persiste, com relação ao crime de tráfico de drogas, na sua forma privilegiada, o óbice para concessão de livramento condicional e outros benefícios, em razão da hediondez do delito .
Não obstante, na hipótese, existe uma especificidade que merece melhor análise por este Órgão Colegiado.
É que o apenado é reincidente em crime de tráfico de drogas, o que, num primeiro viso, seria óbice à concessão do regalo, a rigor do art. 83, V, do Código Penal, verbis:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
[...]
V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o
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apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.
Entretanto, como salientado alhures, uma vez superada a questão da hediondez, o delito de tráfico de drogas privilegiado passou a ostentar natureza de crime comum .
[...]
Neste compasso, a despeito de se tratar de tráfico de entorpecentes e drogas afins, no que se refere à concessão do livramento condicional, a regra estabelecida no art. 44 da Lei n. 11.343/2006 deve prevalecer sobre a insculpida no art. 83, V, do CP, em razão do princípio da especialidade .
Desse modo, o art, 44, parágrafo único, da Lei n. 11.343/06, disciplina expressamente os crimes que, em caso de reincidência específica, não poderão ser agraciados com o livramento condicional, sendo certo que o § 4º, do art. 33, do mesmo Diploma Legal, não está ali elencado .
[...]
Diante disso, ostentando o agravante duas condenações, uma por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) e outra por tráfico (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006), não se há falar, na hipótese, em reincidência específica.
Essa solução, aliás, é a mais benéfica ao apenado e, a meu sentir, a que melhor se harmoniza com o disposto na legislação, devendo, por isso, ser observada.
[...]
Por conseguinte, afastado o impeditivo relacionado à reincidência específica, necessário que o digno Magistrado a quo realize novo prognóstico para fins de concessão ou não do livramento condicional.
Por tais razões, vota-se no sentido de se conhecer do recurso e dar-lhe provimento para, afastando o óbice relativo à reincidência específica, determinar ao Juízo de Primeiro Grau que efetue a análise dos demais requisitos para fins de concessão ou não do livramento condicional. (Grifei)
Dos termos transcritos, verifico que o Tribunal estadual decidiu em
harmonia com a jurisprudência desta Corte, sedimentada no sentido de que "o
sentenciado condenado, primeiramente, por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n.º
11.343/2006) e, posteriormente, pelo crime previsto no caput do art. 33 da Lei n.º
11.343/2006, não é reincidente específico, nos termos da legislação especial; portanto,
não é alcançado pela vedação legal, prevista no art. 44, parágrafo único, da referida
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Lei." (HC n. 419.974/SP, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, julgado em 22/5/2018, DJe 4/6/2018).
No mesmo sentido:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO PRIVILEGIADO E TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CARACTERIZADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ANÁLISE DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. MATÉRIA NÃO APRESENTADA ÀS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
II - 'O sentenciado condenado, primeiramente, por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006) e, posteriormente, pelo crime previsto no caput do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, não é reincidente específico, nos termos da legislação especial; portanto, não é alcançado pela vedação legal, prevista no art. 44, parágrafo único, da referida Lei.' (HC 419.974/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 04/06/2018, grifei).
III - In casu, embora o paciente já ostentasse condenação anterior por tráfico privilegiado quando praticou o crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006), não se configurou a reincidência específica, uma vez que se tratam de condutas de naturezas distintas.
[...]
Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para cassar o v. acórdão vergastado e restabelecer a decisão de 1º Grau que homologou cálculo de penas, considerando o paciente não reincidente específico em crimes hediondos. (HC 453.983/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 09/08/2018, grifei)
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO CAPUT E TRÁFICO PRIVILEGIADO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REINCIDENTES ESPECÍFICOS. ARTS. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL E 44 DA LEI N. 11.343/2006. AFASTADA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. ADOÇÃO DO POSICIONAMENTO DO PLENÁRIO DO STF . ORDEM CONCEDIDA.
1. O Plenário da Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 118.533/MS, adotou novo posicionamento no sentido de que o
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tráfico de entorpecentes privilegiado não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos, pois o tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa.
2. Interpretando-se as disposições contidas no § 4º do art. 33 e no art. 44, ambos da Lei de Drogas, constata-se a intenção do legislador em diferenciar o tratamento do traficante eventual, tanto concedendo-lhe a redução do privilégio, quanto permitindo-lhe a concessão da fiança, do sursis, da graça, do indulto, da anistia e da liberdade provisória, benefícios negados aos que se enquadram no caput e § 1º do art. 33 do mencionado diploma.
3. Imperioso afastar a reincidência específica em relação ao tráfico privilegiado e o tráfico previsto no caput do art. 33 da Lei de Drogas, nos termos do novo entendimento jurisprudencial, para fins da concessão do livramento condicional.
4. Habeas corpus concedido para afastar a reincidência específica e reconhecer a possibilidade de que seja concedido o livramento condicional ao paciente, restabelecendo a decisão do Juízo da Execução. (HC 436.103/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018, grifei)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 28 de agosto de 2018.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator