30 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 566818 RJ 2020/0067785-0 - Decisão Monocrática
Detalhes da Jurisprudência
Publicação
Relator
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Decisão Monocrática
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 566.818 - RJ (2020/0067785-0)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ADVOGADOS : RONALDO ORLOWSKI - RJ087506 DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : EDUARDO FERREIRA DA SILVA (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. 131,6 G DE MACONHA, DISTRIBUÍDOS EM 27 TABLETES, COM A INSCRIÇÃO "A BRABA $10 CDD 15 CV", 3,9 G DE COCAÍNA, ACONDICIONADOS EM 1 SACOLÉ, 1 CADERNO COM ANOTAÇÕES SOBRE A MERCANCIA DE ENTORPECENTES E 1 BALANÇA DE PRECISÃO. AUSÊNCIA DE MANDADO JUDICIAL PARA ENTRADA NA RESIDÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DE PRÉVIA INVESTIGAÇÃO PARA JUSTIFICAR O INGRESSO NO DOMICÍLIO.
Ordem concedida nos termos do dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Eduardo
Ferreira da Silva , em que se aponta como autoridade coatora a Primeira
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
No Processo n. 0195658-27.2018.8.19.0001, o paciente foi
denunciado como incurso nos arts. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006, na
forma do art. 69, do Código Penal, em face da apreensão de 131,6 g de
maconha, distribuídos em 27 tabletes, com a inscrição "A BRABA $10 CDD 15
CV", 3,9 g de cocaína, acondicionados em 1 sacolé, 1 caderno com anotações
sobre a mercancia de entorpecentes e 1 balança de precisão (fls. 68/70).
Na sentença, o Juízo da comarca da Capital/RJ condenou o paciente
à pena de 10 anos de reclusão, em regime fechado, e 1.400 dias-multa, por ter
sido incurso nos arts. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006 (fls. 51/61).
Em sede de apelação, a defesa apontou nulidade das provas, em
razão da inviolabilidade de domicílio. Requereu também a absolvição por
ausência de provas. A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio
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de Janeiro deu parcial provimento ao recurso (fls. 24/40).
No presente writ, a impetrante aponta ilegalidade nas provas para a
condenação, uma vez que os policiais teriam entrado na residência sem o
mandado judicial. Aduz que tal informação acerca de ter sido a entrada
franqueada está apenas no próprio depoimento dos policiais, o que não serve
como prova idônea. Alega, ainda, que, para que ocorra o crime de associação,
faz-se necessário o concurso de pessoas (fls. 3/23).
Assim, requer a absolvição por ambos os delitos: tráfico de drogas,
ante a ilegalidade das provas; e associação para o tráfico, por atipicidade.
Parecer ministerial opinando pela denegação do writ (fls. 75/79).
É o relatório.
Para afastar a alegação de ilicitude da prova, pela ausência de
mandado judicial para entrar na residência, assim se manifestou o Tribunal (fls.
24/40 - grifo nosso):
[...]
Não há que se cogitar de nulidade processual, no presente caso, tendo em vista a prescindibilidade do mandado de busca e apreensão para o ingresso em domicílio quando a polícia tem notícia da ocorrência , in loco, de delito de natureza permanente, cujo momento consumativo se protai no tempo.
A alegada exigência de expedição de mandado de busca e apreensão, a casa local onde os policiais necessitassem ingressar para cumprir o dever legal de prender autor de infração penal é mitigada quando o agente estiver cometendo delito, bem como apreender drogas, bens, armas e instrumentos do crime, sob pena de inviabilizar a efetividade das operações policiais realizadas para proteção da segurança coletiva , obrigação constitucional do Estado, ainda que em detrimento da privacidade individual, cuja preservação e proteção também tem matriz constitucional, porém, não em caráter absoluto.
Num confronto entre o interesse público de coibir nefasta mercancia de drogas e o interesse privado da inviolabilidade domiciliar, deve prevalecer o interesse na persecução penal .
(...) Neste contexto, as circunstâncias da prisão, a apreensão de 131,6 gramas de maconha, distribuída em 27 tabletes, com a inscrição "A BRABA $10 CDD 15 CV", 3,9 gramas de cocaína, acondicionado em 1 sacolé, de 01 caderno com anotações sobre a mercancia de entorpecentes e de 01 balança de precisão, em comunidade dominada pela facção criminosa Comando Vermelho, somado aos depoimentos dos policiais militares, bem como a ausência de demonstração de trabalho lícito, comprovam que Eduardo Ferreira da Silva é traficante de drogas e que se encontrava associado com os demais elementos da facção criminosa Comando Vermelho, para a prática do delito de tráfico de entorpecentes na Cidade de Deus.
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Não se pode ignorar que no interior das comunidades carentes dominadas por organização criminosa dedicada ao tráfico de entorpecentes, tal organização tem o controle da venda de drogas dentro desta comunidade.
E do conhecimento de todos sobre as conseqüências que uma pode sofrer quando tenta estabelecer uma concorrência na mercancia de drogas em área dominada por esse tipo de organização ilícita.
Registre-se, ainda, que o tipo penal em apreço prescinde da prisão de mais de um agente para a sua configuração, tendo em vista que o liame subjetivo existente entre os agentes pode ser comprovado por outros meios de prova, esclarecendo-se, por oportuno, que não se exige habitualidade nesta conduta criminosa, bastando seja configurado o intuito associativo entre os agentes para o cometimento do crime de tráfico de entorpecentes, o que restou sobejamente configurado no caso em exame (fls. 26/40).
[...]
Razão assiste à defesa, pois não houve de fato uma investigação
prévia para justificar a entrada dos policiais na residência sem um mandado
judicial. Na sentença, consta que os policiais estariam passando pela rua
quando uma cadela conduzida pela guarnição policial constatou a presença de
drogas e sinalizou em frente à residência do paciente. Então, não se tratou de
algo que já estivesse sendo investigado pela polícia, e que tenha ocorrido o
flagrante, mas, sim, uma apreensão de drogas feita de forma inesperada e sem
o devido mandado judicial. A propósito:
[...]
1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno -quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ, REsp n. 1.574.681/RS.
2. Não há, no caso, referência à prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Não há, da mesma forma, menção a eventual movimentação de pessoas na residência típica de comercialização de drogas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Há apenas a descrição de que policiais militares receberam "notícias" acerca de eventual traficância praticada pelo réu, sem a realização, ao que tudo indica, de outras diligências prévias para apurar a veracidade e a plausibilidade dessa informação, de maneira que não se configurou o elemento "fundadas razões" a autorizar o ingresso no domicílio do réu.
3. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso, de maneira que a entrada no domicílio do acusado, no caso, desbordou do que se teria como uma situação justificadora do ingresso na casa do então suspeito. Sem eficácia probatória, portanto, a prova obtida
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ilicitamente, por meio de violação de norma constitucional, o que a torna imprestável para legitimar todos os atos produzidos posteriormente.
[...]
(REsp n. 1.593.028/RJ, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 17/3/2020)
[...]
1. O ingresso da autoridade policial no domicílio para a realização de busca e apreensão sem mandado judicial se mostrou ilegal, pois não havia a presença de elementos seguros que evidenciassem qualquer prática ilícita, mas, sim, apenas o fato de o paciente empreender fuga.
2. Ordem concedida para reconhecer a ilicitude das buscas realizadas na segunda e terceira residências, bem como de todas as provas decorrentes; anular os atos praticados posteriormente, inclusive a prisão em flagrante; e, por fim, determinar o desentranhamento das provas ilícitas dos autos.
[...]
(HC n. 525.266/PR, de minha relatoria, Sexta Turma, DJe 1º/10/2019)
Também deverá o paciente ser absolvido em relação ao delito de
associação para o tráfico, pois a comprovação foi feita pela apreensão de
balança de precisão e de caderno de anotações, na residência do paciente, que
demonstrou, por meio do depoimento dos policiais, que o caderno trazia a
movimentação da venda do material entorpecente. Sendo ilegais as provas
produzidas, não há falar em tipificação também no art. 35, caput, da Lei
Antidrogas.
Ante o exposto, concedo a ordem para absolver o paciente por
ambos os delitos, arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, em
decorrência da ilicitude da prova produzida.
Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
Brasília, 29 de abril de 2020.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator
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